Índice de Capítulo

    Após um breve silêncio, o dono do acampamento olhou para Xu Qing e disse:

    “Garoto, vamos deixar isso para lá. Você salvou o Sargento Trovão, e o inimigo dele está morto. Não há razão para nós dois lutarmos até a morte. Além disso, sou um ancião da Seita do Guerreiro Vajra Dourado. Se você continuar lutando comigo, estará basicamente declarando guerra à minha seita. Nosso patriarca é um especialista no Estabelecimento de Fundação!”

    Xu Qing permaneceu ali em silêncio antes de cuspir uma bocada de sangue. Cambaleando um pouco, ele ergueu a mão como se fosse limpar o sangue.

    No entanto, foi nesse momento que o dono do acampamento, que parecia disposto a encerrar a luta, avançou de repente, os olhos brilhando friamente. Ele se moveu ainda mais rápido do que antes, a luz dourada ao seu redor explodindo com uma intensidade ainda maior, enquanto seu corpo parecia se transformar em ouro.

    “Guerreiro Vajra Dourado: Terceiro Dharma!”

    De longe, parecia que o dono do acampamento estava completamente coberto de luz dourada, e sua intenção assassina ardia com uma intensidade implacável.

    A expressão de Xu Qing não mudou nem um pouco. Mais do que isso, o cambalear de antes desapareceu instantaneamente. Estava claro que era apenas uma encenação. E ele não estava levantando a mão para limpar o sangue da boca, mas sim para erguê-la acima da cabeça. Fechou os olhos. Em sua mente, recordou a imagem no templo, em que a estátua de um deus, caminhando majestosamente, levantava a mão para desferir um golpe de sabre que continha algum tipo de grande dao. Xu Qing havia praticado aquele golpe inúmeras vezes, mas nunca o utilizara em combate. Agora, ele sentia que finalmente podia usá-lo.

    Luz violeta irrompeu, envolvendo-o e subindo até sua mão direita.

    A estátua do deus era dourada, mas Xu Qing era diferente.

    À medida que a luz violeta fervilhava, o dono do acampamento uivou e se aproximou. Foi então que a mão direita de Xu Qing desceu em um movimento aparentemente casual.

    Não havia nada de espetacular naquele gesto; na verdade, parecia completamente comum. Simples, até. No entanto, dentro daquela movimento comum, havia algo profundo. E por causa dessa profundidade, à medida que a luz violeta convergia para sua mão e ela descia além de sua cabeça… a imagem de um sabre apareceu nela!

    Era um sabre celestial gigantesco!

    A luz violeta cintilava, substituindo a luz do sol, apagando o brilho dourado, tomando conta de tudo. Quando a mão de Xu Qing desceu, o sabre caiu junto… cortando tudo em seu caminho! Um estrondo parecido com um trovão ecoou, e o chão do acampamento tremeu. Um vendaval atravessou o lugar, acompanhado por uma luz ofuscante.

    Os saqueadores recuaram sem nem pensar.

    Quanto ao dono do acampamento, que avançava a toda velocidade em direção a Xu Qing, ele diminuiu o passo, até parar completamente a uns três metros de distância. Primeiro, olhou para Xu Qing. Depois, olhou para o chão. Bem debaixo dele, uma fenda perfeitamente reta se estendia por mais de vinte metros, continuando além de onde ele estava.

    “Esse golpe…” murmurou. Sangue começou a escorrer de seu rosto, indo da testa até o queixo. Depois desceu pelo peito e chegou à região do dantian. Então, o sangue jorrou, e seu corpo se partiu em dois. As duas metades caíram no chão. O silêncio tomou conta do ambiente.

    A única coisa que se ouvia eram os leves suspiros de espanto dos que assistiam.

    O sol poente iluminava o jovem parado ali, enquanto o sangue escorria da ponta de seus dedos e pingava no chão, criando pequenas ondas nas poças de sangue espalhadas pelo chão.

    Seu reflexo era difícil de enxergar nas águas avermelhadas, mas, ainda assim, o frio em seu olhar era claro como o dia.

    Sem dizer nada, Xu Qing guardou o punhal ensanguentado e o espeto. Pegou o tesouro talismã com as letras meio apagadas, depois se virou e caminhou até Crucifixo e Rapina Graciosa, que o observavam com expressões de admiração. Xu Qing pegou o Sargento Trovão inconsciente nos braços e o levou embora.

    De cabeça baixa, Crucifixo e Rapina Graciosa o seguiram.

    A sombra de Xu Qing se alongava sob o sol se pondo, passando pelo chão encharcado de sangue. Havia algo melancólico nela.

    Os saqueadores o acompanharam com os olhos até ele desaparecer, antes de voltarem a atenção para os corpos espalhados, como manchas de sangue no rastro deixado por Xu Qing. Alguns lembraram da luta contra a Anaconda Gigante com Chifres durante o teste de entrada, naquela ocasião também, Xu Qing tinha deixado um rastro de sangue enquanto arrastava o cadáver para fora da arena. As duas cenas pareciam se misturar em uma só.

    “Garoto!” alguém gritou. E logo outros começaram a fazer o mesmo.

    “Garoto!!”

    “Garoto!!!”

    As vozes se uniram, ficando cada vez mais altas. Velhos, jovens, adultos. Até as garotas nas tendas de penas. Todos olhavam para ele com admiração fervorosa, chamando seu apelido cada vez mais alto. Era… uma saudação especial dos saqueadores!


    O sol quase havia desaparecido no horizonte. No portão principal do acampamento, Xu Qing parou para ajeitar o Sargento Trovão nas costas. Então, olhou por cima do ombro para Crucifixo e Rapina Graciosa. Eles devolveram o olhar, cheios de respeito e sentimentos difíceis de descrever. Já tinham uma ideia do que viria a seguir.

    “Você vai embora?” perguntou Crucifixo, em voz baixa.

    Xu Qing assentiu. “Vou acompanhar o Sargento Trovão até o fim de sua jornada. Depois, deixarei este lugar.”

    Nenhum dos dois respondeu.

    Foi só então que Xu Qing percebeu que precisava se despedir. Lançou a eles um olhar profundo e depois olhou para o acampamento onde tinha passado quase meio ano da sua vida.

    Rapina Graciosa deu um passo à frente e ajeitou os próprios cabelos. Ignorando o sangue que a encharcava, ela o abraçou. “Se cuida, tá?”

    Xu Qing não a afastou. “E vocês dois?” perguntou, baixinho.

    “Nós vamos embora também. Não se preocupe. Crucifixo e eu sabemos cuidar de nós mesmos. Somos fortes o bastante pra nos darmos bem em qualquer acampamento onde formos parar.” Ela sorriu.

    Crucifixo não disse nada. Só se aproximou e deu um abraço firme em Xu Qing.

    Com isso, Xu Qing caminhou alguns passos, virou-se, acenou e, então, deixou o acampamento, seguindo em direção à região proibida.

    Crucifixo e Rapina Graciosa ficaram ali, olhando até que ele desaparecesse no horizonte. Quando não o viram mais, Rapina Graciosa comentou:

    “O que acha, Crucifixo? Será que vamos vê-lo de novo? Nem sequer perguntamos o nome verdadeiro dele.”

    “Nós vamos vê-lo de novo. E quanto a nomes… eles não importam”, disse Crucifixo, enquanto estendia a mão e segurava a dela.


    Xu Qing carregava o Sargento Trovão nas costas, do mesmo jeito que tinha feito quando o velho se feriu e ele o tirou da região proibida. Na verdade, ele até seguiu o mesmo caminho de volta. Só que agora, o Sargento Trovão parecia cada vez mais leve, como se sua força vital estivesse se esvaindo. E, pouco a pouco, uma aura de morte começou a envolver o velho.

    A tristeza de Xu Qing só aumentava. Ele entrou na floresta e foi seguindo cada vez mais fundo, sempre numa direção certa. Depois de um tempo, o sol se pôs e a noite tomou conta do céu.

    Por causa da energia que ainda o envolvia, cheia de intenção assassina, nenhuma besta mutante se atreveu a impedir seu caminho. Elas apenas o deixavam passar, respeitando seu luto.

    Mais ou menos duas horas depois, uma voz rouca soou atrás dele.

    “Garoto, eu tive um sonho.”

    O Sargento Trovão estava acordado, com um olhar perdido. Ele não perguntou onde estavam, nem como tinham chegado ali. Também não perguntou o que tinha acontecido com ele.

    “Sonhei com Taohong. E com você.”

    Os olhos de Xu Qing estavam vermelhos, e o peito dele parecia prestes a explodir de tristeza. Ele acelerou o passo, tentando ao máximo manter a firmeza. Estavam quase lá.

    “No sonho, você era tão inteligente quanto agora. Sempre foi o primeiro da classe.” Parecia que o Sargento Trovão queria rir, mas falar tomava muita energia. Sua voz estava ficando mais fraca. “Foi um sonho muito bom. Não consigo aguentar muito mais, Garoto.”

    Xu Qing disparou o mais rápido que conseguiu. Tentou usar os poderes do cristal violeta para curá-lo, mas não adiantou nada. A vida do velho continuava escapando, devagar.

    Mais uma hora passou até eles chegarem no lugar onde tinham ouvido o Canto.

    Xu Qing colocou o Sargento Trovão debaixo da mesma árvore de antes. Seus olhos estavam vermelhos, o nariz ardia, e ele olhou para o rosto enrugado do velho.

    “Sargento…” chamou, baixinho.

    O velho, recostado na árvore, abriu os olhos. Eles estavam turvos e meio apagados. Mas, um momento depois, ele pareceu entender onde estava, e sorriu. Ainda havia um pouco de vida no olhar dele.

    “Tem bebida aí, Garoto?”

    Xu Qing assentiu, puxou uma garrafa de álcool da mochila, abriu e encostou nos lábios do Sargento Trovão, ajudando-o a beber. Depois de engolir, o brilho nos olhos dele ficou um pouquinho mais forte, como a chama de uma vela prestes a apagar.

    O Sargento olhou para os olhos vermelhos de Xu Qing e soltou uma risadinha. “Não precisa chorar.”

    Ele pareceu ganhar um pouco de força e, com a ajuda de Xu Qing, se ajeitou, tentando ficar de pé apoiado na árvore. Tentou bagunçar o cabelo do garoto, mas a mão caiu no meio do caminho. Xu Qing segurou a mão dele e a colocou na própria cabeça.

    O velho sorriu de novo.

    “Sabe… até que eu sou sortudo. Tenho alguém comigo nessa hora. E ainda tenho bebida. Melhor ainda, quando eu morrer, vai ter alguém pra me enterrar. Muita gente nesse mundo morre sozinha, esquecida no meio do nada, com o corpo apodrecendo debaixo do sol. Morrer em si não é tão assustador assim. O que dá medo de verdade é estar sozinho na hora de morrer…”

    O brilho nos olhos do Sargento Trovão começava a desaparecer.

    “Garoto, me ajuda a tomar mais um gole.”

    A dor tomou conta do coração de Xu Qing enquanto ele, com muito cuidado, levava a garrafa de álcool até os lábios do Sargento Trovão. O líquido escorreu, mas ele não bebeu. O olhar do sargento ficou vago, perdido além dos ombros de Xu Qing, enquanto ele murmurava: “Você veio me buscar, Taohong…?”

    O álcool encharcou as roupas do velho e escorreu para o chão. Ele não bebeu. A luz nos olhos dele se apagou conforme sua força vital desaparecia.

    Xu Qing começou a tremer, abaixando a cabeça enquanto a tristeza o dominava por completo. Ela o tomou da cabeça aos pés. Ele apertava a garrafa com tanta força que seus dedos afundaram no barro da superfície, mas nem percebeu. Depois de um longo momento, mordeu o lábio, colocou a garrafa de lado e olhou para o velho à sua frente, o velho que nunca mais abriria os olhos.

    Na mente de Xu Qing, a cena voltou: aquele momento nas ruínas da cidade, quando o Sargento Trovão tinha olhado por cima do ombro e perguntado de repente: “Garoto. Quer vir comigo?”

    As lágrimas começaram a escorrer dos olhos de Xu Qing, abrindo trilhas no sangue seco em seu rosto antes de pingarem em suas roupas. Quando ele estava na favela, nunca tinha chorado. Mas agora… não conseguia segurar.

    Ele ficou ali com o Sargento Trovão até o nascer do sol. Então, cavou a terra e enterrou o velho debaixo da árvore, junto com a garrafa de álcool.

    Saqueadores não precisavam de lápides. Ninguém iria visitá-los para chorar por eles.

    Mas o Sargento Trovão tinha uma lápide.

    Xu Qing ficou parado na frente dela, encarando o nada.

    O tempo passou. Depois de um tempo, ele enfiou a mão na bolsa e puxou um pequeno embrulho de tecido de cânhamo. Era um doce. Colocou o doce na boca, encostou-se na árvore e fechou os olhos. O doce era doce de verdade.

    Alguém uma vez tinha dito para ele que, quando estivesse se sentindo mal, era só comer aquele doce e tudo ficaria um pouco melhor.

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