De longe, ambos encaram o guarda.

    Ele também está mascarado, mas a sua máscara é de aço. O seu elmo, a sua armadura e a sua lança mostram a sua competência.

    Mesmo sem lutar ou sem sentir a energia daquele, o porteiro parece ameaçador e poderoso para o garoto.

    Não olhe nos olhos dele.

    O sussurro do velho por debaixo da máscara é audível para o menino, que responde com um aceno de cabeça.

    Ao se aproximarem do guarda, o jovem permaneceu com a cabeça baixa sem demonstrar os olhos.

    Por outro lado, Yurgen ergueu o semblante e confrontou o soldado.

    一 Identifiquem-se!

    A voz do homem ressoou como um vácuo ao mesmo tempo que o cabo da lança em pé, bateu contra o chão.

    O contraste entre o cinza e o olhar escarlate do guarda causa uma tensão sufocante no rapaz sequer observando a cena. Isso mostra o quão selvagem é esse lugar.

    一 Ruja! Ó glorioso leão das chamas!

    Com a entonação firme, o mentor disse enquanto seguia encarando o guarda.

    Contudo, ao dizer essas palavras, a vontade dele cresce como se tivesse perdido o controle. A intenção assassina de Yurgen paralisa o guarda, que pisca com medo vendo o potencial e a força daquele à sua frente 一 Capaz de fazer a armadura estremecer e vibrar.

    一 P-Podem passar.

    Ele libera o caminho para o portão e vira de lado.

    Conforme ambos, discípulo e mestre passam, o soldado observa o muro.

    “Desde quando está trincado? Não pode ser…”



    As pernas do porteiro tremem brevemente enquanto engole seco. Após a passagem da dupla, ele volta a proteger o portão. Mas a imagem infernal do mascarado ainda lhe assombraria por muito tempo.

    Do lado de dentro, a cabeça de Raisel se levanta em conjunto com um suspiro.

    “Que nervoso… Pensei que meu coração fosse parar.”

    Todavia, ao levantar o olhar, ele percebe o quão próspero esse lugar é.

    O barulho preso entre as paredes da muralha é de agitação total. Falas, gritos, música. É como se estivesse em um festival inacabável.

    O detalhe mais impressionante é a quantidade de pessoas com as máscaras transitando pelo lugar. Diferente do véu negro, há véus de todas as cores e máscaras com inúmeros detalhes.

    Apesar de momentaneamente maravilhado, a curta visualização dos escravos corta o clima do menino como uma navalha.

    Em silêncio, ele permanece focado e introduz o olhar para o mentor.

    一 E agora?

    Por mais que houvesse falado em uma boa entonação, o mestre não respondeu. Parecia paralisado, ou em choque.

    一 Vovô?

    Numa segunda vez, a atenção do velho é fisgada.

    一 Perdão, perdão… Me distrai.

    Ele volta a caminhar enquanto esboça uma risada sem graça.

    “O que ele estava pensando tanto? Ele está sempre atento…”

    一 A “Toca da Gata” é por aqui.

    Diferente de seguir a rua principal, entre inúmeras barracas, arranha-céus e fluxo de carros, ele lateraliza as passadas e busca um caminho próximo a muralha que circunda o Distrito.

    Nesses becos entre os arranha-céus, há diversas pessoas em uma situação miserável. A maior parte delas é idosa ou deficiente, com membros faltando.

    O cheiro podre ganha destaque com a escuridão emanada deles.

    O odor é forte ao ponto de fazer Raisel lacrimejar.

    一 Não os encare muito.

    Com a fala, o rapaz leva o rosto à frente e segue o que o avô diz.

    “Que lugar deplorável… Parece que tem tanta riqueza, mas tem pessoas nessa situação. Estão praticamente mortas ou quebradas.”

    Estreitando o olhar, eles chegam a uma divisória entre os arranha-céus onde o trajeto se divide em quatro caminhos, como uma cruz.

    O mentor para no centro dele.

    一 O Reino de Balmund é dividido em três setores. Nós estamos em um deles, o distrito comercial.

    Antes de voltar a falar, ele segue para a direita.

    一 Mais pra frente, perto do coliseu, é o distrito nobre.

    Caminhando um pouco para a direita, há uma espécie de ponte e uma passagem por baixo dela em forma de arco. Entretanto, Yurgen salta para a passagem acima.

    一 Ainda mais longe, já na área do deserto, existe um outro distrito.

    一 Área do deserto?

    Surpreso, Raisel não parece acreditar. Ainda que seguisse o mentor enquanto caminhava numa área mais estreita nessa espécie de ponte.

    一 Sim. O noroeste e o oeste de Balmund são cobertos por um deserto. Lá é o “Distrito dos Covardes”.

    一 Que nome mais…

    Em silêncio, o menino não encontra a palavra certa.

    O mentor para em frente a uma porta de um dos arranha-céus, no fim da ponte.

    一 Chegamos.

    Com uns passos para o lado, o protagonista observa uma placa com um gato enrolado, como se estivesse aconchegado ao chão.

    O velho abre a porta, mas não há nada ali. É uma porta de frente para uma parede.

    一 Ué?

    Sem entender, o menino encara o avô.

    O adulto solta uma breve risada anasalada e abafada pela máscara.

    一 A primeira vez que eu vi, fiquei assim também.

    一 Mas não tem nada além da porta.

    一 Só parece.

    一 Como assim, é uma ilusão?

    Sem entender nada, o rapaz vê o mestre levar o dedo até um dos blocos de pedra, como se fossem tijolos. É o tijolo mais no canto diagonal superior esquerdo.

    Ao pressionar esse bloco, ele se afunda.

    Os olhos de Raisel se arregalam.

    “Uma passagem secreta?!”

    Ele se inclina para frente. Com o primeiro bloco afundado, os outros começam a afundar como um dominó e, em seguida, o som de uma engrenagem começa a puxar a porta para o lado.

    一 Uau… Isso aí é demais!

    A porta falsa de concreto desapareceu e uma escadaria para baixo apareceu. Com uma espécie de sequência de lampiões preso sobre as paredes.

    一 Vamos.

    O velho começa a descer as escadas após fechar a porta normal.

    Logo atrás, Raisel o acompanha.

    O barulho das engrenagens indicam a porta secreta se fechando.

    Olhando para os lados, percebe que há algo dentro dos lampiões que iluminavam o local.

    一 Não é acesso com fogo, né?

    一 Os lampiões? Não. São borboletas.

    一 Borboletas brilhantes?

    一 É. Existem de todas as cores. Elas se agitam com a escuridão, são uma boa fonte de luz por serem baratas.

    一 Maneiro.

    Após a fala, uns bons minutos de silêncio se instauram. Somente o som dos passos descendo a escadaria que não parece ter fim, ecoa naquele túnel estreito.

    一 Minhas pernas estão começando a cansar.

    一 Estamos quase lá.

    Olhando para trás, Raisel sequer consegue ver o início do caminho. Em um suspiro insatisfeito, ele volta a caminhar.

    Mais alguns minutos se passam e os olhos dourados fisgam uma porta de aço.

    De frente para ela, o velho cessa o caminhar.

    O punho direito contra a porta, bate quatro vezes como se fosse uma cruz.

    Uma fenda para os olhos se abre na parte superior da entrada.

    一 A caçada sempre termina…

    Diferente de antes, a atmosfera ao redor de Yurgen está leve. Por baixo da máscara e da barba, um sorriso breve se abre.

    一 E hienas zombam do leão.

    “Hienas zombam do leão? Que código mais esquisito…”

    O garoto não entende direito. Imaginou que seria o mesmo código que usaram para entrarem no distrito.

    Alguns instantes depois, a fenda se fecha.

    A porta se abre.

    Do lado de dentro, está tudo escuro.

    O mentor adentra.

    Raisel o acompanha apreensivo.

    As borboletas cintilantes se acendem uma após a outra e a cena faz o protagonista arregalar os olhos.

    Lavi, Lila e Carmen estão jogados ao chão e cobertos por um vermelho vibrante. Boquiaberto, o aroma de uva faz o nariz do protagonista coçar e, ao levantar o olhar, vê um barril estourado.

    一 Carmen… O que você tá fazendo?

    Confuso, o velho permanece a encarar após a fala.

    Subitamente, a ruiva de cabelos curtos se senta sobre o chão.

    一 Yurgen! Já chegou?!

    As crianças ainda estão nocauteadas.

    Os olhos dourados do rapaz deslizam pelo ambiente, não há nada além de barris, mesas e cadeiras. Entretanto, em uma das paredes, há uma porta e um balcão.

    一 Sim. Onde está o Olga?

    O olhar da espadachim decai e encara o vinho vermelho.

    一 O Olga… disse que não vai ajudar.

    O clima pesa. Porém, Yurgen apenas suspira.

    一 Eu sabia. Ele está priorizando a saúde da Katarina.

    一 Sim… É uma pena.

    A ruiva também suspira em decepção.

    一 E então, o que aconteceu pra vocês estarem encharcados de suco de uva?

    Pondo a mão na máscara após a fala, ele desativa a vestimenta e volta ao normal.

    Raisel faz o mesmo.

    一 Bem, acontece que…

    A perspectiva volta para alguns minutos atrás, Carmen, Lila e Lavi estão de frente para a porta.

    Enquanto o menino está todo coberto por um manto marrom que revela só os olhos, a menina está com uma máscara da ocultação junto a adulta.

    O espaço da porta de ferro para os olhos, se abre.

    一 A caçada sempre termina…

    一 E as hienas zombam do leão!

    Com confiança, a espadachim completa a frase.

    Do mesmo modo, a porta se abre e o ambiente escuro se revela.

    一 Ué, não tem ninguém, tia Carmen…

    Confuso, o gêmeo segue a mulher.

    一 Que medo…

    Com os ombros tremendo, ela agarra parte do véu da mulher com os dedos.

    Atrás do balcão, há um homem de terno franzino com uma máscara de gato.

    Destemidamente, a ruiva se aproxima dele.

    一 Ei, servo. Diz pra velhota que a Spencer tá aqui.

    O servo ouve e acena com a cabeça. Ele, portanto, adentra pela porta dos fundos.

    一 Spencer?

    一 Aham. É meu sobrenome…

    O menino encara o ambiente sem dizer nada.

    一 Vamos sentar e beber alguma coisa.

    一 E podemos?

    Diz a menina apreensiva.

    一 Claro! É tudo por conta da casa.

    Lila e Lavi se encaram desconfiados.

    A espadachim caminha até uma das mesas que possuí um barril logo ao lado.

    一 Suco de uva, peguem um copo. Bora tomar!

    Os gêmeos a acompanham e pegam os copos à disposição ao lado do barril.

    Sorridente, a ruiva tira o disfarce. Os gêmeos também se revelam em seguida.

    Ao abrir a torneira, a mulher explode o barril com muita força.

    Com o fluxo, os três tombam para trás de susto.

    一 E foi isso que aconteceu!

    Com aquele mesmo sorriso, ela conta a história como se estivesse orgulhosa disso.

    Por outro lado, Yurgen põe o palmo na face.

    一 Você sabe que a Anciã vai reclamar disso.

    一 Não vai nada. Ela é gente boa.

    Antes de se levantar, Carmen bate o palmo contra a bochecha dos gêmeos. Eles vão despertando após o choque.

    O barulho da porta dos fundos se abrindo chama a atenção dos três acordados. Mas ninguém passou por ela.

    一 Ué…

    Passos curtos ressoam pelo ambiente silencioso. Ao lado do balcão, se revela uma senhora muito idosa e pequena como uma criança.

    Com um rabo de gato branco balançando pela coluna torta e as orelhas tombadas, quem é essa mulher!?

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