Capítulo 40 - A Catedral de Cícero
Conforme o sino da Catedral bate, as construções aos arredores começam a ter suas janelas abertas uma após a outra. Porém, ao contrário de Balmund, as casas e prédios de Kromslaing são mais ornamentadas com mais detalhes em sua composição, similar ao estilo gótico.
No início da manhã acalorada, as pessoas esbanjam uma sonoridade que parece em perfeita harmonia com o som dos pássaros e o vibrar do sino. Um cântico animado de meias palavras, mas onde o ritmo e a entonação fazem todo o trabalho.
A beleza desta cidade vem do quão pura ela é. Um sentimento bom, de acolhimento, preenche o peito e deixa os pulmões como algodão.
Os olhos dourados, incrédulos, não negam a sensação confortável em seu coração. A mão dele repousa em frente às batidas ressonantes dentro de si.
“É a primeira vez que eu sinto isso… Uma paz tão intensa…”
A paisagem continua a se destacar morro acima, até chegar no grandioso castelo no cume. Mas Raisel desvia os olhos para visualizar os seus companheiros.
A ruiva está desconfiada, mas visivelmente surpresa pelo seu olhar evidente. Assim como o garoto, ela sente a paz reverberar para dentro como um abraço gentil e confortável.
Por outro lado, Yurgen está arisco. O seu olhar é de preocupação enquanto tenta encarar qualquer evidência que comprove a corrupção do lugar usando a sua habilidade. Mas não há nenhum resquício de Trevas.
Já ao lado do velho, Jeanice tem as mãos tapando os lábios. Ainda mais incrédula do que os outros três, a Cidade da Arte vive reluzente assim como dez anos atrás, ou melhor, está ainda mais brilhante do que antes da sua destruição.
O sino rapidamente para de bater.
Nesse instante, as portas da catedral se abrem.
No topo das escadarias, o grupo vê uma figura sacerdotal de lado encarando o horizonte. Pela distância, não dá para ver direito a sua expressão, mas de qualquer forma, o quarteto se encara e acena em conjunto com a cabeça.
Retirando suas capas, com exceção de Jeanice encapuzada que permanece atrás de Raisel, Yurgen e Carmen tomam à frente e começam a caminhar para a frente da construção.
Conforme se aproximam, o sacerdote parece completamente desligado ou despreocupado. Ele só os nota quando estão no pé da escadaria, onde a feição dele se abaixa emanando um sorriso gentil dos seus lábios.
一 Bom dia e boas-vindas, fiéis. A Catedral de Cícero está aberta hoje. Como posso vos ajudar?
É um homem beirando a terceira idade. Sem qualquer barba e resquícios de cabelo pelas laterais, ele possuí um óculos quadrado pequeno apoiado sobre o nariz.
一 Bom dia, sacerdote. Nós somos Nômades recrutas afiliados à Balmund, eles nos enviaram aqui para verificarmos a situação dentro da cidade. Podemos entrar na Catedral enquanto você nos conta sobre?
As falas de Carmen são diretas. Ela não expressa sequer sinal de hesitação ou de que está mentindo. Dizer “afiliados à Balmund” era doloroso, mas é a única opção viável de se conhecer mais da cidade.
Entretanto, o sacerdote a encarou em silêncio. O sorriso sequer tremeu por toda a fala e mesmo após ela.
Em poucos instantes, o olhar estreito dele se abre revelando os seus olhos castanhos e afiados.
一 Não há motivo para mentiras. Pessoas adoráveis como vocês jamais seriam filiadas à Balmund. Vocês visitarão uma cidade maravilhosa, falarei com prazer sobre o que quiserem. Venham, venham…
Em seguida, o homem se vira e começa a caminhar em direção à catedral.
O quarteto está ainda mais desconfiado, mas não há motivos para não o seguirem. Pelo contrário, seria mais informativo caso eles corressem esse risco.
Logo, eles começam a subir as escadas e o homem está os esperando na entrada do lugar. As portas da catedral são grandes e mecanizadas, algo que não seria aberto nem pelo mais forte homem de tão grossas e robustas.
Na verdade, todas as paredes e teto são reforçados quase como uma fortaleza.
Do lado de dentro, é possível ver o tapete vermelho se estendendo por dezenas de metros até um palco com um altar.
De frente para a entrada, há um enorme símbolo de aço preso contra a parede. Um sol que parece reluzir em dourado com incontáveis pontas.
一 Como eu havia dito, essa é a Catedral de Cícero. Cultuamos o Grande Sol, que nos proporciona a paz, o conforto e a vida. Todas as manhãs o sino bate como homenagem e lembrança da presença Dele. Ao fim da tarde, o sino ressoa novamente para nos despedir da Sua presença.
Em silêncio, o quarteto apenas o escuta enquanto seguem em passos lentos para dentro da catedral. O homem anda devagar, lento ao ponto do grupo devanear o olhar para os arredores observando os detalhes da catedral, com exceção de Yurgen.
Os vitrais em incontáveis cores iluminam impecavelmente o lado de dentro. Há diversos bancos alongados, portas pelas laterais do altar adiante e três assentos próximos ao Grande Sol, com o maior sendo o central.
Na perspectiva do arqueiro, ele nota alguns detalhes nas vestimentas desse sacerdote.
O seu traje branco largo balança demais, o que sugere uma magreza excessiva, mesmo que seu rosto não esboçasse isso.
Além disso, nos ombros há uma estola alaranjada com desenhos dourados das fases do sol, do amanhecer até o entardecer.
一 Vocês podem estar desconfiados, mas Kromslaing renasceu após o que aconteceu dez anos atrás. Mesmo diante às Trevas e a corrupção, o maior do brilho nos abençoa todas as manhãs. Não há motivo para estarem tão ariscos, apenas aproveitem as suas estadias na Cidade da Arte e agradeçam o Grande Sol pelo dia.
Dessa forma, eles pararam à frente do altar.
À esquerda, há uma espécie de bancada em cima de uma pilastra.
Em cima dessa estreita mesa, parece haver um livro grosso e com páginas amareladas de tão antigo.
O sacerdote, ao se aproximar do altar e ficar diante do Grande Sol, apenas se ajoelhou e começou a orar em silêncio.
Os quatro se encaram e, ao invés de esperá-lo, começam a caminhar para fora da catedral ao darem meia-volta.
一 Ele não parecia estar mentindo.
一 Também achei isso.
一 E-Eu c-concordo.
一 Mas não baixem a guarda. Vamos verificar o restante da cidade.
Carmen, Raisel, Jeanice e Yurgen se aproximam da saída. Aos poucos, o cheiro de madeira nova fica para trás.
O menino desliza os olhos e encara o Grande Sol de soslaio.
Porém, o brilho do lado de fora os alcança com mais força. Do alto da escadaria, é possível ter uma visão mais panorâmica da cidade.
As pessoas começam a abrir os seus comércios e lojas, enquanto, ao fundo, o som de instrumentos tocam uma melodia animada com corda, flauta e tambores.
As aves brancas sobrevoam baixo e algumas até pousam encarando a paisagem.
Mais à direita, algo parece prender os olhos do rapaz.
一 O que é aquilo ali?
Os adultos se viram brevemente para ele, mas já direcionam o olhar para a questão. Mas Jeanice que acompanha logo atrás do menino, respira fundo.
一 S-São Mestres de M-Marionetes… D-Devem ser novatos ou perderam e-espaço no Teatro, já que estão a-animando as ruas.
Após encará-la de canto, a atenção do menino se volta para essas pessoas.
São duas jovens com vestidos babados e esvoaçantes como os de uma princesa. Uma veste o mais encantador verde, enquanto a outra o mais puro vermelho.
Há máscaras extravagantes tapando parcialmente os seus rostos. A máscara verde de uma possuí uma pena esbranquiçada, mas a vermelha de outra não há nada além dos seus detalhes básicos.
Contudo, ainda assim, seus cabelos flutuam conforme a dança flui. Os fios loiros de uma e o negro esbelto de outra.
一 Mas… quem é a marionete?
De longe, não dá pra identificar em meio à dança e a coreografia. Ambas usam máscaras e estão bem trajadas. Os movimentos coordenados e harmônicos dão a elas o papel de gêmeas para quem visse pela primeira vez.
一 A M-Marionete é a loira de vestido v-verde… A boneca s-sempre é mais chamativa do que a mestra.
一 Entendi… Você também sabe controlar Marionetes, Jeanice?
一 N-Não…
Um tom melancólico acompanha a negação. A feição dela se abaixa em decepção. Isso faz com que os cantos dos lábios em positividade do garoto, se transformem em algo mais sério por ter incomodado ela.
一 Foi mal…
O semblante dela se contorce brevemente, sem conseguir falar que não a incomodou. Por isso, ela apenas pinça com os dedos da mão direita parte do tecido no braço de Raisel.
O braço esquerdo aperta com força o Senhor Oddy por debaixo do manto.
一 Aliás, essas Marionetes me lembraram os servos da vovó Yolina. Ela também é de Kromslaing, vovô?
一 É diferente. Ela nunca aprendeu a arte de controlar bonecos. Ela dá consciência e a capacidade de viver para eles, como se fossem nós. Em retribuição, eles a servem.
一 Hm…
Interessado, não podia negar a sua curiosidade em como fazem isso.
O menino continuou a ver o espetáculo junto da garota.
Entretanto, os adultos dão passos mais à frente para se aproximarem ainda mais dos degraus e se afastarem das crianças.
一 O que você acha, Yurgen?
一 Há muitas pessoas vivendo aqui. Tantas que nem posso contar, mas vi uma direção completamente apagada no Zienung vindo do outro lado, ao leste.
一 Vamos ir pra lá enquanto passamos pela avenida central então.
Eles acenam um para o outro e, portanto, começam a descer.
Raisel demora alguns segundos para perceber, mas se apressa na descida com a meio-elfa coberta por um capuz atrás de si.
Conforme eles descem, a perspectiva sobe para dentro da Catedral de Cícero. Lá dentro, o sacerdote começa a se levantar enquanto sobe o olhar.
一 Tenha piedade dos Pecados dessa pessoas, ó Grande Sol. Tamanha curiosidade lhes custará caro. Os projeta com o resquício de sua graça mesmo durante à noite… Salamat.
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