Capítulo 41 - A Avenida Winchell
No fim das escadarias, o fluxo de pessoas na rua se demonstra cada vez maior. Diferente de Balmund, onde suas identidades estão ocultas pela sua própria segurança, essa cidade parece livre das suas amarras e da “Lei da Competitividade” que se espalha por todo território.
A conversa, as vozes alegres e o momento agradável do início da manhã se fixam bem na memória de Raisel. Esse lugar parece ideal, feliz e isento da maldade cotidiana que presenciou até agora.
Às laterais, os comércios se abrem.
O cheiro de massa sendo assada vem de uma panificadora. Os gritos e berros de anúncios de promoções vem do outro lado.
Tudo isso parece perfeitamente misturado com os artistas de ruas que animam o ambiente com suas músicas, danças e espetáculos.
一 Isso nem de longe parece uma cidade amaldiçoada…
Deslumbrado, o sorriso em sua feição está cada vez mais estampado. Os olhos dourados cintilam em contraste do céu vasto, mas prestes à ser perfurado pelo castelo no topo do monte.
一 N-Nem antes do desastre e-era assim… As p-pessoas estão a-ainda mais animadas.
Ainda segurando o braço do garoto com uma pinça de dedos, Jeanice caminha logo atrás.
Encapuzada, a cidade mudou bastante em comparação à dez anos atrás. Os comércios não são os mesmos, as ruas estão mais limpas e não há nenhuma pessoa descontente andando lado a lado.
一 Olha, é a Mestre de Marionetes. Ela ainda está dançando, eu acho… Tem tanta gente em volta.
O quarteto se aproxima da artistas. As vozes das pessoas que a acompanham fica mais audível conforme também fazem parte do círculo que a rodeia.
一 As Damas de Rubi e Esmeralda tão em perfeita harmonia hoje também.
一 Será que ela vai dançar até o fim da tarde?
一 Provavelmente.
一 Espero que ela não perca o horário.
一 Não se preocupa. Já faz algum tempo desde que ela continuou aqui até o anoitecer. Ela aprendeu.
Yurgen encara Carmen e ela o encara de volta
Há algo suspeito sobre o anoitecer e o contraste do dia.
Não sabiam ao certo como as pessoas desse lugar reagiram caso questionassem sobre isso, então a melhor coisa a se fazer seria esperar para ver.
Por outro lado, Raisel e Jeanice acompanham a dança harmônica da Mestre de Marionete.
O gingado dos passos das botas negras se entrelaçam.
Em giros ao redor uma da outra, a boneca e a humana parecem perfeitamente conectadas. De alguma maneira, a loira parece ter ainda mais personalidade e ser mais viva do que a Mestra.
Seus movimentos são provocativos, mas ao mesmo tempo repletos de graça. Já a mulher de vermelho é mais retraída, seus gestos são sutis e ela parece nadar no ritmo da coreografia da sua parceira.
Os braços sobem, deslizam para baixo e se cruzam. Uma dança repleta de liberdade e sem padrão algum, como se as emoções fosse o seu guia para cada movimento.
De frente para os espetáculos, os olhos dourados do menino parecem vidrados na arte.
Os lábios da meio-elfa se contorcem…
一 E-Eu treinei muito para virar uma M-Mestra de Marionete também… Mas eu não tinha talento pra isso. Meus i-irmãos me… maltratavam por não ter talento pra nada relacionado à a-arte…
一 É-É engraçado pensar nisso… Eu achei q-que, de alguma forma, eu podia viver no meu próprio mundo desde que ajudasse a-as pessoas. Mas mesmo dando a elas a chance de viverem em seus próprios sonhos, eu n-nunca pude viver o meu…
A voz de Jeanice vem de maneira baixa, sussurrando ao pé do ouvido de Raisel. Conforme a fala se prolongava, mais dor ela sentia. Porém, em sua feição o que era expressado, se mostrava em um sorriso repleto de amargura e arrependimentos.
一 Hã… Disse alguma coisa, Jeanice?
O menino se vira e a encara de soslaio.
Nesse momento, a barriga dela parece roncar ainda mais alto do que o som de um trovão.
O olhar azul dela e o olhar âmbar dele, no fim, se encaram por alguns instantes. Em questão de instantes, o rosto dela se abaixa completamente avermelhada ao ponto de sair fumaça de sua cabeça.
O rapaz sorri de lado enquanto os olhos se afiam levemente. Então, ele caminha até os seus mentores conforme a menina o acompanha, ainda agarrada.
一 Vovô, senhora Carmen, a Jeanice quer comer algo… Tem problema?
O velho sorri de canto em conjunto com a ruiva. Os braços dele se cruzam e começa a caminhar para fora do círculo de pessoas.
一 Aparentemente não. Inclusive, esse cheiro de pão parece irresistível mesmo…
一 Vamos comer, pessoal~
Ao lado do arqueiro, a espadachim põe as mãos para trás na altura da cintura com os pulsos cruzados.
Contente, o quarteto caminha até a panificadora conforme se afasta da multidão.
Abrindo a porta, um pequeno sino toca indicando novos clientes.
一 Sejam bem-vindos!
Um homem com vestimentas básicas, mas com um avental marrom e uma boina de mesma cor, está atrás do balcão.
Espalhados pela mesa, indo de um lado à outro, as mais variadas opções de doces e salgados para lanches, os esperam.
Raisel olha para trás e, pela primeira vez, vê os olhos da meio-elfa brilhando. Quando está animada, as orelhas dela sobem como as de um cão.
一 Qual você quer?
Yurgen também a encara.
Por outro lado, Carmen está verificando com mais cuidado cada opção. Talvez para verificar algo suspeito, mas o olhar despreocupado dela se mostra ter outro interesse…
Com o dedo indicador próximo aos lábios, a ruiva encara as vastas opções de doces como quem está decidindo algo muito importante. Sua concentração é excepcional ao ponto de nem ouvir os arredores.
一 E-Eu prefiro algo salgado… Tipo aquele…
Com certa timidez, a ponta afiada do dedo se levanta.
A escolha dela faz os dois rapazes direcionarem o olhar para lá. Ao verem, trouxe um sorriso de conformidade para Raisel e um certo suspiro de graça em Yurgen.
Um pão em formato de rosto de gatinho.
一 Bom dia, amigo. Quanto é o pão de gatinho ali?
一 Eu vou querer esse pedaço de bolo~
A ruiva finalmente decide.
O balconista os encarou, se abaixando para verificar os pedidos e, em seguida, se levantou.
一 São quatro pratas. Duas moedas cada um.
Tanto o velho quanto o garoto parecem congelar ao ouvir o preço. O único pensamento deles nesse momento pareceu sobreposto pelas suas vozes interiores…
“Que caro…”
一 Vocês não vão querer nada?
Um suor escorre na lateral da feição de Carmen ao escutar o preço. A fome e a vontade de comer algo parece ter diminuído.
Porém, ela volta a olhar o pedaço de bolo e o seu eu está dividido…
Preocupada, os olhos azuis claros da ruiva os olha.
一 Não…
O arqueiro diz convicto.
Já o seu discípulo nega com a cabeça.
一 Vão comer aqui ou lá fora?
一 Lá fora.
一 Vou esquentar nos fundos então. Aguardem, por favor.
O atendente, então, pega com uma pinça de aço cada item e os coloca em pratos separados para levar aos fundos.
Uma mulher com o avental mais sujo, por estar na cozinha até agora, vem a atender o balcão enquanto o rapaz está lá.
Quando o homem partiu, o grupo se colocou mais ao canto para esperar.
Com uma touca na cabeça, o cabelo está preso. Ela é bem mais velha do que o homem. Essa moça sorri para o quarteto e permanece em silêncio enquanto encara o que ainda está disponível no balcão.
Nesse momento, o sino da entrada tocou.
Um homem com um sobretudo negro adentrou na loja. No seu primeiro passo, os olhos de Yurgen se arregalaram por um único instante. Uma sensação sombria e pesada lhe tirou algum fôlego e fez a sua ferida na costela arder…
一 Bem-vindo, senhor Truman!
A voz da atendente se direciona ao novo cliente.
Porém, ao encará-lo com o Zienung, sua energia está completamente limpa.
一 Você sentiu isso?
Os olhos de Raisel procuram o mentor de canto.
一 Sim…
Os dois então permanecem a observar o homem do sobretudo com cautela. Ele tinha cabelos negros e curtos, espetados como estacas. O pescoço é grosso e o semblante inexpressivo, mas com um sorriso artificial. As mãos dele estão nos bolsos da vestimenta…
As garotas, tanto a ruiva quanto a meia-elfa estão lado a lado.
A encapuzada põe a mão sobre a barriga sentindo o estômago vibrar.
一 Já já chega. Esquentar comida assim precisa de cuidado, se não, pode queimar.
A meia-elfa leva o olhar até a outra, deslumbrante.
一 Você t-também é uma cozinheira, Carmen?
一 Sou sim. Uma dona de casa de primeira~
Repleta de graça, ambas sorriem uma para outra. Mas com desatenção, Senhor Oddy preso ao braço de Jeanice vem a cair pelo seu estado de fraqueza.
A pelúcia negra e simples, com suas costuras expostas e olhos de botões caí ao chão.
O homem já havia feito seu pedido e encarava o grupo de volta de soslaio. Os olhos vermelhos dele observam a pelúcia no chão. Esse olhar se afia e um sorriso se abre na feição pálida.
一 Que lixo…
Esse “sussurro” chega aos ouvidos do grupo.
Jeanice paralisa com o palmo prestes à pegar seu precioso amigo.
Por outro lado, Raisel é o primeiro a expor seu ímpeto ao ponto de fazer a panificadora vibrar por um instante.
一 Acho bom você se desculpar.
Atrás dele, os adultos o encaram sem expor suas emoções através da energia. Porém, seus olhos emitem uma hostilidade capaz de fazer a mais forte estátua rachar.
Entretanto, despreocupado, o homem chamado de Truman apenas se vira para a direção da saída.
一 Vou esperar do lado de fora!
O grito dele é para a atendente que passou para os fundos em busca de pegar os pães frescos.
Conforme saí, ele os encara com um olhar arrogante. O sorriso se mantém como uma afronta.
Ele passa pelo lado de fora.
No mesmo momento, Raisel suspira e imediatamente leva o olhar até a meio-elfa com um sorriso.
Ela está abraçando com força a pelúcia por debaixo do manto.
Cabisbaixa, ela encara o chão
一 Não liga pro que ele falou, Jeanice… Babacas existem, infelizmente.
Acompanhado da fala do garoto, o palmo firme do velho repousa sobre o capuz e o esmaga contra a cabeça dela.
一 Você é incrível só por ter feito o seu amigo. Não se preocupe.
Ainda olhando pro chão, ela respira fundo.
一 O-Obrigada…
O atendente volta com os pedidos mais quentinhos e prontos para serem devorados.
一 Perdão a demora, aqui estão!
O olhar de Jeanice sobe com expectativas brilhantes!
Os três sorriem aliviados.
O velho toma à frente e caminha para pegar os pedidos e, também, dar as quatro moedas de prata.
Embrulhados em dois sacos de papelão distintos, ele entrega cada lanche para as mulheres esfomeadas.
一 Vamos indo. Vocês comem no caminho.
O velho é o primeiro a abrir a porta do estabelecimento.
一 Voltem sempre!
A fala do atendente finaliza com um sorriso puro.
As duas garotas passam enquanto o menino está logo atrás delas.
O olhar cinzento busca o homem de sobretudo, mas ele não está ali por perto, pois nem ao menos sente a sua presença.
Então, eles voltam a caminhar pela rua. Os lábios de Carmen mordiscam o pedaço de bolo com cuidado, as bochechas infladas demonstram a sua satisfação com o rosto levemente corado.
Logo atrás, a pequena boca de Jeanice mordisca com cuidado. As laterais do capuz se movendo entregam as suas orelhas animadas.
Contudo, enquanto eles vagam despreocupados pela rua povoada, o mal está à espreita…
Visualizando do topo de um edifício mais alto, o homem de sobretudo encara o quarteto.
一 Aproveitem enquanto podem… A Avenida Winchell sempre é a mais movimentada durante o dia, mas a história é outra durante a noite…
O seu rosto expressa uma malícia pura e a sede de sangue. Mas de alguma forma, isso não é expressado pela sua energia.
No céu azul, o sol ainda continua a brilhar e está cada vez mais perto do fim da manhã…
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