Capítulo 47 - Sussurros Amargurados
De frente ao portão de acesso ao território do Castelo de Kromslaing, o céu se trincava com relâmpagos vastos.
Quando começaram a cair em uma tempestade fulminante, não houve como o grupo se manter unido. Cada um fez o que podia para sobreviver e, no fim, se separaram pelos arredores do objetivo principal.
Enquanto Yurgen seguia para o leste, Carmen tomava um rumo mais ao norte e, Raisel, sumiu em direção ao sul.
Em vultos consecutivos, os trovões caíam como lanças celestiais. Porém, por mais veloz que fossem, sequer arranharam contra as vestimentas negras e o cabelo avermelhado. A espadachim facilmente evitava os ataques poderosos capazes de causar crateras ao chão.
“Uma característica única de Gewissen… Será natural ou artificial? Pela quantidade de ataques, deve ter sido feito com Feitiçaria.”
Os olhos azuis deslizaram para a direção do topo do Castelo principal. Por mais que não tivesse uma habilidade sensorial apurada como Yurgen, ainda assim, sentia um perigo iminente vindo da varanda alta à diante.
Longe, a silhueta dessa figura os encarava com os olhos divididos em duas tonalidades: vermelho e preto tendo um contorno amarelo.
Com cabelos longos esvoaçantes, o porte físico robusto indicava um homem nobre.
O som dos seus acessórios, como colares e brincos luxuosos, vibrava com a brisa da noite e reluziam a cada trovoada conjurada.
一 Edina. Está aí?
O olhar colorido desliza em um soslaio para a área de dentro.
一 Sim, papai.
Ao mesmo tempo, uma sombra se abaixa com uma reverência máxima.
一 Convoque os Priester des Mondes antes de seguir para a Praça Ander. Eles serão necessários para lidar com a ruiva e o velho.
Enquanto dizia, a mão esquerda segurando uma varinha se abaixava. Já a outra, com uma taça preenchida por um líquido vermelho, continuava a balançar a bebida lentamente.
一 E o garoto? Ele também foi capaz de matar os Servos mais baixos com facilidade…
Questionando, o olhar dela se ergue minimamente. Em uma coloração esverdeada, não estava duvidando das escolhas táticas do chefe da família Truman, mas sim buscando compreender a grandeza em sua sabedoria.
一 Ele não será um problema. Odgard deve ser o suficiente para matá-lo. Ele está no pátio inferior… brincando, como sempre.
Descontente, as sobrancelhas do homem se uniam ao ter a testa completamente enrugada.
Por outro lado, a mulher ajoelhada apenas acenou com a cabeça e partiu.
Nesse momento, a perspectiva retornava para o horizonte da cidade ao se afastar dos planos daqueles que mantêm a população em uma maldição.
Sob o brilho da lua enfeitiçada, a batalha está prestes a começar contra os lacaios e os servos de Berith.
Conforme os fios ruivos balançam e a ponta do florete assobia contra o ar, os passos das grevas de aço, cuidadosos, seguem em frente. O semblante sério de Carmen é esboçado pelos deslizes de seus olhos claros.
“Esse lugar parece mais um… cenário de guerra.”
Passando por entre os destroços de casebres e outras construções, ela se movimenta agilmente em impulsos curtos. Porém, um estrondo vindo ao sul reverbera e, em seguida, uma vasta nuvem de poeira começa a subir aos céus.
“É a direção em que o Raisel foi…”
Mordiscando os próprios lábios, a cabeça balança em negação. A pegada da mão destra sobre a espada ganha mais força para exprimir os seus pensamentos negativos.
“O objetivo é chegar ao Castelo principal. Mas antes, eu quero achar a antiga moradia dos Asdoth… Deve ter algo por lá que diga sobre o ritual que envolve Imoriel. Caso eu ache algo, talvez o Yurgen possa saber de mais alguma coisa…”
Continuando a seguir em frente para passar das paredes que cercam o território do Castelo, a atenção dela bruscamente se volta para o horizonte à direita. Por um instante, conseguiu ver um vulto ofuscante em uma cor marrom…
O silêncio da noite enraiza aos poucos os pés no chão. Um chiado estranho consome a mente dela como se fossem carregados diretamente pela ventania noturna.
Um suor de canto na bochecha escorre sorrateiramente. Porém, essa calmaria se quebra com outro baque absurdo vindo do sul.
Nesse segundo, os olhos azuis percorrem até as próprias costas conforme ela se vira. A espada, brandida com a rapidez de um relâmpago, visa separar o que está à espreita por ali.
O fio da lâmina reparte o vento. Contudo, isso revela a camuflagem sombria de alguém que se afasta enquanto o sangue respinga pelo chão.
一 Essa… foi por pouco.
Uma voz familiar. Uma aparência inconfundível… Com os resquícios de cabelos laterais, os óculos quadrados minúsculos sobre o nariz, a magreza e as vestimentas sacerdotais, está claro quem é aquele homem.
Enquanto o sangue na bochecha dele escorre, Carmen se mantém surpresa por ver essa pessoa novamente. Porém, não baixou a guarda e posicionou o corpo com a postura da espada.
一 Você… Então, durante a noite, você vira um assassino nojento que ataca damas belas como eu pelas costas?
Com um sorriso na feição, esbanja certa ironia. Contudo, as veias saltadas pela testa mostram o quão irritada ela está. Talvez por se sentir enganada, por ser atacada, ou dois.
一 Não leve para o pessoal, senhorita. Minha função nessa cidade é ser um sacerdote… Mas não apenas da Catedral de Cícero.
A entonação gentil ainda se mantém. Os olhos dele, afiados como uma víbora, parecem ainda mais nojentos.
Diferente do encontro pela manhã, o sacerdote detém uma estola azulada escura, vil como a sua real natureza. Com símbolos de luas prateadas costuradas no tecido azul, está claro que ele tem alguma relação com os Truman e o “Inferno da Noite”.
“A Catedral de Lucresia… Agora esse nome faz sentido. Deve ser aquele ponto denso de corrupção que o Yurgen sentiu quando chegamos… Ao leste, né?”
一 O que é a “Erradicação”?
As palavras dela são diretas e acompanhadas de um ajuste nos punhos sobre o cabo da lâmina. Preparada para degolar esse homem, o seu ímpeto carmesim começa a subir como faíscas caóticas.
Ao ouvir, os olhos estreitos do sacerdote se abriram. Revelando a coloração castanha, as mãos dele também concentram parte de seu Geloscht lamacento em um tom marrom.
一 Infelizmente, não faço ideia. Apenas sigo as ordens do senhor Oseiros…
Em um gesto de cruzar os palmos, o sacerdote parece se abraçar. Entretanto, em um arrepio na nuca, Carmen sente algo se aproximando pelas suas costas.
Impulsionando-se pela lateral enquanto se abaixa, ela evita um agarrão e se vira para ter ambos os inimigos em sua visão. Mas ao avistar o que tentou lhe segurar, o rosto da mulher empalidece.
Uma personificação de energia. Um fantasma na coloração marrom, com porte físico robusto e dois rostos em cada lateral, é o que deixa as pernas da espadachim fracas.
Os semblantes espectrais são dualidades em um alegre e outro perverso. Talvez a caracterização dos papéis do sacerdote em ambas as catedrais.
一 Então a informação de Jasmon estava correta… Você possui medo de fantasmas.~
Conforme ri, a voz do sacerdote parece estar engasgada em meio ao seu sorriso maligno.
Em passos lentos, ele começa a se aproximar.
Perante os passos despreocupados do sacerdote, a espada estremece com as mãos hesitantes. A testa dela, azulada pelo terror, parece não suportar o peso do próprio corpo.
Sob a audição da ruiva, o chiado da madrugada agora ganha nitidez. Sussurros de socorro, gritos de horror e desespero, não vêm de fora, mas sim de dentro.
Os olhos azuis perderam o seu brilho.
Lembranças antigas e recentes se sobrepõem.
Em qualquer uma delas, o que ela enxerga, são suas mãos cobertas de sangue e os seus pés submersos nas vidas que tirou.
一 E pensar que uma mulher como você teria um medo tão bobo como esse…
Os ombros do sacerdote se elevam e se abaixam enquanto suspira.
“Medo bobo? Talvez seja…”
O florete, de repente, ganha estabilidade após parar de tremer. O olhar dela sobe, mas o peso que ela sente não desaparece.
“Eu não consigo parar de pensar nas vidas que eu tirei… Eu nunca gostei de lutar para matar. Eu treinava e melhorava para superar a minha irmã… Mas o peso de ser forte é mais cruel do que isso.”
“Você sabia disso, Sarina…? Você sabia que eu teria que aguentar esse fardo…? Eu nunca pude perguntar como você lidava com isso… A sua doença te levou para longe antes que pudéssemos nos aproximar de novo… E o Yurgen não conseguiu te salvar mesmo viajando por tantos anos em busca de uma cura…”
Aos poucos, as íris claras retornam ao seu brilho conforme lacrimejam. Os lábios, antes mordiscados pela falta de confiança em Raisel, agora se apertam em sua própria hesitação.
“Mas eu não vou depender dele ou de um menino para salvar quem eu amo… Não importa o quão pesado o meu fardo fique, o quão submersa minha consciência se torne… Eu vou salvar o meu motivo de viver… A minha filha está me esperando!”
Em um piscar de olhos, os tornozelos dela se unem e a postura se torna ereta com a espada à frente do peitoral verticalmente. Logo, os pés dela afundam sobre os destroços abaixo.
O vácuo emitido em sua preparação ressoa em conjunto a clarão dourado ao sul.
Nesse momento, o Gewissen escarlate explode em pétalas de rosas que voam em direção ao céu como um redemoinho.
“Eigenschaft: Rosenblätter!”
O sacerdote, encantado com a beleza da paisagem, está paralisado. As sobrancelhas grisalhas, tremulam em confusão, pois ele sequer sente perigo vindo dessa chuva de pétalas tão adoráveis.
Os olhos castanhos se fixam sobre uma dessas pétalas que, gentilmente, se aproxima sobre um dos seus ombros.
Contudo, assim que a pétala encostou, o semblante do homem se tornou pálido em um único instante. As vestimentas foram cortadas como espuma e a pétala chegou a separar a sua carne por um único instante. Mas antes que tivesse o braço completamente decepado, ele se joga para trás.
一 M-Merda!
Deitado sobre o chão, o padre estende as mãos para controlar o espectro paralisado. Porém, sua visão é preenchida pela silhueta e os olhos azuis sanguinários da mulher “frágil”.
“E-Eu vou morrer!”
O florete desce, mas encontra algo rígido como diamante. O som agudo ressoa pela área enquanto a chuva de flores continua a picotar o ambiente.
“Essa dureza na energia… Esse padre é um Giergrozügster?”
Surpresa, ela encarou o espectro que envolveu o alvo como um casco de tartaruga.
Ao ser repelida para trás, poucos passos a recompõem enquanto as flores pelo ambiente começam a desaparecer uma após a outra.
“É o pior tipo de inimigo para mim. Devo mesmo gastar tanta energia pra superar a rigidez desse verme? Se tiver inimigos mais poderosos…”
O fantasma translúcido permite que Carmen encare diretamente o sacerdote tremendo de medo, por mais que ele esteja mantendo a defesa ao redor de si.
De qualquer modo, a mulher ajusta a sua postura.
O sacerdote, ao ver que está bem, sorri em meio às lágrimas de medo.
一 Ha… Parece que você não é tão forte assim…
Ele, portanto, começa a se levantar.
Mas a mulher arregala os olhos e levanta o olhar para algo que começa a cair em direção à eles como um cometa completamente enegrecido.
“Vai me atingir?!”
Agilmente, ela salta para trás enquanto balança a espada de baixo para cima, na vertical. Uma ruptura preenchida por pétalas a defende do impacto e do vácuo como uma parede.
Perante a poeira dos destroços, uma enorme silhueta começa a se levantar.
一 Hm… Acho que pisei em algum verme.
A voz grave como um tambor ressoa pelo ambiente. As sombras dessa figura em meio ao nevoeiro são enormes.
Em um único bater de palmos, a nuvem de poeira se dissipa. Com a cabeça coberta por uma espécie de touca em formato de cone, somente o rosto é visível em luminescência alaranjada vindo dos olhos.
Abaixo, na cratera feita de seu pousar, o sacerdote está completamente esmagado como uma formiga.
“Esse cara é forte… Então, o sacerdote anterior era só um peãozinho? Isso explicou muita coisa.”
Nervosa e com um sorriso no rosto, ela encara esse novo inimigo. Suas roupas também são cerimoniais, mas a estola azul escura tem uma qualidade indiscutivelmente superior. Ao contrário do charlatão, os símbolos das luas são metálicos e definitivamente autênticos.
一 Mulher, sob a ordem do Senhor Truman, eu lhe eliminarei. Gratios, o Segundo Sacerdote da Lua, esse é quem eu sou.
Conforme a fala dele ecoa, ela precisa levantar o olhar para encará-lo nos olhos. Sem sobrancelhas e de lábios escuros, o terror que ele causa é incomparável com o Selo de Berith acima da cabeça. Mesmo distante, esse cara parecia ter facilmente mais de três metros de altura…
O palmo direito do gigante se fixou na vertical à frente do rosto. Carregando consigo uma espécie de conta-do-rosário entre o pulso destro, a mão esquerda está baixa na altura do quadril.
Em um suspiro pesado, Carmen começa a se concentrar para uma batalha difícil.

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