Capítulo 55 - Descida

Pelos corredores escuros, o grupo é guiado por Jeanice. Logo atrás, Yurgen, Raisel e Carmen caminham quase lado a lado. Um silêncio paira pelo ambiente antes que o experiente arqueiro começasse a explicar o plano de infiltração nos porões do castelo.

Poucos instantes após saírem dos aposentos vazios de Osman, o homem coçou a barba pela última vez e suspirou. Os olhos dele se fecham em uma lentidão maior e, finalmente, a sua voz ecoa de maneira convicta:

一 Nosso objetivo é apenas um: pegar o Medaillon do pescoço de Osman. Mas é provável que ela tenha mais servos de Berith, além dos peões descartáveis… Por isso, poupem-se o máximo que puderem. Não estaremos lutando pra vencer, a menos que seja necessário.

一 E como vamos fazer para entrar? Vamos colocar eles pra dormir com o Glanz da Jeanice? 一 Curioso, os olhos dourados deslizaram para o lado. Ao encarar o mentor, percebeu as rachaduras escuras pulsantes subindo pelo seu pescoço…

一 Não… Vamos entrar furtivamente. Usar a habilidade da Jeanice chamaria atenção demais. Além de que, quando nos infiltramos na cidade, eu pude notar que Cavaleiros comuns ao redor do cerco se libertaram com facilidade da ilusão. 一 Complementou balançando a cabeça em negação.

一 Ah… Então vocês não se perderam da gente aquela hora da subida.

Novamente, o ambiente se torna silencioso. O som dos passos deles sobre as escadarias centrais, os levam para o térreo do castelo à medida que a enorme lua no céu, cruza em direção do horizonte…

一 Vocês estão bem? No sentido de estarem perto da força máxima, ou se o equipamento teve algum dano… 一 A ruiva se manifestou enquanto encarava as pontas do seu cabelo queimadas.

一 Minha arma tá um caco, não sei se ela vai aguentar mais uma luta. Mas fora isso, acho que estou uns… setenta por cento.

一 Eu estou bem, senhora Carmen. Depois de descansar um pouco, meu corpo parou de doer.

一 E você, Yurgen? 一 Desconfiada do quanto restava da sua força, era inegável que estava um pouco preocupada com a situação do velho.

O homem, com os olhos encarando as costas da meio-elfa, estufa o peito e aperta o punho. Em um piscar mais lento, respirou profundamente para respondê-la.

一 Bem. Não precisei fazer muito esforço até agora… Devo conseguir ser capaz de usar meu Glanz uma única vez.

Com a resposta dele, os três o encararam brevemente. Ele claramente não está bem. A pele pálida e os olhos quase completamente opacos, contrastam com a escuridão e o cristal que lhe consome.

一 Estamos aqui chegando… O acesso aos porões fica depois daquela porta.

No fim do corredor, há uma parede com uma estátua de mármore o guardando. Belíssima, a figura retratada nela se assemelha à um homem de cabelo encaracolado, encorpado e segurando uma lança. Os detalhes espirais em sua armadura pesada chamam bastante a atenção, mas o mais curioso é que ele não possuí um rosto.

一 Quem é esse? 一 Raisel nunca tinha visto nada parecido.

一 Antes de ser chamada de “Cidade da Arte” de Balmund, Kromslaing era uma concentração de escravos elfos. Essa pessoa foi Sir Alexis von Majeel, um antigo Grão-Cavaleiro que acabou com uma tentativa de fuga e rebelião, os massacrando impiedosamente.

一 Entendi… Os Truman idolatram um genocida. 一 Destacou o garoto ao encarar a figura com desdém.

一 Não… Essa estátua está aí desde a minha infância. Meu pai era um neto colateral de Alexis… 一 Jeanice complementou friamente enquanto apoiava uma das mãos na maçaneta da porta.

A informação paralisou os outros por um breve momento. Afinal, o quão cruel alguém seria para contaminar o sangue élfico com o de um exterminador de sua espécie? A mais afetada pela revelação foi Carmen com seus dentes rangendo.

Contudo, a menina abre aquela entrada. Logo de cara, um cômodo enorme quase como um armazém é iluminado pelo brilho do luar vindo pela entrada. Uma curta escada os separa desse salão de diversas prateleiras empoeiradas.

一 Raisel, expanda o Domo.

Acenando com a cabeça, o menino toma à frente. Os olhos dourados cintilam sobre a escuridão, ampliando o seu Gewissen como uma rajada que recobre completamente a área. Dessa forma, pode sentir com clareza o concreto áspero, as rachaduras pelos quatro cantos e cada item presente nesse espaço.

一 Não tem ninguém, mas sinto uma… passagem de ar vindo de baixo.

一 É um elevador. Não encontrou nenhum mecanismo, ou algo diferente?

“Elevador?” 一 Pensou consigo mesmo.

一 Não…

Para ter certeza, ele expande os seus sentidos uma segunda vez. Em busca de alguma coisa que pudesse se assemelhar à um apetrecho. Após alguns segundos, percebe algo.

一 Tem um buraco embaixo de um quadro, na parte do nome do autor e da pintura. Fora isso, não consegui sentir mais nada.

Descendo as escadas, Raisel os guia até o quadro. Logo atrás, a ruiva estende o dedo para o alto e cintila o seu Gewissen escarlate para fazer alguma luz.

De frente para a pintura, nota-se uma mulher de vestido escarlate, mas a tinta já está completamente corroída pelo tempo, ao ponto da obra se assemelhar mais a manchas do que a um quadro em si.

一 Jeanice.

一 Sim…

Com o chamado, ela toma à frente. A varinha espiralada dos Asdoth se estende em direção à cavidade misteriosa naquele retrato. Encaixando-se perfeitamente, ela gira para o lado horário

No mesmo instante, uma engrenagem acompanha por trás da parede. O cômodo parece suspender-se como uma plataforma. Desse modo, lentamente a porta de entrada e a luz do luar pelas janelas começam a ficar para trás…

A única fonte de luz vem do dedo indicador da ruiva. Seu Gewissen centelha como faíscas que se cruzam à todo instante, serrilhada como uma chama inextinguível sendo balançada por um vácuo contínuo.

Nessa escuridão carmesim, ecoa os passos de um homem de longa cabeleira negra. Caminhando por um tapete vermelho, os olhos de cores distintas entre o rubro e o amarelado, fisgam uma enorme e bizarra paisagem.

Em poucos instantes, parou diante à misteriosa ambientação. Seu colar dourado sobre o pescoço, seus brincos chamativos e os anéis de cristais em diversos tons, reluzem contra a monstruosidade vermelha pulsante da figura à frente.

Com fascínio, sua expressão tremula em uma esperança. O palmo destro encosta sobre esse construto estranho. Parece hipnotizado o suficiente para encostar a testa sobre ela.

Gosmento e viscoso, a estrutura se parece com um grandioso casulo, mas feito inteiramente de carne negra e sangue. Do epicentro pulsante, rachaduras escarlates alastram-se por entre os apoios nas paredes e teto. Lá de dentro, algo parece se mover e encostar o palmo sobre o de Osman.

一 Meu Grande Salvador… Seu Receptáculo está quase pronto. Restam apenas mais algumas pessoas para alimentá-lo.

Emocionado, ele contém as suas lágrimas.

Ao fundo, alguém se aproxima passando pelo mesmo tapete vermelho.

一 Os, nós estamos retornando para o Reino. 一 Uma silhueta com grandes orelhas lupinas sobre a cabeça, proliferou em um tom impaciente.

一 Certo. Obrigado pela sua ajuda, Isgaland. 一 Sério, o homem se virou enquanto os pulsos se cruzam por de trás da cintura.

一 Espero que cumpra o que me prometeu. Aqueles invasores mataram dois dos meus Sacerdotes. 一 Visivelmente irritado, os olhos azulados com diversos tons sobreposto em camadas, encararam o outro.

一 Não se preocupe… Nós vamos compartilhar parte do poder do nosso Salvador com vocês, nossos irmãos. Somos eternamente gratos ao Culto da Lua Negra por nos ter apoiado durante esses dez anos. 一 Terminou pondo uma das mãos ao peito e abaixando brevemente a cabeça.

一 Lhe darei a cabeça de cada um desses intrusos para satisfazer a sua ira.

一 Hmpf~ Não quero lixo como presente. Tudo o que me interessa é acabar com os Beus. 一 Finalizou enquanto se virava; retirando-se da sala acompanhado de outras três quatro sombras com cabeça de cone.

Logo em seguida, uma outra fileira de sacerdotes o acompanharam. A missão em Kromslaing está perto de terminar. À medida que os sacerdotes e crentes da Lua Negra passam pela porta, as Trevas concedidas por Berith temporariamente aos mais fracos, são sugadas por Osman.

“Edina e Odgard não desceram… Presumo que eles estejam mortos. Somente eu e meu filho mais velho, Oseiros, e o restante dos Espectros, será o suficiente para exterminar essas pragas.”

A mandíbula coberta pela barba rala se apertou, assim como os olhos se encheram de determinação.

“Depois procurarei o cadáver deles para o Salvador trazê-los de volta dos mortos…”

Ao término, o homem voltou a apreciar o casulo para o receptáculo de Berith.

A perspectiva se afasta cada vez mais da sala, até que o último crente da Lua Negra fecha a porta do salão.

Outra vez, a escuridão preenche o ambiente.

A plataforma finalmente chegou ao fundo.