As árvores escalavam em tamanho a altitudes alcançando o inacreditável. Mesmo ao longe, algumas se destacavam, parecendo tocar os céus.

    Quando entramos em uma estrada por entre a floresta, algumas se mostraram reconhecíveis, outras, um verdadeiro esplendor de formas, juncos e folhas com colorações variadas.

    Algumas pareciam ter folhas de ouro, que reluziam com o brilho do sol escondido por entre as altas copas que formavam praticamente uma cobertura quase completa.

    A brisa fria e suave tocava meu rosto como um bálsamo enquanto os cavalos trotavam pelo caminho Élfico.

    Uma variedade psicodélica de aves e bichos com cores e formas mais variadas o possível!

    Observava de forma assustada e curiosa por trás de folhas e árvores enquanto minha comitiva avançava pelas sombras frescas e refrescantes de Eryndor.

    Uma ave em especial me chamou a atenção pela coloração vermelho-fogo, que praticamente brilhava como uma labareda. 

    Sua cauda bifurcada parecia ter um metro de comprimento enquanto seu corpo não passava de trinta centímetros… Era uma experiência surreal para mim. 

    Já havia visto muitos elfos errantes, que pouco contavam sobre seu mundo. Geralmente aventureiros ou poetas.

    Em casos mais raros, que eu pessoalmente não presenciei, tinham os magos. Elfos que conseguiam brincar com os elementos ao seu redor.

    Como mágica, faziam surgir flamas, ventos e água. Faziam coisas surreais até mesmo para os feiticeiros de Riverdeep.

    Nosso encontro era inesperado. 

    Uma carta chegou para meu pai, que está em missão diplomática nas terras de Riverdeep, algo relacionado aos novos portos e missões expedicionárias em cima de uma suspeita secreta. Nunca entendi bem os negócios de meu pai… 

    O rei Arslan Fierun, sempre quieto e observador, matador de dragões, herói de guerra na batalha de Lantier. Auto intitulado unificador de Emerus, e rei de Emerus. Um figurão rabugento e introspectivo… 

    O suficiente para me fazer sentir um bastardo dentro do reino. Mesmo sendo filho único e príncipe herdeiro…

    Sim, não conheço muito o que é amor paterno, já que meu pai sempre esteve envolvido em suas reuniões secretas e discussões parlamentares que no final, não faziam sentido já que ele sempre tinha a última palavra…

    Antes de meu pai, quando Emerus era dividido entre 8 reinos menores, que hoje são cidades, as coisas eram mais claras, assim como as intenções dos soberanos…

    Mas aqui estou. Prestes a conversar pessoalmente com Elfos e anões…

    Para quê? Não faço ideia… Mas me disseram para informar a corte que era uma discussão sobre as fronteiras… 

    Talvez os elfos estivessem expandindo seu território, talvez fosse alguma reclamação sobre as escavações dos anões. Coisa que eu não poderia me opor, até porque seu minério era a base da economia de todo o continente.

    Antes da União, todos viviam à base de trocas. Cavalos levavam água a terras mais distantes do rio, e em troca traziam grãos, ou até carnes. O porto comercializava peixes enquanto comprava madeiras. 

    Nossas Minas não tinham a mesma produção das minas anãs… E então, depois da primeira grande guerra, onde humanos, anões e elfos se uniram contra a ameaça orc e seus súditos goblins, a paz se estabeleceu.

    E com isso alguns tratados e alianças foram firmadas. Com elas, a moeda única da União, que permitiria a troca de mercadorias de forma mais fácil… Não foi uma ideia ruim, mas deu base para ramos ruins como a corrupção e alguns outros crimes.

    O valor de tudo era estipulado, de forma básica, pelo grande banco emeriano, que passou a se chamar organização Titulum quando se expandiu para os outros países humanos e também para a nação anã de Karag-draan.

    A partir daí, valores eram estipulados em conjunto por todas as raças, tendo suas flutuações por distância e custos de manutenção… 

    Coisa que também abria margem para mercadores e bandidos, assim como caçadores de recompensas e outras muitas classes operárias ou autônomas…

    — Príncipe Adrian! — A voz firme do capitão Aldo Lorenzo soou ao meu lado da forma mais simpática que o brutamontes de rosto peludo poderia. — Apenas algumas horas para nosso destino, uma clareira em meio à trilha. Lá encontraremos aposentos para aguardar a chegada dos outros representantes. O senhor deseja que paremos para descansar? Ou podemos prosseguir diretamente ao objetivo?

    Ponderei. Sabia o tipo de homem e os cuidados que provavelmente o capitão Aldo planejaria. 

    Estudei esgrima com ele, sei o quanto ele pode ser perspicaz em suas intuições. 

    Porém, as informações que ele tinha sobre a viagem que durou quinze dias até agora eram falsas… 

    Foram claros ao dizer que era para se certificar de como os outros entenderiam a mensagem, e que acreditariam ser um tratado de fronteiras…

    — Podemos continuar. — Respondi com a voz calma, ainda contemplando toda a beleza das árvores Élficas. — Não quero ser o último convidado, não seria bom para nossa imagem! 

    — Os cavalos estão cansados, majestade! — Insistiu Aldo, visivelmente contrariado por minha decisão. — E esse caminho parece muito novo, a terra fofa está atrapalhando a marcha.

    Ao observar melhor o chão, reparei que a estrada não tinha marcas de cascos ou pegadas. Como se nunca tivessem sido usadas.

    Curioso, pensei em silêncio, não respondendo ao capitão.

    Minha caravana era composta por três carruagens, com guardas, cartógrafos, tradutores e alguns estudantes da academia de Dramin. Todos escolhidos a dedo pelo meu assessor Leonardo Ritchelli. Os mais confiáveis que eu poderia ter.

    Hugo Pires, um estudante historiador estava na carruagem real junto comigo, capitão Aldo, Leonardo e Mariana Neves, uma mulher bonita com olhos esmeraldas e cabelos azulados, que falava tanto quanto uma rocha. 

    Em quinze dias, eu ouvi a voz dela em meados do caminho entre Rocha Fluente e Eméria, e quando paramos em Eméria para descansar ela comentou algo sobre os anões e suas novas escavações. 

    Estava com um vestido vermelho até os pés e uma bandana adornada com safiras em sua cabeça. Amarrada de forma que seus cabelos ficassem totalmente escondidos. A não ser pelas pontas e uns poucos fios azuis escapando.

    Não entendi muito bem, e também não quis. Isso era assunto para meu pai, o rei. Eu estava aqui só como um representante…

    Foi Hugo quem quebrou o silêncio que claramente incomodava todos os presentes.

    — Como será que eles são? Nunca vi os altos Elfos! — Seu rosto arredondado brilhava de curiosidade. 

    O garoto com corpo roliço usava uma jaqueta de pano comum tingida de verde, uma calça de couro de boi e levava uma sacola pendurada repleta de papéis em branco e penas para escrever. 

    — São parecidos com os outros Elfos, apenas mais inteligentes. — respondeu Aldo, balançando os ombros, com cara de desprezo. — O suficiente para não saírem de suas florestas. 

    — Talvez os burros sejamos nós vindo direto para a área deles — cogitou Leonardo. — Nem sabemos se são realmente amistosos. 

    — Ssshhhhhhhh! — Silenciei a todos com a ponta do dedo no nariz. — Sabemos que a intérprete deles fala a nossa língua, e também sabemos que Elfos escutam a grandes distâncias…

    Hugo sorriu silencioso.

    — Mas não tem nada perto a não ser animais! — disse com uma dose de escárnio — E bem esquisitos, para falar a verdade. 

    — Bem, como pesquisadora… — Disse finalmente a voz da mulher de cabelos escondidos e olhar curioso para tudo ao redor. —Acredito que a palavra certa seria intrigantes ou curiosos!

    — Foquem na missão! — Bradou capitão Aldo, como um professor tentando recuperar a atenção da classe. — Precisamos estar preparados para uma evasiva, caso isso seja uma.

    Eu continuava a divagar entre a beleza das florestas e as variadas formas e cores que estavam sendo a mim apresentadas. 

    Não entendia como era possível não prestar atenção em tanta coisa. Mas não podia julgá-los. Passei por uma vida inteira dentro de muralhas altas, estudando política… Para um dia ser rei…

    A luz do sol já começava a baixar, trazendo um cenário de céu laranja à tona. 

    As árvores de folhas metálicas agora refletiam a luz da lua, trazendo uma luminosidade não natural para o interior da Floresta.

    Nossa conversa se estendeu por mais algumas horas. E em alguns momentos, quando a conversa dava tempo para descanso, podíamos ouvir os soldados e profissionais nas outras carruagens.

    Cada carruagem era projetada para levar até oito pessoas. Eram tomadas com as cores rubro-dourado de Emerus, seguidas por guerreiros montados em todos os lados. 

    Pelo menos vinte e cinco pessoas seguiam na caravana. Então… Era comum que divergências ocorressem.

    Foi assim que ouvimos Sir Carlos Cézar discutindo com Sir Alfredo Lopes algo sobre as terras ao sul de Sarias e a ação de uma empresa mineradora se instalando na vila Cândida. Algo sobre como não era possível pagar tanta gente com tantos fracassos seguidos.

    Pouco importava, já estávamos a pelo menos algumas horas do nosso destino. Era hora de se concentrar.

    Eu podia sentir que muita coisa iria mudar. Muita coisa deveria mudar…

    Na verdade, já havia mudado.

    Eu estava em uma missão real oficial como enviado de meu pai!

    Quanto orgulho mamãe não estaria sentindo? O quanto meu pai olharia para mim agora? O quanto ele me reconheceria?

    Os cavalos começaram a baixar o ritmo, quando Sir Alfredo deu um comando para pararmos. 

    Nosso arauto e batedores avançaram para o que parecia uma pequena área circundada de algumas choupanas artisticamente ornamentadas com palhas multicoloridas e fios de ouro ou algo muito parecido. 

    Eram no total quatro choupanas perfeitamente estruturadas e em uma delas repousavam duas aves gigantes, com pelo menos o meu tamanho em altura. Curiosamente, seus corpos mais pareciam com leões da savana… 

    Fiquei maravilhado com a criatura a ponto de não perceber a aproximação de dois Elfos impecavelmente trajados. Ele com uma vestimenta quase militar, de mangas longas terminando nos cotovelos em forma de triângulo, com adornos prateados nas ombreiras altas e os cabelos dourados caindo pelo ombro. Deixando espaço para ostentar um bem-trabalhado par de brincos. 

    Seu rosto bem jovial parecia algo entre vinte ou trinta anos. Se fossem humanos, ele provavelmente teria essa idade.

    Ao lado dele, se apresentava uma das coisas mais perfeitas que meus olhos já puderam tocar.

    E de repente, eu não lembrava meu dever aqui. O mundo ao meu redor se desestabilizou por um instante.

    Tudo que eu tinha preparado até agora, como discursos ou opções, desapareceram por um instante, como se eu tivesse sido congelado por uma cocatriz.

    Seus cabelos prateados e adornados com uma linda trança e joias verdes, brancas e azuis balançavam e brincavam no vento ameno que nos cercava. Seus olhos azuis eram cristalinos como o mais limpo céu de Emerus. A boca constituída de traços finos, alinhados por orelhas pontudas que carregavam pequenas argolas prateadas em ambos os lados.

    Era uma elfa ou uma deusa?

    Quando percebi, uma lágrima saía de meu rosto. Limpei a lágrima quando percebi que meus convidados também estavam ao meu lado, esperando a aproximação dos Elfos.

    A fonte vindoura da aurora ainda ascendia por trás das grandes árvores Oropher quando chegamos na clareira. 

    Lá, já estavam o regente Aerendill II e sua comitiva formada por apenas quatro homens com capuz verde-oliva com adornos em prata.

    Eu ainda me sentia um pouco enjoada. A viagem não tinha sido tão relaxante quanto pensei. Com o costume de caminhar por entre as ruelas de Elliantra, não esperava que uma curta viagem de grifo me deixaria tão mal.

     Liwelinor correu para alojar os grifos cansados da viagem enquanto eu me encaminhei até o regente e sua comitiva para prestar os devidos respeitos.

    — Manen lumbor alya tyelca nai hilya sí i lumna! — Disse o encapuzado mais alto, segurando um arco de madeira entalhada com desenhos e runas. — Alatulya amárië.

    — A lercuva fëa yénië órenna síra ar lúmenna! — Respondi também em Élfico antigo…

    Era realmente bom ouvir alguém falando naquele idioma. Tanto me preparei para falar quando necessário, e agora, finalmente, estou o usando.

    Fiquei um tanto eufórica com o uso do idioma quase esquecido dos Allhein enquanto via o encapuzado mais baixo recitar algumas palavras inaudíveis. Quase não tinha percebido que algo incrível estava acontecendo em minha frente.

    Na frente do encapuzado que sussurrava palavras que mais pareciam com uma mensagem ao vento, uma joia vermelha surgiu, e então, flutuando em frente ao homem que nesse momento, já era apenas um detalhe no quadro geral.

    A cor da gema foi ganhando vida, se intensificando e pulsando como um coração ardente.

    Por um instante, todo o ar ficou rarefeito, como se algo tivesse cortado a nossa realidade e ele tivesse escapado pelo rasgo. 

    Minha visão ficou turva por um instante, mas logo após eu vi a joia se tornando chama, a chama se tornando labareda e criando formas. Algo como um pássaro. Um pássaro que mais parecia o fogo encarnado. Com longas caudas vermelhas.

    Mais um sussurro como um comando e a ave incandescente se foi. Nesse mesmo momento, o terceiro homem encapuzado sussurrava outras palavras incompreensíveis até para mim, que estudei muitas línguas…

    E uma pressão inexplicável tomou conta do lugar. Algo que empurrava meu ar para fora dos pulmões. Como se eu estivesse perante um choque entre existir e não existir…

    Quase como se algo guiasse minha cabeça, girei lentamente em direção à floresta, ao lado oposto das choupanas ornamentadas com folhas de Silmara e ithildin enfeitando tudo ao redor tanto nos telhados de vinhas e folhas que cobriam as choupanas, quanto pendurados em suas árvores reluzindo a lua ou o sol!

    Ali, como se as árvores tivessem ganhado vida e se tornado ents, as raízes começaram a sair da terra e se esconderem novamente sob o manto de barro que estavam antes, de forma que elas andavam, lentamente, porém continuamente. E uma estrada, sem imperfeições, se formou de frente a meus olhos.

    Estupefata com a imagem, vacilei ao voltar o olhar para Aerendill, quando percebi que um dos quatro homens já não estava presente.

    — Manen lumbor alya tyelca nai hilya sí i lumna — Falei a Aerendill, que soltou um sorriso simples e acalentador. O jovem Elfo da casa Luthiaraeon tinha menos que 1,70 de altura, usava uma túnica branca com tiras de couro coloridas e fios de ouro usados para vivificar as amarras em seu traje. Uma coroa de Louro Dourado circundava sua cabeça, terminando atrás de suas longas orelhas adornados por correntes douradas por toda a extensão. Sua pele alva quase refletia a cacofonia de cores e formas da floresta de Galadhelis. Seus lábios rosados contrastavam com seus cabelos loiros e olhos rose. — Fana lúmello nérilya tye ortanenna.

    — Úmo estalë cé nauvalyë — Respondeu o sereno senhor de Eryndor, sua voz soava como uma música calma e inebriante. — Símë ammen otorni nassëa i tuluvë lertanë.

    Acenei com a cabeça, mantendo os olhos no chão, mas uma coisa ficou clara. Não teríamos um simples tratado estratégico sobre limites e fronteiras. Algo maior estava acontecendo.

    As palavras do Representante Élfico de Eryndor me rodaram a cabeça como um labirinto de possibilidades, me levando a perguntas que eu deveria ter feito assim que cheguei.

    Primeiramente, um regente não pode arbitrar sozinho sobre a fronteira de um reino. Segundamente, magia era tão rara, que dois magos em um só ambiente era algo a se desconfiar.

    Tínhamos algumas espécies dividindo Galadhelis conosco, algumas delas, com dons mágicos naturais, outras com aptidões à magia. As fadas, por exemplo, usavam magia como se brincassem nos bosques, desenhando linhas estreladas com suas varinhas encantadas. Apesar de ser um espetáculo visual de luzes impressionantes, nada muito além da compreensão. 

    Os koltars, tribo de criaturas imortais parecidas com elfos, mas com sua parte inferior sendo um cavalo. Usavam magia elemental para curar as árvores e seres que julgavam não estar preparados para deixar o mundo. Nunca estudei eles a fundo, mas são pouco numerosos, e pelo que eu soube, nem podem se reproduzir.

    Entre nós elfos, nos destacamos entre 3 espécies: os Sindrain, descendentes dos pioneiros, com baixa aptidão mágica; os Eladrim, elfos abençoados por Ithilorn, a Lua Mágica. Esses têm a extrema aptidão mágica, porém são raros como frutos de arannor; e os Queenir, que possuem certa aptidão mágica, mas também são raros, e a aptidão às vezes não se manifesta… Algumas diferenças físicas são presentes nas espécies, como os cabelos azuis dos Eladrim ou a pele esverdeada dos Sindrain.

    Ter 3 Eladrim juntos era muito suspeito…

    Uma brisa fria começou a percorrer a clareira quando o sol começou a baixar dando espaço para a lua iluminar a floresta a partir do reflexo prateado das folhas de ithildin. Eu podia sentir o vibrar da terra percorrer meu corpo e sentidos me alarmando a todo instante. Conhecia a alma da floresta, sabia de seus silêncios. Algo estava vindo.

    — Edain nîn tolir, nan i-felegir ilauron a dagorath nîn — disse o elfo encapuzado que havia invocado a ave cor de flamas, indicando a aproximação e o número de humanos vibradores. Como se pudesse ver os homens e suas carruagens pessoalmente. — Minque atani né i óre mase.

    — Aya ná lúmë — disse Aerendill, com o ar despreocupado que me tranquilizou, mesmo que por pouco tempo. Porém… — Ála lelyat, áva remat úva mólina umívalya sina ré.

    A segunda frase de Aerendill me deixou atônita. Qual o motivo de estarmos aqui hoje? Seria essa frase para mim, para nós? Ou apenas para os estranhos Eladrim que, agora que pensei neles, já não estavam aqui…

    Liwelinor já se aproximava novamente. Como de costume, trajado a rigor como qualquer membro da casa Thalorien. Com uma roupa militar… Era engraçado pensar em como eles seguiam à risca a tradição da família.

    Tentei puxar assunto com Aerendill. Mas esse pareceu ter ficado mudo enquanto olhava a noite avançar. Enquanto isso, comecei a recitar poemas junto com Liwelinor, que parecia visivelmente nervoso. Provavelmente não era a sua primeira vez a ver humanos. Era secretário do senhor regente de Elliantra, Aeltharin I da casa Luthiaraeon. O irmão mais velho de Aerendill. Devia ter tido milhões de reuniões com humanos e elfos. Mas eu não.

    Eu conhecia alguns seres de Galadhelis. Tinha amizades com fadas e gnomos. Já havia visto e até mesmo capturado uma Naggah, já havia estado com os koltars… Mas homens e anões são diferentes… São gananciosos como as Naggah, espertos como os gnomos e traiçoeiros como os drows…

    O pavor de um conflito iminente se aproximava. Por que Aerendill não tem uma comitiva, proteções? Algo está errado…

    Eu podia sentir. Eu podia quase ver…

    Algumas horas se passaram e as vibrações sísmicas de antes se tornaram barulho estrondoso de carruagens pela estrada mágica que um dos Eladrim encapuzados fez. Mais uns minutos e… Finalmente. Eles estavam ali. Um pequeno contingente de umas vinte pessoas humanas…

    — Caelthariel! Liwelinor! — Sussurrou Aerendill, como se usasse o próprio vento para transmitir suas palavras em tom tão baixo e de tão longe e mesmo assim, bem assimiladas. — Sinomë paimalyan cennuva tencuva.

    Logo entendi que se tratava de uma charada que teríamos que desvendar.

    Me encaminhei na direção dos humanos…

    Cumprimentei o líder dos humanos com um movimento respeitoso de cabeça e uma reverência de corpo. Na verdade, não sabia bem o que eu deveria fazer.

    — Sejam bem-vindos a Eryndor. Humanos, detentores das chamas da ganância! Vocês são aguardados pelo senhor das terras de Eryndor — Disse, esperando ser cortada por algum comando de Aerendill. Porém, o regente da cidade mais próxima do mundo dos homens permaneceu quieto. Seus olhos iam de humano a humano, até passarem por uma mulher encapuzada. Percebi que Aerendill permaneceu mais tempo com o olhar na mulher, como se pudesse ver algo a mais.

    Eu sentia a mesma sensação de quando o Eladrim encapuzado invocou a ave flamejante, como se uma pressão enorme tentasse me jogar no chão. O ar estava ficando rarefeito. Reparei que os humanos também estavam desconfortáveis, exceto por dois que pareciam ser guardas pelas vestimentas ornadas para combate.

    A pressão aumentava enquanto Aerendill se aproximava. Eu já me sentia como uma filha sendo amassada contra a parede em uma torrente d’água. Não suportei o peso da pressão fantasmagórica e fraquejei. Meus joelhos moles tocaram o chão.

    O ar me faltava, e eu comecei a ofegar, lutando para me manter viva.

    Um rápido olhar ao redor revelou que seis dos humanos também estavam prostrados com os joelhos no chão. A mulher que os acompanhava cedeu. Deixando cair sua bandana enquanto pegava por ar, deixando à mostra sua cabeça de longos cabelos com mechas azuis e orelhas pontudas de tamanho menor que o comum. Era uma híbrida. Meio elfa, meio humana, a coloração dos cabelos indicava a linhagem Eladrim.

    Um humano com o rosto jovial e o corpo roliço como um Baragund silvestre deixou inúmeras folhas de papel em branco caírem de sua bolsa de couro junto com algumas penas de aves. Enquanto isso, outro homem com roupas nobres e cabelos crespos como algodão negro caía já desmaiado ao chão…

    — É uma emboscada, matem todos! — Gritou um dos soldados humanos, desesperado, com o furor visível em sua face. — Protejam o príncipe!

    Em um instante, o Eladrim encapuzado que havia invocado a ave flamejante, o outro que havia criado a estrada mágica, que notei que já não existia nesse momento, e mais umas dezenas de elfos Sindrain surgiram das brumas que circundavam árvores em todas as alturas. E o que antes parecia uma solitária fenda em meio à densa floresta, agora era um pequeno contingente armado. Minha visão ficou turva antes de ouvir a última frase.

    — Daro dhín, adhin. Boe gorfannen i phoron a badamme hen — Comandou Aerendill com confiança e um ar vitorioso. — Maquetarë cuvula túlimë lassë.

    Apesar de mal conseguir manter meus olhos abertos, vi quando a silhueta do Eladrim invocador de chamas desapareceu para aparecer um instante após em frente de um soldado humano que abriu os olhos com uma careta atônita quando percebeu o Elfo em sua frente. Acredito que ele tentou falar algo quando foi impedido pelo som frio de um gorgolejo molhado, seguido por um baque. Eu já não podia ver, mas sabia que aquele soldado estava morto.

    Logo após, pude ouvir o som de flechas cruzando o vento, e alguns gemidos terminais sendo lamuriados ao ar.

    — COMO PERMITE ISTO DE VOCÊS! TENTANDO ATRAPALHAR O CURSO NATURAL! MAS ME DIGA SENHOR ELFO — Uma voz quase que etérica e grave, perpendicular aos ares, se fazendo atualmente audível. — QUE MENTIRA VAI CONTAR QUANDO DESPERTAR OS HUMANOS? OU PRETENDEM MATÁ-LOS? ACHAM QUE ELES VÃO ACREDITAR EM VOCÊS? NOSSA EMPREITA ESTÁ ACONTECENDO NESSE MOMENTO. O PRIMEIRO SELO FOI QUEBRADO. ENQUANTO VOCÊS CORREM PARA PROTEGER OS SERES MAIS BAIXOS, NÓS OS USAMOS PARA QUEBRAR O SEGUNDO SELO! SEMPRE ESTIVEMOS, E SEMPRE ESTAREMOS A UM PASSO À FRENTE! ESTAMOS ENTRE VOCÊS, NOS CÍRCULOS BAIXOS E NOS CÍRCULOS ALTOS. NÓS CONTROLAMOS SEU MUNDO!

    — Cariuvámet i nauvanë carna — Respondeu Aerendill com um ar de tranquilidade. — Ú-gorthem le, ú-gorthabem.

    Tudo parecia terminado, alguma paz silenciosa tentava se espalhar pelo local. A pressão atmosférica debilitante soltou meu corpo e meus pulmões como se alguém tivesse se levantado de cima de mim, e enfim, eu podia respirar novamente.

    Ainda não conseguia abrir os olhos, a claridade estava demasiada forte, mas pude ouvir outros suspiros de ar retornando aos pulmões. Como se um barco tivesse afundado e as pessoas sido resgatadas no momento do afogamento.

    Aos poucos abri os olhos, e o único humano que não foi afetado pela supressão anterior, sofrida por algum feitiço, que ainda estava vivo era o mais equipado, com uma espada longa e armadura prateada brilhante. Mostrando que ele ocupava um status militar mais alto que os demais. Seus cabelos curtos eram bem cortados, mostrando que tinha uma certa vaidade. O rosto parecia que era de meia-idade, carregando o peso de sua vida em bolsões abaixo dos olhos. E os olhos, que antes eram olhos humanos normais, agora eram como uma esfera negra, cheia de ódio e rancor.

    Tive calafrios ao olhar diretamente para aquilo. A pele começou a ficar com uma cor acinzentada e doentia.

    O medo começou a percorrer meus sentidos. Despertando toda a movimentação do meu corpo. Mas de qualquer forma, eu não podia correr. As pernas estavam fixas no lugar. Como um feitiço de paralisação, fiquei ali. Plantada, sem dizer nada. Eu era apenas o medo. O pavor de experimentar outra vida. O medo de todas as histórias sobre deuses fossem irreais.

    Não sabia o que aconteceria dali para frente. Nem sabia se eu gostaria de ainda estar ali. O que realmente havia acontecido. O que foi tudo isso?

    Vi o líder humano levantar, já com a mão direita em um sabre. Seu rosto parecia confuso. Notei que ele não tinha a intenção de lutar. Notei a tristeza e a culpa percorrendo sua pele quando ele olhou para seus soldados mortos.

    De seus 14 soldados, apenas 3 restaram. Espiritualmente quebrados, sem entender o que havia ocorrido. Assim que perceberam a cena, largaram suas armas, se ajoelhando como quem súplica pela vida. Exceto um entre eles.

    Um jovem rapaz de cabelos curtos e negros, com o rosto fino e uma barba falha segurou sua espada e correu para a frente do líder humano. Senti que ele não tinha más intenções, mas ele protegeria o humano de alta classe com a vida se necessário.

    Aerendill cruzou solenemente o campo até ficar de frente à pequena comitiva humana que havia restado e com um olhar que parecia me convocar ao trabalho, deu um sorriso puro, sem nenhuma intenção escondida.

    — Elen síla lúmenn’ omentielvo. Alá Galadhelissë — Disse o representante das terras Élficas fronteiriças, olhando para mim como se esperasse uma resposta. — Sírë haryalmë quetë.

    Rapidamente entendi e atendi seu comando. Me levantando e traduzindo ao humano.

    — “Uma estrela brilha na hora de nosso encontro, sejam bem-vindos a Galadhelis” — Repeti em Emeriano tradicional, cuidando para que representasse exatamente as palavras e intenções de Aerendill II. — “Agora podemos falar.”

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota