Aqui se encerra meu primeiro volume! Aguardem por mais. Sei que estou atrasado, mas estou tentando criar uma obra prima. Espero que me compreendam e desde já, estou grato pelos views e comentários. Muito obrigado a quem está me seguindo. Conto com a ajuda de vocês.
Capitulo X: Interlúdio
PoV: Adrian Fierun
A noite caía lenta e singela na floresta Élfica. Estávamos a alguns quilômetros do ponto de encontro inicial.
Alguns dias haviam se passado desde então.
Selos, Deuses antigos, Raças banidas e todo tipo de coisa quase impossível de acreditar. Passei por muitas reuniões e ensinamentos. Eu parecia estar sendo preparado para um sacrifício.
Teorias, planos e fé se emaranhavam nas muitas discussões do concelho que agora eu pertencia, mesmo contra vontade.
Uma das mulheres de minha comitiva, Marina, havia sido levada a uma tal torre de ensino. Selma alguma coisa.
Meu cartógrafo, estava com conselheiros élficos estudando terrenos e zonas que nós nunca pensamos existir. Como um suposto novo continente.
Por algum motivo meu pai não era citado e nem cogitado como líder de Emerus. Alguns até viravam os olhos ou evitavam falar quando eu os questionava a respeito. Eu estava com muito medo. O nervosismo me subia ao peito sempre que negavam a me dar informações sobre ele.
Uma incursão foi decidida depois de alguns dias. Estaríamos indo para Karag-draan na próxima lua. Era assim que os elfos contavam o tempo. Mesmo demorando algumas luas para cada decisão.
Eu apenas aceitei. Sempre cumpro ordens de meu pai, nunca tomei nenhuma decisão sozinho. Não sei oque eles esperam de mim, mas acredito que me julgam como uma espécie de líder.
Olhei pela janela de meu quarto. Cedido por Aerendill. A lua tocava a ponta das árvores gigantescas que eles chamavam de oropher. Algumas árvores mais baixas já começavam a cintilar com o toque prateado que transformação a noite élfica em um semi dia.
Ao longe era possível escutar o som de pequenos animais ou insetos transformando a noite silenciosa em uma sinfonia natural incrível.
Algum tamborilar suave as vezes interrompia a sinfonia natural. Como se um exército marchasse ao longe. Algo não natural desde que cheguei.
Toda essa cacofonia me ajudava a reorganizar meus pensamentos. Muita coisa era nova, coisas que eu nunca iria imaginar. Pareciam contos do tio Allen. Dragões, Deuses caídos, Raças novas, Raças banidas…
Talvez, os elfos fossem reais lunáticos!
O farfalhar dos pássaros denunciaram a chegada de um visitante. Mais um dos nobres Elfos que eu deveria conhecer! Talvez mais uma revelação de poder ou conselho de sábios! Eles sempre tinham seus discursos enfeitados. Que estranhamente já não me fascinavam.
Esperei o bater oco da porta espessa de madeira. Mas ele nunca veio. E de forma fantasmagórica, mais uma nuance da loucura aconteceu.
O visitante não bateu. Ele simplesmente se materializou entre as sombras do umbral, como se a própria noite tivesse se dobrado para deixá-lo passar.
Era Elrondir, um dos Anciãos de Galadhelis, cujos olhos não pareciam refletir a luz da lua, mas sim guardá-la.
O brilho sobrenatural do elfo ancião de cabelos azuis como o céu parecia não iluminar nada que não fosse ele mesmo. Era estranho ver aquilo, talvez até um pouco desconfortável.
Permaneci quieto, como a floresta agora estava. Apenas o som de marcha bem ao longe.
“Mas que marcha?” Pensei ainda em silêncio, tentando copiar a floresta.
— O silêncio da floresta é uma mentira, Adrian Fierun. — Disse o elfo, sua voz soando como o roçar de folhas secas. — Ela não canta para você; ela lamenta por você.
Ele caminhou até uma mesa de escrivaninha trabalhada com madeira retorcida, onde se encostou e cruzou os braços antes de dar um longo suspiro e me olhar profundamente
Eu me levantei, sentindo o peso da armadura que não usava, mas que minha mente já começava a vestir.
— Vocês evitam o nome do meu pai como se fosse uma maldição! — Bravejei como um adolescente. As cortinas de seda quase transparente balançava com a brisa repentina que entrava pela janela. — Se a incursão para Karag-draan é real, preciso saber: Arslan ainda é o Rei de Emerus ou eu sou o herdeiro de um trono de cinzas?
Elrondir aproximou-se da janela, observando as árvores gigantes e as outras menores de folhas prateadas.
— Seu pai foi o arquiteto de uma paz frágil. — Disse o ancião com a voz tênue enquanto circulava a mesa da escrivaninha. — Mas arquitetos não sobrevivem a terremotos, Adrian. O que está surgindo das profundezas de Acheron e das sombras de Riverdeep não busca coroas. Busca o fim do ciclo.
O elfo virou-se para mim novamente depois de descansar olhando ao longe pela janela, e por um instante, eu vi o reflexo de milênios de guerras naquelas pupilas.
Elrondir tocou o meu peito , exatamente sobre o lugar onde o brasão dos Fierun deveria estar.
— Vocês, humanos, são breves como o orvalho. — Refletiu Elrondir com sabedoria. — Mas são os únicos que podem ancorar o destino quando a magia falha. Há uma antiga promessa escrita nas raízes de Galadhelis sobre o fim dos tempos.
Foi então que a voz do Ancião mudou, ganhando um timbre ancestral que parecia fazer as árvores ao redor estremecerem em reverência:
— O humano de coração puro deve carregar um nome que o descreva, e ostentar um brasão que o represente, e que sua prole carregue o peso desse nome…
Eu senti um arrepio gélido.
— Meu nome é Fierun. O brasão é o do Leão de Ouro. O que mais eu poderia carregar?
— Fierun significa “Aquele que Caminha no Fogo”. — Revelou Elrondir com uma solenidade cortante. — E o fogo já começou a queimar em Downfire e nas minas de Acheron. O Conselho não cita seu pai porque ele se tornou o primeiro sacrifício para que você tivesse tempo de acordar. Não sabemos o seu paradeiro, mas o Rei Arslan, é o segundo selo. Se formos para Karag-draan, não será para pedir ajuda aos anões, Adrian. Será para retomar os portões do mundo antes que o mau os escancare.
— Meu pai? — Perguntei atônito, sem saber ao certo o quê pensar da afirmação! Parecia o delírio de um elfo ancião. — Mas como seria possível?
— As bestas Rúnicas não são os selos. São catalisadores para os portadores dos selos. — Respondeu Elrondir com paciência. — No momento em que sei pai matou o dragão, ele se tornou o selo. E esse é o plano do elfo negro para os anões. Um embate entre todos os quatro selos.
— Quatro? Mas tínhamos um em Acheron e um sendo produzido em Emerus, com meu pai seriam três, e onde estará o quarto? Perguntei energicamente, quase desesperado.
Não acho que tenhamos tempo para discutir isso jovem Adrian.
Eu olhei novamente para a lua, que agora parecia estranhamente avermelhada nas bordas. O tempo de contos e teorias havia acabado.
— Então, oque você sugere? Um novo nome? — Perguntei com a voz fraca, algo misturado entre a tristeza e a confusão. — Se o meu nome é fogo, que eu queime o que for necessário para salvar o que restou.
Elrondir caminhou até ficar de frente para mim. Por algum descuido eu não havia percebido o quanto aquele elfo ficou alto enquanto conversávamos. A ponto de parecer maior que a própria casa onde estávamos. E mesmo assim, de alguma forma, ele ainda tinha o meu tamanho.
Sim, eu estava confuso com o poder ilusório do velho elfo. Nada parecia real enquanto de frente a ele.
— Você carregará o nome Pureheart! — Disse o mago como se recitando um poema. — E toda a sua linhagem será lembrada com a honra de ter se iniciado por Adrian Pureheart, O arauto da luz!
Por alguns minutos, que pareceram horas, senti meu corpo como se um milhão de formigas caminhassem em minhas entranhas.
Ao abrir os olhos tive a impressão de ver uma flama prateada circulando meu corpo. Mas não pude ter certeza se era real, pois logo minha mente mudou de direção.
O eco de passos firmes e o tilintar de metais nobres interromperam a solenidade do quarto. A porta dupla se abriu sem cerimônias, e por ela entraram os pilares da resistência élfica.
À frente, Aerendill Calanor III, o Senhor de Galadhelis, vestia uma armadura de escamas de platina que parecia fluir como água.
Ao seu lado, Arwenilor, o General das Bordas, trazia o arco longo pendurado nas costas e o olhar afiado de quem já sentia o cheiro da pólvora anã.
Seguindo-os, Caelthariel mantinha uma expressão serena, embora a luz em seus olhos indicasse que sua perspicácia já estava tecendo os primeiros movimentos de proteção.
— O tempo das sombras não espera pela nossa aceitação, Príncipe Adrian. — Declarou Aerendill, sua voz preenchendo o aposento com uma autoridade que até mesmo Elrondir respeitou com um aceno de cabeça. — Venha até a sacada. Veja o que a esperança convocou.
Eu o acompanhei até o parapeito de uma varanda projetada, e o fôlego me escapou ao olhar para baixo. A floresta de Galadhelis não era mais apenas um santuário de árvores; tornara-se uma forja de guerra.
As casas élficas eram quase sempre construídas próximas as copas das árvores. Tirando por poucas vilas terrenas, é sempre cercadas por flores e plantas de todos os tipos.
Tudo aqui inspirava beleza e contemplação. Exceto por hoje.
Nas clareiras iluminadas pelas árvores cintilantes, a visão era de tirar o fôlego:
O poderoso exército de Galadhelis, o exército lendário! O exército dos contos do Tio Allen!
A vanguarda era composta por centauros de pele acobreada e pinturas corporais de urucum e jenipapo que brilhavam sob o luar.
Seus torsos humanos eram musculosos, adornados com penas exóticas e colares de dentes de bestas antigas. Alguns deles seguravam uma espécie de turíbulo, que emanavam uma fumaça densa onde eles pareciam se concentrar para a batalha vindoura.
Eles não batiam cascos no chão; eles pareciam parte da terra, carregando lanças de madeira-ferro e arcos curtos.
Era o povo indígena de Eämaris, os guardiões ancestrais, prontos para a carga final.
Acima deles, nas copas mais baixas, as bestas aladas soltavam gritos estridentes. Os guerreiros, envoltos em couros leves e protegidos por escudos circulares, ajustavam as rédeas.
As penas dos grifos eram escuras como o céu noturno, ou brancas como as nuvens, tornando-os sombras letais que dominariam os céus de Karag-draan. Ou visões do paraíso que aumentariam a moral do exército.
Em formação perfeita, fileiras de soldados élficos vestindo mantos verdes e prateados mantinham o silêncio absoluto.
Os Sindrain pareciam ferozes, como bárbaros das florestas!
Suas espadas finas e escudos em forma de folha criavam um mar de metal que refletia a luz da lua vermelha em suas peles esverdeadas.
Em fileiras centrais estavam as tropas Queenir, portando arcos ornamentados em cedro e ouro. Alguns tinha aljavas e outros não.
Me lembrei de quando Marina Telles foi levada. Um desses arqueiros Queenir sem aljava disparava flechas de luz de seu arco. Provavelmente uma demonstração de superioridade pelo fato de Marina ser mestiça.
No centro de tudo, em um pequeno círculo de luz pura, estavam os poucos Eladrim sobreviventes.
Pequenos em estatura, quase etéreos, suas peles pareciam feitas de pó de estrelas.
Eram raros, o último resquício de uma era de luz, movendo-se com uma fragilidade enganosa. Onde eles pisavam, a grama crescia instantaneamente, e o ar ao redor deles vibrava com um poder que eu talvez nunca conseguiria compreender.
— Somos o que sobrou da primeira aurora. — Disse Caelthariel, parando ao meu lado. — Esperamos por eras até esse dia. E hoje, marchamos sob o seu novo nome.
Aerendill desembainhou uma espada curta e a apontou para as montanhas de Karag-draan, no horizonte distante.
— Os Koltars abrirão o caminho pela terra, os Grifos rasgarão o ar, e os Eladrim segurarão o que restar de nossa sanidade contra o Sopro da besta.
Eu olhei para aquela multidão de guerreiros, centauros indígenas, feras aladas e elfos ancestrais. O medo ainda estava lá, mas fora sufocado pelo peso da responsabilidade. Eu não era mais apenas Adrian. Eu era o primeiro Pureheart.
O silêncio da floresta foi finalmente quebrado. Um berrante de chifre de grifo ressoou, profundo e vibrante, dando início ao fim do Prelúdio da guerra.
PoV: Samira Mwangi.
O deserto não perdoa os fracos, e Arslan Fierun não era um homem feito de perdão.
Haviam se passado semanas desde que nossos caminhos se cruzaram sob o sangue de meus irmãos.
Caminhar ao lado dele era como seguir um lobo ferido que, mesmo em agonia, ainda é o predador mais perigoso da planície. Ele quase não falava. Passava as noites encarando as chamas da fogueira, a mão apertando o peito como se algo ali estivesse tentando rasgar sua pele para sair.
Eu o observava de soslaio enquanto afiava a ponta da minha lança com uma pedra vulcânica.
Cada movimento meu era cauteloso, o toque de qualquer brisa inesperada na minha pele ainda me fazia estremecer, um eco fantasmagórico de mãos que nunca deveriam ter me tocado.
Eu lutava pela liberdade, mas sentia que uma parte de mim ainda estava acorrentada naquele deserto sujo, um trauma que eu esconderia para sempre sob a máscara de guerreira.
— Você olha para o Norte como se esperasse um fantasma — eu disse, quebrando o silêncio.
Minha mente voou para Liah. Onde ela estaria agora? Estaria segura? O medo de que minha irmã sofresse o que eu sofri era o que me mantinha de pé, mas também o que me corroía.
Arslan não desviou o olhar das brasas. Sua barba estava suja de areia e o rosto marcado por cicatrizes recentes de batedores que tentaram nos interceptar.
— O fantasma já está aqui, Samira — ele respondeu, a voz rouca, quase um rosnado. — Há um cheiro de podridão no vento. Algo que não deveria ter acordado está caminhando pelas sombras do mundo. Eu sinto isso… aqui dentro.
Aqueles velhos sábios de Emerus… eles falavam sobre o equilíbrio, sobre o fardo de carregar o peso do mundo. Eu ria deles. Agora, a marca da besta alada queima como se o próprio sol tivesse sido engolido pelo meu coração.
É um fardo que não pedi, um preço pago em sangue por uma coroa que nem sei se ainda existe.
Ele bateu no esterno, onde o calor emanava através da armadura negra.
— É por isso que caça os Al-Hael? — perguntei. — Por vingança?
— Eles são as ferramentas de algo maior. — explicou Arslan usando o tom mais baixo e passivo que ele podia — Eles servem a uma vontade que ainda não tem nome, mas que deseja o fim de tudo o que construí. Porém, eu não os caço, eles sempre conseguem entrar em meu caminho.
O sol ardia na pele como seiva de macraroa, a luminosidade das areias queimava as vistas não acostumadas, porém, esse não era o caso aqui. Arslan parecia ter nascido aqui, era como se fosse um de nós. Eu apreciava aquele homem. O único que havia ganho minha confiança em muito tempo.
Ele se levantou bruscamente, os olhos fixos na linha da duna. Eu senti antes de ouvir. O tremor sutil na areia. O tilintar de metal contra metal.
— Eles chegaram — anunciou Arslan.
Do topo da duna, cinquenta cavaleiros de Al-Hael surgiram. O líder, montado em um garanhão negro, ergueu uma lança adornada com orelhas cortadas. A visão daquilo fez meu sangue ferver. Eu via neles cada carrasco, cada homem que usava o chicote para calar a alma de uma mulher.
Eram muito mais que cinquenta homens. Cavaleiros de elite, armados com cimitarras curvas e escudos de aço polido.
Rostos cobertos por seus turbantes exuberantes. Feitos por mãos negras como as minhas. Pessoas a coitadas, espancadas e estupradas para fazer as vontades de homens cruéis…
— Nascida do Barro! — o líder gritou, sua voz ecoando no vale de areia. — Me chamo Malic Al-faesir, tenho uma proposta para você! Entregue o forasteiro e sua morte será lenta!
Eu olhei imediatamente para meu companheiro de deserto. Não estava em meu planos morrer aqui hoje. Mas certamente, eu não fugiria. Procurei nos olhos de Arslan uma possível resposta.
Arslan não respondeu com palavras. Ele desembainhou sua espada longa e o som do aço saindo da bainha pareceu um grito de guerra solitário.
— Fique perto, Samira — ele sibilou. — E não feche os olhos.
— Ya rijal, iqta’u ru’usakum! Gritou o líder Al-Hael sacando sua cimitarra dourada, eu não compreendi muito bem por causa do calor do momento, mas era algo relacionado à arrancar nossas cabeças.
O ataque foi uma avalanche. Os primeiros dez cavaleiros desceram em galope furioso. Arslan avançou como um meteoro negro.
No momento do impacto, ele não apenas girou, ele se tornou um redemoinho de aço. A lâmina dele encontrou o peito do primeiro cavalo, partindo o animal ao meio.
O cavaleiro voou, e Arslan o empalou no ar antes mesmo que ele atingisse a areia.
Eu mergulhei por baixo de uma cimitarra. Senti o cheiro do suor do cavalo e o hálito podre do homem acima de mim. Com um grito de fúria
— Por Liah, por mim, por todas as que não puderam gritar! — Cravei minha lança no abdômen do atacante e a girei, sentindo a resistência das entranhas cedendo. O sangue quente jorrou no meu rosto. Eu não sentia nojo, sentia justiça.
Eu mergulhei na lateral, minha lança encontrando o flanco de um atacante. O sangue quente jorrou sobre minhas mãos enquanto eu girava a arma, usando a haste para quebrar o pescoço de outro guarda que tentava me cercar.
A luta inicial contra os primeiros cavaleiros foi fácil, incrivelmente Arslan derrubou oito dos dez com uma facilidade quase mágica.
Mas o massacre real estava no centro.
Arslan foi cercado por uma parede de cimitarras. Foi então que o mundo pareceu incendiar. Um rugido, que não vinha da garganta de Arslan, mas de suas próprias entranhas, reverberou pelo deserto.
— SAIA! — ele gritou.
O rugido dele não era humano.
Uma cúpula de luz vermelha e densa se expandiu como um trovão. Desintegrando escudos de aço como se fossem feitos de palha.
Vi homens serem arremessados, suas armaduras amassando-se instantaneamente contra seus pulmões. A areia sob seus pés tornou-se vidro fundido em segundos.
Os soldados sobreviventes tiravam suas armaduras amassadas contra seus próprios órgãos em desespero, enquanto outros tentavam atacar o rei de Emerus por todos os lados
A areia ao redor de Arslan foi arremessada para o alto, criando uma névoa de vidro fundido.
Ele se tornou um borrão de fúria cega. Arslan agarrou o braço de um cavaleiro que tentava golpeá-lo e, com um solavanco desumano, arrancou o membro inteiro do ombro do homem.
O grito do infeliz foi interrompido quando Arslan usou o próprio braço decepado para golpear a têmpora de um segundo soldado, esmagando o crânio dele em uma explosão de fragmentos ósseos e massa cinzenta.
Observei quando ele agarrou a cabeça de um soldado e a chocou contra o escudo de outro com tal força que ambos, o crânio e o escudo, explodiram em uma névoa rubra e prateada.
Ele não usava mais a técnica dos nobres. Ele lutava com os dentes, com os punhos, com o ódio cataclísmico. Ele atravessou o esterno de um guarda com a mão nua, arrancando o coração que ainda tentava bater e esmagando-o diante dos olhos dos sobreviventes.
— Pelos Deuses… — Murmurei, paralisada por um segundo ao vê-lo arremessar uma cabeça em um cavaleiro antes se tornar algo como um raio rubro que se movia sem as amarras da realidade.
Os soldados mal conseguiam reagir a velocidade quase divina que Arslan atingia.
O líder de Al-Hael tentou fugir, esporeando seu cavalo, mas Arslan foi mais rápido, muito mais rápido. Cobrindo cerca de cinquenta metros em uma fração de segundos.
Com o poder do fogo pulsando em suas pernas, ele saltou uma distância impossível.
No ar, ele parecia uma fênix de cinzas e sangue. Ele caiu sobre o líder como um meteoro.
O som do impacto foi visceral. O cavalo foi esmagado sob o peso da queda. Arslan se levantou dos destroços de carne e osso, segurando o líder pelo pescoço.
Com uma força que desafiava as leis da natureza, ele puxou. O som da carne se rasgando e dos ossos da face se desprendendo foi a música final daquela batalha.
Arslan jogou o cadáver de lado e olhou para os poucos sobreviventes que restavam. Eles jogaram as armas no chão, o terror superando qualquer treinamento.
— Rukdu. — Arslan sibilou, os olhos brilhando em um vermelho sobrenatural. — Wa a’limu qidataku’m anna al-nar la tazalu hayya.
Não levou muito tempo para que os soldados sobreviventes sumissem nas dunas de forma desesperada. Alguns carregando membros decepados, outros, carregando restos mortais de seus aliados.
Quando o silêncio voltou, apenas o vento e o cheiro de ozônio restaram. Arslan caiu de joelhos. A armadura negra estava em brasa, fumaça saindo das juntas do metal.
— Arslan… — Eu me aproximei. Meus próprios traumas pareciam pequenos diante do abismo que eu via nele..
Ele olhou para as mãos ensanguentadas, tremendo.
— Eu não sei quem eu sou, Samira. As lendas… elas diziam que o Algoz da besta se torna a própria. Eu sinto que minha humanidade está sendo devorada por esse fogo.
Eu larguei minha lança e o abracei. Senti o calor absurdo do metal contra meu peito, mas não recuei. Pensei em Liah e em como eu queria um mundo onde ela nunca tivesse que ver o que eu vi hoje.
— Você ainda está aqui, Arslan. Eu estou aqui.
Ele chorou, um som frágil vindo de um homem que acabara de desmembrar um exército. O Norte e o Sul agora estavam ligados por um único fio de sangue, e nossa jornada para Nabad seria o teste final para nossas almas quebradas.
PoV: Mircella Mendes
O silêncio da biblioteca da Mansão Mendes não era o de uma paz restaurada, mas o de um vácuo que precede o colapso.
O ambiente era suntuoso, porém sóbrio: estantes de madeira escura que subiam até o teto abobadado, carregadas com séculos de registros comerciais e mapas que definiam a economia de Downfire.
No centro, uma mesa de carvalho maciço estava coberta por diagramas de rotas fluviais e relatórios de inteligência.
A única luz vinha de três velas que ardiam baixas, projetando sombras que dançavam como espectros contra o mapa de Rio Vivo.
— Os Clearton pararam de enviar mercadorias para o Norte, Mircella! — A voz de Esteban rasgou a atmosfera pesada. Ele estava impaciente, as botas de couro batendo contra o assoalho encerado enquanto ele andava de um lado para o outro. — E os Oliveira estão estocando ferro em Serrafunda como se esperassem um cerco. Eles estão se preparando para a guerra e nós estamos aqui, sentados, analisando o preço da seda!
Eu não levantei os olhos do mapa. Meus dedos, calmos e precisos, traçavam a linha que ligava as minas de Emerus aos portos de Downfire. A percepção de Esteban era imediata e ruidosa, mas a minha era profunda e silenciosa.
— O dinheiro está ficando silencioso, Esteban — respondi, minha voz saindo como um fio de seda cortante. — E o dinheiro silencioso é o prelúdio do sangue. Quando os grandes param de negociar para estocar, é porque a confiança no amanhã morreu.
Lembrei-me do bardo que vira na praça dias atrás.
Chico Rei. Seus olhos não eram de um músico, mas de uma sentinela.
Eu o observara novamente hoje, cruzando a alameda sob a chuva fina, o alaúde envolto em couro como se protegesse um tesouro ou uma arma.
Ele caminhava com a urgência de quem sabe que a música está prestes a ser silenciada pelo clangor do aço. Ele era um aviso vivo de naufrágio.
— Recebi um relatório da Titulum em Crescente do Sol — continuei, finalmente erguendo o olhar para encontrar os olhos ansiosos de meu irmão. — Alguém em Emerus está drenando recursos. Não é uma sangria comum; é uma evacuação de capital para uma investida no Sul.
— Quem? Os Bragas? O Rei Arslan? — Esteban aproximou-se da mesa com os punhos cerrados. Sua inocência transparecia na forma como ele buscava culpados óbvios. Para ele, aumentar o prestígio da família Mendes significava dominar os rivais de forma honesta, mas implacável. — Se for Arslan, precisamos nos posicionar. Se a coroa de Emerus cair, os Mendes devem ser os primeiros a reivindicar as rotas do ferro!
— O ouro está sendo direcionado para Vila Cândida, Esteban. Há rumores de uma aliança entre os Ortega e uma linhagem nobre que caiu em desgraça. Eles estão jogando um jogo de sombras que você ainda não compreende.
Caminhei até a sacada. O ar úmido de Rio Vivo trazia o cheiro de lodo e salitre.
Lá embaixo, a cidade parecia uma besta adormecida, mas febril.
Para mim, Arslan Fierun era apenas um nome em decretos, um símbolo que estava perdendo o brilho. A autoridade distante dos Fierun estava falhando, e o vácuo que deixavam era perigoso.
— Sinto que o tabuleiro está sendo virado por mãos que não conhecemos — murmurei, observando as luzes distantes das docas. — Meus informantes dizem que a fronteira sul de Riverdeep está instável. Caravanas de Al-Hael foram massacradas. Não por bandidos comuns em busca de carga, mas por algo que deixou apenas um rastro de destruição inumana.
— Você acha que é uma revolta? Daqueles… Nascidos do Barro? — Esteban perguntou, com um tom de quem não entende por que eu me importava tanto com o destino dos escravos.
Virei-me bruscamente. O movimento fez a seda do meu vestido farfalhar.
— São humanos! — Retruquei, meu tom de voz subindo com uma autoridade que o fez recuar um passo. — A dor deles sangra tanto quanto a nossa, Esteban. E o caos não escolhe castas; ele se espalha como uma infecção. Se os Mendes querem manter o nome limpo e a influência intocada, não podemos ser como os Oliveira, que prosperam sobre cadáveres.
Aproximei-me dele, colocando a mão sobre seu ombro.
Ele queria orgulhar-me, queria expandir nosso domínio, mas ainda lhe faltava a perspicácia de que o poder real vem da estabilidade, não apenas do domínio.
— Triplique a vigilância no orfanato Santa Hilária. Amanhã, quero que você verifique nossos armazéns de grãos. Não vamos vender um grão sequer para o Norte. Se as rotas forem cortadas por essa aliança entre os Ortega e os nobres exilados, o preço do pão vai subir antes que a primeira espada seja desembainhada. Quero que tenhamos o que dar aos necessitados quando a fome bater.
Esteban suspirou, um conflito interno transparecendo em seu rosto jovem.
Ele via o lucro que perderíamos, mas via também a firmeza em meus olhos.
Ele sempre tentava seguir meus passos, mesmo quando seus instintos clamavam por uma resposta mais agressiva.
— Você está pedindo para perdermos dinheiro para salvar gente que nem sabe nosso nome, Mircella — Ele murmurou, mas assentiu. — Farei como você diz.
— O primeiro erro sempre vem dos impacientes, meu irmão. E eu sinto que muitos estão prestes a cometê-lo ao mesmo tempo.
Apaguei a última vela com os dedos, sentindo o calor residual na pele. A escuridão da biblioteca foi quebrada apenas pela luz da lua, que pairava sobre Rio Vivo com uma palidez melancólica, como se lamentasse o que estava por vir.
O tempo das histórias que eu contava para as crianças sobre dragões e vinhedos havia acabado. Agora, o aço e a astúcia seriam os únicos idiomas compreendidos.
— Que os Deuses protejam os inocentes — sussurrei para a penumbra da mansão. — Porque Rio Vivo está prestes a se tornar o centro de uma tempestade que não respeita coroas.

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