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    Caos.

    O que vinha antes dele?

    A preparação.

    E lá estavam. Os três ex-membros do antigo conselho, apenas sombras do que já haviam sido, e os dois jovens que, por escolha ou destino, haviam sido arrastados para aquele momento. Yami fora o primeiro a acordar naquela manhã estranhamente fria, embora mal soubesse o porquê de estar ali. Seus olhos ainda carregavam o peso da dúvida quando chegou. Já a ruiva, impaciente, sentava-se em uma pedra gasta, tamborilando os dedos na perna.

    — Que tédio… — murmurou, encarando o nada.

    — O que estamos esperando? — perguntou, franzindo o cenho.

    Ele soltou um suspiro longo, cansado, e ergueu o rosto para os céus cobertos de nuvens cinzentas. Aquela monotonia já não o impressionava mais. O firmamento era o mesmo há passagens, ciclos. Sempre nublado. Sempre opressor.

    — Inimigos… possíveis… tudo especulação… — disse com poucas palavras, como de costume.

    A neblina se arrastava pelo campo aberto, densa como poeira de ossos. E ali, sob o véu espesso, jazia o que um dia fora um dos maiores bairros do Primeiro Distrito. Agora? Ruínas. No horizonte enevoado, a silhueta do antigo Domus Dei ainda se impunha solene. Era o único pilar intacto em meio à devastação. Uma construção ancestral, com mais de duzentos ciclos — e, mesmo diante de tanto colapso, ela permanecia firme. Prédios inteiros haviam sido engolidos pelas trevas, mas aquele lugar… não.

    — Acho que todos nós vamos morrer, e ele vai continuar aqui… não é? — disse ela com um sorriso forçado, tentando provocar alguma reação.

    — É… aquele inferno… — respondeu após uma pausa. — Me arrependo de ter dito que nunca mais pisaria lá.

    — Se arrepende? — Ergueu uma sobrancelha, surpresa. — Você? Admitindo arrependimento? Isso é novo. Está mudando, azedinho… que irônico.

    — Não fode… 

    Mas ela sorriu, quase nostálgica.

    — Até me lembra de quando nos conhecemos…

    — Nem parece que foi só alguns dias atrás… — murmurou, perdido em seus pensamentos.

    De repente, um baque leve quebrou o momento. Shirasaki dera um pequeno soco no peito de Mahmoud, uma provocação amistosa.

    — Deixa de ser ansioso… — disse, com um sorriso leve, voltando-se para Matteo, que terminava de devorar uma barra de chocolate, alheio a qualquer tensão. — Até o senhor drama está despreocupado…

    — Hm… vocês não deveriam contar com o ovo no cu da galinha… — retrucou, virando-se com seriedade para a vastidão em ruínas à frente. Sua voz não carregava humor, apenas certeza. — Eles estão vindo.

    — Nossos inimigos? — perguntou Matteo, já se levantando, como se algo o tivesse despertado de repente.

    — Não… Zuri. E os demais! — respondeu com a voz firme, quase seca. Deu dois passos adiante, os olhos cravados no horizonte coberto pela névoa. — Já volto…

    E foi. Sem explicações, sem despedidas, sem sequer lançar um último olhar para trás. Havia algo diferente nele naquele instante. Sério demais. Calado demais. Matteo, mesmo que não fosse o mestre da despreocupação disfarçada como o de um pai de família.Mas a tensão em seu semblante era suficiente para calar até os mais falastrões. Aquilo não era encenação; era um prenúncio. O perigo, antes especulado, agora tomava forma, inevitável, próximo.

    — Está tão tenso… — murmurou o chocólatra, observando-o se afastar. — Será que sua mente vacilou para o fatalismo?

    — Não sei… — respondeu, cruzando os braços. — Até você está despreocupado. Isso sim é estranho. Ou talvez… ele só esteja tentando parecer sério na frente da ídola…

    Riu em seguida, um sorriso travesso se abrindo em seu rosto. Logo depois, deu um leve tapa no ombro do amigo, como se o trouxesse de volta à realidade com um gesto fraterno.

    — Que velho sem vergonha eu sou… aí, aí… enchendo o saco de vocês. Será que depois de mais uma mega guerra vai sobrar um pedacinho de vocês para eu poder zoar?

    — Idiota… — escapou dos lábios, quase rindo, sem conseguir conter a leveza que o comentário provocara, mesmo naquela tensão.

    — Olha lá…

    Mesmo à distância, era impossível não notar. Mahmoud — a conhecida “geleira emocional”, sempre frio, sempre contido — agora se movia como um admirador encantado diante da celeste. Aproximava-se com passos lentos, quase tímidos, como se estivesse entrando em um território sagrado. Havia algo de infantil e puro naquele gesto, algo que raramente se via nele.

    E, no fundo, todos sabiam. O shamouriano nunca esteve realmente em paz. Fingira, como todos eles. Talvez melhor do que todos.

    Mas aquilo… aquilo era diferente.

    Era afeto.

    Algo que os exorcistas desaprenderam cedo demais: se importar com este mundo físico, com o que deixariam para trás, com quem seriam ou com o que ficaria de si. Aos poucos, tudo era arrancado — nome, rosto, sonhos. Tornavam-se vultos do dever, ferramentas de uma causa que, muitas vezes, nem compreendiam mais.

    Alguns ainda se prendiam à honra, como se ela fosse escudo suficiente contra o vazio. Outros? Afundavam-se no prazer cruel do combate, na dança do sangue, onde cada golpe era um instante de significado — ainda que fugaz. O embate se tornava refúgio, quase um vício, porque ali, ao menos, sentiam algo.

    — Parece um bobo apaixonado… — comentou Shirasaki, com um sorriso quase triste. — É raro ver um exorcista encantado, não?

    — Exorcistas não amam… — respondeu, apoiando o pé numa pedra, encarando a névoa à frente. — Somos fantoches… mesmo tão jovens… só espectros de um dever. Amar… é a maior das dádivas que podemos alcançar, mas alguns… morrem antes de sequer sentir o gosto.

    — Tá falando sério também… — entre risos contidos e uma careta desconcertada. — Que saco! Mas… — ergueu o rosto para o céu — …concordo.

    Por um breve instante, nenhum deles falou mais nada. Olhavam uns para os outros, como se buscassem dentro de si o que sempre esconderam: um traço de humanidade, um resquício de calor.

    Todos se procuravam, lá no fundo.

    No fim das contas, só fingiam melhor do que os demais.

    E amar, como Beel dissera a Megumi certa vez, era a linha tênue que tornava o dever justo.

    Não há como lutar verdadeiramente por aquilo que não se ama. Do contrário, a guerra se torna apenas ruído, dor sem causa, um espetáculo vazio.

    Amar era o que conferia valor à luta.

    Sem amor, não vale a pena.

    Sem amor, não há justiça, só imposição.

    Assim como Elum, que em seu vasto imaginário onipotente ousou criar o pecado. Não por rebeldia, mas para que o amor por ele fosse verdadeiro; para que não nascesse da obrigação ou do medo; para que quem o amasse o fizesse conscientemente. Afinal, era quem era porque permitiu.

    Permitiu ser lembrado e também esquecido.

    Permitiu que o amassem e que o rejeitassem.

    Sem hipocrisia, sem exigir santidade.

    Ele compreendia: o valor de existir não está em ser adorado, mas em ser escolhido, mesmo com todas as imperfeições ditas por aqueles abaixo de seus pés.

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