Capítulo 19 - Reencontro pt 2.
Uma figura familiar caminhou para perto de Daichi, que estava sentado em uma cadeira de madeira à minha frente. O homem apoiou as costas em uma máquina velha atrás de si, cruzou os braços e ficou calado, apenas me encarando.
Seu olhar era afiado e ameaçador, diferente do olhar cínico e assustador de Daichi, o olhar daquele homem indicava nitidamente suas intenções sem nenhum disfarce. Ele emanava hostilidade, mas também controle por não ter me atacado ainda.
O olhar do homem se assemelhava com uma fera observando sua presa. Suas pupilas se moviam sutilmente, e ele buscava qualquer brecha ou erro meu para atacar.
Aquele era Kiryū, o poderoso guarda-costas de Daichi Watanabe.
Meus instintos não gritavam mais para lutar, apenas para fugir diante daqueles monstros na minha frente.
— Bom, espero que sim. — disse Daichi.
Criei coragem, puxei o ar para o pulmão e fechei os olhos por alguns segundos. Ao abrir os olhos, soltei o ar em uma curta frase.
— Eu tenho o dinheiro, porém não consegui ele inteiro.
Pude perceber que os olhos do homem que estava atrás de Daichi se apertaram levemente, e ele fixou sua visão e mim.
— Esse é Kiryū. Lembra dele? — disse o velho.
— Sim, eu lembro. — respondi.
Pude ouvir um sussurro ecoar em minha cabeça, era Satoshi falando comigo com uma voz mais calma.
— Tente convencê-lo, Kenji. Não falta muito dinheiro. Faça uma proposta… Salve sua mãe.
— Vou tentar fazer uma inversão. — respondi mentalmente.
Daichi puxou um cigarro de seu bolso e então um isqueiro. O velho Watanabe logo acendeu o cigarro e guardou o isqueiro no bolso.
Ele deu um trago longo, e então soprou a fumaça para o lado. Ao voltar seu olhar para mim, Daichi pareceu mais sombrio.
— Sabia que ele é meu ajudante mais pró-ativo? — disse Daichi.
— Sei, mas eu tenho uma proposta, Daichi. — respondi.
Watanabe ergueu as sobrancelhas por um breve momento, mostrando um pouco de surpresa. O velho apertou levemente os olhos e me encarou mais profundamente, mostrando curiosidade.
— Interessante, Kenji. Adoraria ouvi-lo. — disse Daichi, com um leve tom de deboche.
Daichi era uma cobra traiçoeira, apenas esperava um erro para dar o bote e me prender ainda mais na sua armadilha de ameaças, chantagens e dinheiro.
Eu não ia ser pego. De novo não.
— Kenji, tome cuidado na conversa. Vou analisar como um indivíduo que não está presente e te ajudar a não se afundar mais nessa área movediça… — disse Satoshi.
Apenas suspirei novamente, juntei coragem e repassei a proposta em minha mente por um breve momento, então disse.
— Quero inverter os valores da dívida. Eu tenho aqui um pouco mais de dois terços do que devia. Então pelas minhas contas, mais da metade desse dinheiro iria pagar quase toda a dívida, mas não a cura para minha mãe.
Kiryū me encarou e levantou as sobrancelhas por um breve momento, intrigado.
— Invertendo esses valores, eu conseguiria pagar toda a cura de minha mãe, e faltaria lhe pagar metade da dívida apenas. — disse.
Daichi me encarou por alguns segundos, imóvel. Então virou seu rosto e colocou a mão no queixo.
— Hmm, é interessante, porém isso tiraria parte da minha garantia, entende Kenji? — disse o velho.
Me irritei assim que ouvi. Cerrei os punhos e mordi fortemente.
Ele estava chamando minha mãe de “garantia”… Tratando ela dessa forma, como se fosse apenas uma moeda de troca. Maldito!
— Kenji! Se acalme, isso não vai resolver nada. Você não vai proteger sua mãe se morrer aqui. Mantenha a calma. — disse Satoshi.
Respirei fundo, fechei os olhos e tentei me acalmar. Repassei novamente a proposta em minha mente e então disse.
— Eu consigo o restante do dinheiro em no máximo uma semana, e depois do pagamento vou trazer minha mãe para a cidade. Ela vai morar comigo. — disse.
— E que tal… — Daichi disse, porém antes de terminar, o interrompi.
— Não. Só aceito isso. — falei, cortando a fala de Daichi.
O velho ficou calado por alguns segundos enquanto olhava para o chão, surpreso.
— Cuide dela até eu conseguir restante do dinheiro, e além disso, eu mesmo entregarei o remédio para minha mãe, conforme o pagamento. — prossegui.
— E se eu não aceitar? Ainda tenho minha garantia. — respondeu Daichi.
Encarei no fundo dos seus olhos e segurei a raiva, então apenas falei.
— Não chame minha mãe de garantia…
— Ora, desculpe, são questões de negócio haha. — disse Daichi, com um sorriso cínico em seu rosto.
— Tente lembrá-lo de todo seu trabalho e lealdade. Faça com que ele se sinta ao menos um pouco mal ao prejudicar ainda mais alguém que foi tão leal a ele, e crie o risco dele perder um dos melhores contratados. Seja ousado. — disse Satoshi mentalmente.
Concordei em minha mente, para que Satoshi notasse que gostei da sugestão.
— Ótimo. — respondi em minha mente.
Respirei fundo e então prossegui.
— E você deve aceitar, devido a todo meu trabalho e lealdade a você, e que fui um dos poucos que conseguiu tanto dinheiro dentro dos seus prazos curtos e armadilhas que você faz para nos atrasar. Posso arriscar dizer que sou um dos seus melhores trabalhadores. — disse, confiante.
— Proposta interessante, argumentos decentes… A cidade te ajudou a amadurecer um pouco né? — disse Watanabe.
Daichi se levantou da cadeira, a pegou e a deixou em um canto do galpão. Andou de um lado para o outro por um tempo enquanto olhava para baixo e fumava seu cigarro.
— Entregue o dinheiro. Eu te entrego o remédio e te levo até sua mãe, no vilarejo, para entregar a ela.
— Preciso apenas resolver isso com o trabalho antes, então podemos ir. — respondi.
Peguei a bolsa média de couro preta que estava pendurada em meu ombro pela alça, e a larguei no chão. O impacto fez levantar um pouco de poeira, e tossi levemente.
— Tudo aí. — falei enquanto empurrei a bolsa com os pés.
Kiryū soltou os braços que estavam cruzados e então caminhou até a bolsa. Ele se abaixou, abriu a bolsa e pegou o dinheiro. Observou calmamente e até mesmo cheirou, e então guardou novamente. Fechou a bolsa, a pegou, se levantou e foi para um canto do galpão.
Aquelas feras gananciosas estavam tomando tudo de mim, mas uma coisa eles não iriam levar. A minha mãe, minha família… Ela não.
Daichi então deu um leve sorriso cínico e me encarou por alguns instantes, antes de jogar o cigarro no chão e pisar nele, o apagando.
— Você é um bom garoto, Kenji. É um bom garoto. — disse, olhando para o chão.
Ele caminhou até minha direção lentamente, e ao chegar na minha frente, parou. Watanabe fixou seus olhos aos meus e permaneceu assim por alguns segundos, ao mesmo tempo que sua feição demonstrava deboche, sua presença emanava hostilidade.
— Obrigado pelo seu ótimo trabalho, Yoshida. — disse Daichi.
Kiryū se aproximou, passou ao lado de Daichi e foi até a grande porta de metal enferrujado do galpão, e permaneceu ali esperando seu chefe.
— Até amanhã, garoto.
Daichi saiu, passou por mim e foi até Kiryū, no portão. Ouvi alguns sussurros breves e rapidamente eles saíram do local. Me deixaram finalmente sozinho.
Meus instintos não mais gritavam para mim fugir, nem mesmo lutar. Não me sinto mais tão ameaçado assim.
— Está tudo bem, Ken? — diz Satoshi mentalmente.
— Estou sim, fica tranquilo. — respondo em minha mente.
— Você foi bem, muito bem. — diz Satoshi.
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