Capítulo 14: Verme dos aspectos
As janelas laranja e roxa pareciam surpresas e responderam ao mesmo tempo:
『Eu não sabia disso! Você é bem inteligente!』
Takeshi notou a empolgação das janelas e perguntou:
— Como assim? Por que vocês acham ela inteligente?
A janela roxa foi a primeira a responder:
『Saber informações sobre tarefas futuras exige um preço alto. Por isso ela é inteligente. Além disso, muitas vezes pegamos tarefas sem saber muito sobre elas ou sem entender bem suas regras.』
Na visão de Takeshi, as regras das tarefas não pareciam tão injustas. Afinal, em um mundo como aquele, mortes pareciam inevitáveis em qualquer desafio.
Ele acenou com a cabeça, demonstrando que havia entendido. Depois, voltou seu olhar para o mascarado, a expressão séria:
— Certo, agora me fale sobre o deus que você mencionou antes.
O mascarado hesitou, o rosto contorcido de tensão. Claramente, ele não queria falar sobre aquele assunto, mas sabia que não tinha escolha.
Se ficasse calado, provavelmente seria o fim para ele. Depois de alguns segundos de silêncio sufocante, ele finalmente respondeu:
— Ele é o Deus do Sacrifício, conhecido como o Salvador do Olhar do Oceano.
A resposta pegou Takeshi de surpresa. Seu olhar se estreitou enquanto assimilava as palavras.
“Deus do Sacrifício, mas conhecido como Salvador… Isso parece contraditório.” Ele pensou, intrigado. Algo naquele título parecia errado, como se houvesse uma ironia cruel escondida ali.
Antes que pudesse aprofundar mais a reflexão, seu olhar recaiu sobre os olhos mortos no chão. As águas avermelhadas passavam sobre eles, tingindo ainda mais o cenário de um vermelho inquietante.
— E esses olhos… são o quê? Um poder secundário seu? — Takeshi perguntou, tentando entender mais sobre aquele inimigo.
O mascarado lançou um olhar para os olhos mutilados no chão, o vermelho da água se misturando ao sangue derramado.
— Ah… são sim. Mas eu realmente não esperava que você e seu amigo conseguiriam derrotá-los — ele admitiu, a voz carregada de frustração. Após uma breve pausa, arriscou uma pergunta:
— Eu também queria saber algo. Durante a luta… como você fez aquelas coisas? — ele se referia aos desvios precisos, ao momento em que Takeshi o enforcou com a corrente e à maneira como parecia ler cada movimento seu.
Takeshi deu um leve suspiro antes de responder, com um olhar analítico:
— No início da luta, eu realmente não sabia o que fazer. Mas você sempre usava as correntes, uma após a outra, como se não houvesse limite. Percebi que era uma habilidade sua, algo próprio — ele ergueu sua espada levemente. — Mesmo que eu estivesse lidando bem com a espada, percebi que só ficar na ofensiva não me levaria a lugar nenhum, já que você se protegia o tempo todo.
O mascarado engoliu em seco, o olhar denunciando sua surpresa. Mark, observando a conversa, ficou impressionado com a clareza de Takeshi. As janelas apenas observavam em silêncio, como se aguardassem o desfecho daquele confronto.
Foi então que Takeshi, com uma voz firme e séria, lançou uma pergunta inesperada:
— Além disso, vocês já mataram várias pessoas antes, certo? Então me diz… por que na luta você estava tão fraco?
A pergunta pairou no ar como um golpe final. O mascarado ficou sem palavras, seus olhos tremendo com o impacto da dúvida exposta.
Mark arregalou os olhos, tentando processar a percepção de Takeshi. Até mesmo as janelas, que pareciam sempre impassíveis, pareceram atentas.
O silêncio se prolongou, pesado e denso. O mascarado finalmente percebeu que não estava apenas diante de um oponente forte, mas alguém capaz de enxergar além da superfície.
O mascarado soltou um longo suspiro antes de responder:
— Bem… fisicamente, eu sou bem fraco. Minhas magias são muito mais poderosas, mas parece que, mesmo assim, você conseguiu me vencer — ele deu um sorriso sem graça, quase resignado.
Mark e Takeshi se entreolharam, incrédulos. Era como se toda a tensão da luta anterior tivesse sido inútil diante daquela revelação inesperada. Ambos ficaram com a boca entreaberta, tentando assimilar.
Takeshi gaguejou, quase sem acreditar:
— Espera… espera aí. Você não tá brincando, né? — seu olhar perdeu a firmeza, e sua postura desanimou visivelmente.
O mascarado balançou a cabeça, sem qualquer intenção de brincar:
— Não, não estou mentindo. É a verdade.
O silêncio que seguiu foi pesado, quase cômico.
Mark soltou um leve riso nervoso, enquanto Takeshi tentava entender como alguém com habilidades mágicas tão perigosas podia ser fisicamente tão frágil. A realidade daquele mundo parecia ficar cada vez mais estranha e imprevisível.
Takeshi piscou algumas vezes, tentando processar tudo aquilo, antes de perguntar:
— Mas é só você que é mais fraco ou os outros mascarados também são assim?
O mascarado se mexeu um pouco, desconfortável, mas respondeu:
— Não… os outros são bem mais fortes do que eu.
Mark deu um sorriso irônico e comentou:
— Ah, então é por isso que você ainda conseguiu matar tantas pessoas. Mas tem algo que eu não entendo: por que você está aqui sozinho, sem os outros?
A pergunta pegou Takeshi de surpresa. Ele olhou para Mark, admirado pela perspicácia. O mascarado, por outro lado, pareceu irritado, mas acabou respondendo:
— Nos dividimos para encontrar as pessoas. Recebemos uma tarefa, e precisávamos terminar a todo custo.
Takeshi aproveitou a deixa e foi direto ao ponto:
— E qual era exatamente o objetivo dessa tarefa? E a punição, caso falhassem?
O mascarado ficou em silêncio por alguns segundos. O vento parecia pesar ao redor deles, e a água tingida de vermelho refletia a tensão no ar. Finalmente, ele respirou fundo e começou a falar:
— A tarefa era matar uma quantidade considerável de pessoas, cerca de dez. Se falhássemos… perderíamos uma parte importante do nosso corpo.
Takeshi e Mark trocaram olhares. Para eles, cuja punição envolvia a própria morte, aquilo parecia menos extremo.
De repente, Layos, que estava nas costas de Mark, começou a respirar pesadamente e a se mexer. Mark ficou nervoso, sem saber se deveria soltá-lo ou continuar segurando. Lentamente, Layos abriu os olhos, piscando com dificuldade, antes de falar com uma voz sonolenta e arrastada:
— …Ah? Vocês estão bem? — ele olhou ao redor, confuso. — E quem é esse aí?
Takeshi sorriu de alívio ao ver Layos acordado.
— Ele é só um cara complicado — respondeu, descontraído. — Você se esforçou muito, Layos. Acho melhor comer alguma coisa agora. Mark, mostra pra ele como usar a janela pra isso.
Mark assentiu e começou a explicar para Layos como acessar a janela e pedir comida.
Enquanto os dois conversavam, Takeshi sentiu um cheiro doce e forte, algo que parecia irresistível.
Ele olhou na direção do olho cortado, o mesmo que ele havia destruído com a espada. O órgão agora soltava partículas vermelhas intensas, misturadas a um verde escuro que se espalhava no ar.
O aroma era tão tentador que ele sentiu a boca salivar sem perceber. Confuso, perguntou:
— Ei, vocês estão sentindo esse cheiro doce? E vendo essas cores saindo do corpo do monstro?
Mark, Layos e o mascarado trocaram olhares perplexos antes de negar com a cabeça.
— Não… não estou vendo nada. — respondeu Mark, intrigado.
A expressão de Takeshi ficou séria enquanto observava aquelas partículas dançantes no ar, perguntando-se se aquilo era apenas coisa da sua cabeça ou algo muito mais profundo.
Takeshi fincou a espada no chão e disse:
— Eu vou ali rapidinho. Fiquem de olho nele.
Layos, ainda comendo sua salada de legumes — algo um tanto curioso considerando o caos recente — apenas assentiu, enquanto tomava um gole de água. Mark também concordou com um gesto de cabeça, assim como o mascarado, que se mantinha quieto e apreensivo.
Aproximando-se do olho morto, Takeshi notou que as partículas coloridas e o cheiro doce pareciam ficar mais intensos. A água ao redor refletia as cores vibrantes, criando um contraste hipnotizante.
De repente, uma voz suave e familiar sussurrou em sua mente.
— Pegue-o com as suas mãos.
Takeshi congelou. Aquela voz… era a voz de sua mãe. O coração disparou por um instante, enquanto seus olhos se fixavam no olho mutilado à sua frente. Por um momento, ele questionou se aquilo era real ou apenas uma ilusão provocada pelo cansaço.
Seu olhar vacilou entre o olho e suas próprias mãos, indeciso. Mesmo assim, algo naquela voz o atraía, uma sensação inquietante e reconfortante ao mesmo tempo.
Takeshi ficou parado, a mão tremendo, a mente em conflito. A dúvida corroía-o, mas, à medida que o cheiro doce ficava mais forte, ele sentia uma crescente compulsão. Era como se algo dentro dele estivesse sendo ativado, um impulso incontrolável que o forçava a agir.
Depois de um momento de tensão, ele finalmente cedeu. Pegou o corpo do monstro, afastando-se rapidamente de onde os outros estavam, buscando um local isolado onde ninguém pudesse vê-lo.
A cada passo, o aroma doce ficava mais intenso, mais insuportável. Seus sentidos estavam dominados. Ele sentia sua saliva escorrer, a fome consumindo-o por dentro. A calafrio que percorria seu corpo só aumentava, e a vontade de comer se tornava uma necessidade primordial. Seus músculos contraíam-se involuntariamente.
De repente, a voz suave e melancólica retornou, como um sussurro carregado de urgência:
— Vai, você só tem que comer. Você vai conseguir.
Era como se a voz fosse uma ordem, algo que ele não pudesse resistir. Ele se sentiu perdido, incapaz de voltar atrás. A linha entre a realidade e o desejo desapareceu. O que restava era um vazio que ele só poderia preencher com aquilo que estava diante dele.
Com as mãos trêmulas, Takeshi aproximou o corpo do monstro até sua boca, sem pensar, sem hesitar. E então, com um som seco e horrível, ele começou a devorar.
Crank!
A carne foi cortada pelos dentes, o gosto metálico e estranho invadiu sua boca. Ele não sentia mais o peso da decisão, a consciência se dissipando enquanto ele devorava sem piedade, até chegar aos ossos, consumindo tudo.
O corpo inteiro foi engolido, e Takeshi estava além de qualquer raciocínio racional. O que restava agora era uma sombra de si mesmo, entregue a algo que ele mal conseguia compreender.
Depois de devorar o corpo do monstro, Takeshi sentiu uma sensação estranha tomar conta de seu corpo. Sua visão começou a distorcer, como se o mundo à sua volta estivesse se contorcendo e se desfazendo.
A dor em sua barriga aumentava a cada respiração, um peso insuportável que parecia invadir seu corpo de dentro para fora.
Ele se sentia tonto, como se a realidade estivesse se desfazendo. A cada batida do seu coração, uma onda de náusea o engolia mais profundamente.
Foi então que a voz da mulher retornou, sua presença envolvente e constante em sua mente:
— Parabéns para o seu primeiro lanche. Agora, qual Verme vai escolher? Tem o Mental, Corporal, Espiritual, Nominal, Energia.
As palavras pareciam distorcidas, ecoando em sua cabeça de uma maneira que ele mal conseguia entender. As paredes ao seu redor pareciam se fechar, a atmosfera ficando mais densa.
Ele sentia o gosto amargo se espalhando em sua boca, e, sem saber o que fazer, as palavras escaparam de sua boca:
— Eh… eh… o Espiritual.
Ele mal conseguia se manter de pé, suas pernas trêmulas e seu corpo em colapso, mas foi como se algo dentro dele o empurrasse a tomar a decisão. No momento em que escolheu, uma energia intensa e desconcertante explodiu em sua barriga, algo tão forte que fez seu estômago revirar de dor.
— Eugh! Eugh!
Ele não pôde mais segurar. Um jato de vômito o forçou a se curvar para frente, despejando-se na água ao seu redor. A água, antes limpa, agora começou a se colorir, transformando-se em uma mistura viscosa e brilhante.
Partículas pequenas, como fragmentos de vidro, flutuavam na superfície, refletindo uma luz sinistra, enquanto Takeshi caía de joelhos, a sensação de desorientação e pânico tomando conta dele.
Enquanto vomitava, a voz retornou, sua presença inescapável na mente de Takeshi, como se estivesse invadindo cada pensamento.
— Você conseguiu usar o verme dos aspectos. Fiquei impressionada com isso. Como você escolheu o Espiritual? Você conseguiu a habilidade: Lágrimas Vermelhas.
Takeshi estava tão fraco, com a visão turva e as forças drenadas, que tentava desesperadamente se apoiar em algo, qualquer coisa. O vômito parecia não ter fim, drenando toda a sua energia.
Sua respiração era pesada e entrecortada, e ele mal conseguia manter os olhos abertos.
A voz voltou, suave, mas autoritária:
— Não se preocupem, agora que você comeu, finalmente eu vou poder conservar você aqui mais tempo. E não se preocupe, vou explicar tudo sobre os outros vermes.
Nesse momento, uma imagem passou rapidamente pela sua mente, uma memória fragmentada e dolorosa que ele não conseguia compreender totalmente. Mas algo sobre ela o deixou inquieto, e a dor em sua barriga piorou. Era como se algo dentro dele estivesse se retorcendo.
De repente, as memórias começaram a se formar com mais clareza, e uma cena chocante o invadiu. Ele viu uma silhueta vermelha, uma figura que parecia um monstro, que o estava observando enquanto ele sentia uma dor lancinante.
— Por favor, não me mate, tenha piedade!
As palavras ecoaram em sua mente enquanto a imagem da figura vermelha parecia tomá-lo. No instante seguinte, uma dor aguda percorreu sua barriga, como se algo estivesse rasgando por dentro.
Ele gritou em silêncio, sua consciência quase apagando. Quando a dor se acalmou, a percepção se ajustou, e ele entendeu: aquelas memórias não eram suas. Eram do monstro que ele havia matado, as memórias do olho que ele devorou.
Takeshi olhou para sua barriga, mas não encontrou marcas físicas, apenas a sensação persistente de dor. Sua pele estava intacta, mas o incômodo dentro dele não desaparecia. Com o tempo, a dor começou a diminuir, mas o peso psicológico da experiência continuava a pressioná-lo.
A voz, quase como uma presença constante em sua mente, retornou.
— A habilidade: Verme dos aspectos foi um sucesso.
Takeshi ainda não conseguia acreditar. O que ele havia feito, o que ele havia se tornado, e o preço que pagara, eram coisas que ele não queria enfrentar de novo. Ele não queria mais sentir aquela dor, não queria mais reviver aquilo
Aquelas sensações de agonia eram piores do que os ataques de Akira, mais profundas, mais pessoais.
Seus olhos foram atraídos para a água onde havia vomitado. Os fragmentos coloridos ainda flutuavam, como pequenas partículas suspensas, refletindo a luz de maneira estranha.
Ele se concentrou neles, observando o padrão curioso que se formava. Cada uma dessas partículas tinha uma imagem, como se fossem visões ou memórias encapsuladas.
A primeira que ele viu era uma asa, grande e imponente, um símbolo de liberdade ou talvez de fuga.
A segunda tinha fogo azul, algo frio e intenso, contrastando com a chama tradicional. A terceira, uma escuridão densa e impenetrável, como um abismo sem fim.
A quarta mostrava um caminho sem fim, uma estrada que se estendia até o horizonte, sem saída. O último fragmento mostrava um corredor, um corredor que ele reconheceu imediatamente, um corredor de prisão, o mesmo que Layos, Mark e ele haviam percorrido.
Exausto e sobrecarregado pelo que acabara de viver, Takeshi não conseguiu mais se manter de pé.
A dor ainda pulsava em sua barriga, e sua visão estava turva, como se o mundo estivesse desmoronando ao seu redor.
Ele sentiu suas forças se esvaírem, a energia fugindo de seu corpo enquanto o cansaço tomava conta. Em um último esforço, ele tentou se manter de pé, mas a sensação de vertigem foi forte demais.
Ele não conseguiu mais se segurar e, com um último suspiro, desmaiou ali mesmo, imerso na água escura que refletia suas piores memórias e novos horrores.
Tudo ao seu redor parecia distante e irreconhecível, até que o silêncio tomou conta.
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