Capítulo 57: Guerra sem palavras (2)
Takeshi sentiu os lábios tremerem.
— B-bem… você está dizendo que muitos viraram… aquelas coisas?
O silêncio pesou por um instante. O vento soprou suave, fazendo os cabelos de Marlon balançarem, enquanto seus olhos se fechavam lentamente.
— Sim — respondeu ele, com a voz firme, mas carregada de um peso invisível.
…
Algum tempo depois, Marlon repousou um copo sobre a mesa de madeira. Passou os dedos distraidamente pela superfície áspera, como se buscasse respostas no relevo marcado pelo tempo.
— Já terminou de se trocar? — perguntou sem olhar para trás.
Takeshi surgiu logo atrás, ajeitando um pano longo que cobria seu corpo.
— Aham. Foi meio complicado de colocar no começo… — fez uma pausa, observando o ambiente ao redor. — Aqui é a sua casa?
Marlon não respondeu de imediato. Continuou com os olhos perdidos, girando os dedos sobre a madeira, absorto em pensamentos que não ousava compartilhar.
“Até onde tudo isso vai chegar? Como posso vencê-los…?”
— Ei, Marlon?
Marlon girava mais rápido.
“Cada vez mais… temos menos alimentos.”
— Ei… alô?
Seus olhos giravam para os lados da mesa numa tentativa de descobrir uma solução.
“Tudo o que eu queria era…”
— Tá bem? — perguntou Takeshi, tocando o ombro dele com cautela.
Marlon se virou e seus olhos encontraram Takeshi.
Ele vestia uma camisa branca larga, marcada por discretos bolsos costurados à frente. A calça marrom, simples, completava o conjunto, enquanto um colar de três pontas em tom esverdeado pendia em seu peito, reluzindo suavemente sob a luz.
— Sim, eu tô bem. A roupa caiu bem em você. Qual era sua pergunta antes mesmo?
— Queria saber se essa é sua casa e também tenho outra, porque tenho que usar um colar desse?
Marlon se levantou e retirou do bolso uma moeda de ouro, erguendo-a entre os dedos.
— Sim, esta é minha casa. O colar serve para que você seja reconhecido aqui. Com ele, os outros não o verão como inimigo — explicou, a voz firme, mas cansada. — Ainda assim, vai precisar cobrir o rosto.
Takeshi se acomodou em uma cadeira próxima, apoiando os cotovelos nos joelhos, atento a cada palavra.
— Entendi. Então agora faço parte da comunidade de vocês?
— Sim. Isso significa que trabalha para nós a partir de hoje — respondeu Marlon. Em seguida, suspirou, passando a mão pelo rosto. — Já está tarde, e preciso descansar. Amanhã lhe darei mais informações.
— Tudo bem.
Com passos lentos, Marlon afastou um pano que cobria a passagem lateral e seguiu para o interior da casa. Foi nesse instante que Takeshi reparou em algo: as mãos dele, pálidas e marcadas por feridas, tremiam levemente. E, no dedo anelar da mão esquerda, brilhava um anel de prata.
Takeshi desviou o olhar por um instante e, com calma, levou a mão ao bolso. De lá, retirou o estranho celular que havia encontrado dias atrás, colocando-o sobre a mesa com certo cuidado.
“Está na hora de ver isso…”murmurou consigo mesmo, enquanto uma centelha de expectativa se misturava ao tom despreocupado de sua voz.”Agora que tudo está relativamente tranquilo, é melhor esclarecer as coisas.”
Com um toque firme no pequeno ponto de borracha, a tela começou a reagir. Um brilho verde, fraco e intermitente, escapou da superfície, iluminando de leve o ambiente.
Takeshi recostou-se na cadeira, lançando um olhar em volta da casa silenciosa.
“Essa casa é perfeita… grande, isolada… ninguém chega aqui facilmente. Demorou para chegar aqui, mas ela é ótima.’
A tela, enfim, ganhou vida. O brilho era frágil, manchado por riscos que atravessavam o visor como cicatrizes. Takeshi suspirou fundo ao notar.
“Tch… malditas lutas. Isso quase foi destruído.”
Ele ajustou a seta com cuidado e pressionou a opção EXTRAÇÃO.
De imediato, a tela escureceu por alguns segundos, até que linhas e mais linhas de texto surgiram diante dele, alinhadas como em um documento antigo.
Permaneceu observando em silêncio.
“Não entendo nada disso… Que língua é essa? Definitivamente não é da Terra.”
Ele suspirou e guardou o celular estranho no bolso. Com o olhar perdido, começou a bater de leve o dedo na mesa, como se buscasse organizar seus pensamentos.
“Já que não tenho nada em mãos por enquanto… é melhor focar em outras coisas.”
Ergueu os olhos para o teto, observando a fraca lâmpada a gás que iluminava o ambiente.
Pequenos vagalumes dançavam em volta da luz, como se estivessem presos em um ciclo silencioso.
“Será que meu sistema realmente disse a verdade sobre as habilidades? Ainda não sei se devo confiar nele… ou naqueles seres.”
Takeshi suspirou e lançou um olhar ao redor.
“Minhas habilidades ainda são um mistério… talvez eu devesse perguntar ao sistema sobre elas.”
Levantou-se devagar e caminhou até uma pequena gaveta marrom. Ao abri-la, retirou duas folhas e um lápis.
“Essa barraca é enorme… tem tantas coisas aqui dentro. Seria até um luxo morar num lugar desses lá na Terra…”
Mas seus olhos estavam opacos, sem brilho. O corpo parecia pesado, carregado pela incerteza de não saber se um dia poderia voltar.
Sentou-se novamente na cadeira e posicionou as folhas sobre a mesa. Com a ponta do lápis, desenhou uma bolha no centro e começou a traçar linhas ao redor.
“Não faço ideia se poderei voltar à Terra… mas uma pergunta não sai da minha cabeça desde que descobri sobre a existência das camadas.”
No meio do desenho, acrescentou outra pequena bolha e escreveu dentro dela: Terra.
“Será que a Terra é uma camada? Ou talvez… uma camada diferente de todas as outras?”
Takeshi colocou a mão sobre a testa, respirando fundo, e em seguida desenhou outras esferas, maiores do que as anteriores. Acima de cada uma, escreveu um número até 20.
Depois, traçou uma linha ligando a esfera marcada como “zero” até a primeira.
“Camada zero está em dívida com a primeira… depois vieram pessoas da camada um…”
Ele acrescentou pequenos quadros ao redor do diagrama, suas mãos se movendo com rapidez.
“Então… as camadas vivem no mesmo planeta? Se todos estão participando das tarefas, isso significa que todas as camadas estão envolvidas…”
Seus olhos tremiam de curiosidade e ansiedade diante daquele mistério que parecia começar a se desdobrar diante dele.
“Isso faz mais sentido do que qualquer coisa até agora. Amanhã vou conversar melhor com Marlon e Lucius… e talvez com o meu sistema, se eu conseguir contato.”
Dobrou as folhas com cuidado e guardou-as no bolso. Depois encaixou o lápis junto da caneta, levantando-se. Seguiu para a esquerda, passando a mão pelo pano que servia como cortina, revelando seu novo quarto.
Havia ali uma cama simples, coberta por um lençol vermelho. Ao lado, uma pequena mesa com um prato de vidro, sobre o qual repousava macarrão acompanhado de carne ainda quente.
“Marlon fez tudo isso… até que está com uma boa cara.”
Ele se sentou na cama, respirando fundo. O aroma do prato se espalhou pelo ambiente, e o cheiro da carne, forte e convidativo, invadiu suas narinas. Sentiu a genuína sensação de estar prestes a fazer uma refeição depois de tempo.
“Isso está com um bom cheiro!“
Pegou a colher ao lado e levou-a à boca.
O sabor, embora simples, espalhou-se pela língua como se fosse o prato mais precioso do mundo. Cada colherada parecia devolver um pouco da força que havia perdido.
Engolir não era apenas um ato comum — era uma pequena vitória, uma prova de que ainda estava vivo. O calor da comida descia pela garganta e aquecia seu peito, lembrando-lhe que, por mais duro que fosse o caminho, ainda podia resistir.
Depois de terminar, suspirou suavemente, como se aliviasse um peso invisível.
“Foi realmente muito bom.” Passou a mão pelo lençol, sentindo a textura sob seus dedos. “Enfim, consigo dormir… depois de tantas coisas nesse mundo, nada se compara à sensação de poder descansar.”
Deixou-se cair sobre a cama, o corpo leve como se flutuasse. Um sorriso sereno se desenhou em seu rosto, embalado pela tranquilidade daquele instante.
“Layos e Mark eu vou voltar para vocês. Me esperem até lá.”
Kairu se ajeitou na cama e puxou o cobertor até o queixo.
“Vai ser difícil sair daqui com essas pessoas loucas… mas eu vou voltar. Quero ajudar a passar na tarefa.”
Com esse pensamento, seus olhos se fecharam aos poucos. Adormeceu relaxando, mas ainda com a mente repleta de perguntas, pensando nos mistérios que o cercavam e na sorte de seus amigos.
…
— O que você está fazendo? — a voz alegre de uma menina soou, como se viesse carregada pela brisa do mar.
— Só desenhando — respondeu uma voz infantil, sem emoção, enquanto rabiscava numa folha, no chão sem sequer olhar para ela.
— De novo isso? Você sabe que seus desenhos são horríveis, Takeshi! — ela disse, cruzando os braços com um tom provocativo.
Takeshi, criança, ergueu o olhar para ela. A luz alaranjada misturada ao azul do entardecer escondia parte de seu rosto, e o som das ondas trazia areia que batia contra as pernas deles.
— Não fica só me olhando desse jeito… vem brincar aqui na praia, vai! — ela bufou, virando a cabeça, mas espiando-o de canto, tentando chamar atenção.
Takeshi permanecia imóvel, fixando o olhar profundo nela. Seus olhos negros, riscados por linhas finas, não piscavam.
— Assim você vai me deixar nervosa… — ela resmungou, corando levemente, e esfregou a mão na bochecha dele. — Esse seu desenho aí… o que é agora?
Takeshi levantou a mão, mostrando o rabisco.
— São pessoas brigando.
— Brigando? Mas por quê?
Takeshi se levantou do chão, olhando para o mar em silêncio por alguns segundos antes de responder.
— Porque uma delas iniciou… uma guerra sem palavras.
Ela bufou novamente, cruzando os braços.
— Sempre essas coisas estranhas, hein? E como seria uma guerra sem palavras, afinal?
Takeshi ergueu a mão diante dos olhos. A pele estava completamente branca, marcada por traços que lembravam rabiscos distorcidos, como cicatrizes de tinta viva que se moviam sutilmente.
— Seria… quando alguém rouba algo valioso das pessoas sem dizer uma palavra ou matar — disse em voz baixa, firme.
Por um instante, o silêncio se tornou pesado, como se o mundo ao redor tivesse parado para ouvir.
E então, a pergunta inevitável surgiu em seus lábios, deixando um frio no ar.
— Quer ver como isso funciona?
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