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    — Eu vou providenciar uma permissão para você ir embora, Ayasaka-chan. Você precisa descansar — disse a professora, que estava apoiada no canto da porta da enfermaria, assistindo toda a cena que acabou de acontecer.

    — Não precisa, eu estou bem, não se preocupe — respondeu Ayasaka lentamente, claramente abalada.

    — Precisa sim! — todos, inclusive a professora, disseram em tom alto a frase, fazendo com que Ayasaka não tivesse escolha, a não ser ir para casa.

    Ayasaka encontrava-se olhando pela janela do carro, brincando com o vidro elétrico, onde estava apertando o botão de abaixar uma vez e o de levantar o vidro duas vezes. Logo em seguida, ela invertia o processo.

     Ao seu lado, estava a professora de educação física, que havia feito a autorização para ela e se prontificou a levá-la em casa após o término da aula. Ayasaka, que se sentiu oprimida, foi obrigada a aceitar, mesmo se recusando fortemente a ir para casa.

    — Escute, Ayasaka-chan, você está bem? — perguntou a sua professora, enquanto olhava para frente, dirigindo pelas estreitas ruas do bairro de Tóquio. Ela também prestava atenção na voz do GPS, que tinha o endereço de Ayasaka anotado.

    Ayasaka parou de mexer no vidro do carro. Ela olhou para o teto e respondeu.

    — …talvez, professora. — respondeu Ayasaka enigmaticamente, dando a entender que estava se sentindo neutra.

    — Voltou a pensar naquilo…? Está tomando os remédios, Ayasaka-chan?

    A professora, entendendo o pedido de silêncio de Ayasaka após olhar de canto para ela, continuou prestando atenção no caminho, até o final do trajeto em direção à casa de Ayasaka.

    Ayasaka, que apoiava a cabeça no banco esportivo do sedan da professora, começou a formar uma melodia única que surgia em sua mente, como pensamentos musicais.

    “Isso é tão chato. Acho que transformei o sofrimento de hoje em uma melodia. Parabéns, Ayasaka, você é um fiasco.” Pensou, rindo ironicamente, olhando para o teto do carro.

    Elas chegaram ao seu destino, a casa da família Mio. Cercada por muros brancos com telhas de bambu ao redor da casa, não se via nada da casa em si do lado da rua. Havia somente um muro branco com entalhes dourados aparentemente feitos à mão. Os entalhes haviam envelhecido com o tempo, deixando sua marca nos desenhos sofisticados de dragões, o símbolo dos Mio.

    — Cuide-se — gritou a professora de dentro do seu sedan vermelho, sumindo nas ruas movimentadas do centro de Tóquio, já que a casa de Ayasaka estava localizada um pouco afastada do centro comercial da cidade, em uma área mais tranquila de Tóquio.

    — Farei isso. respondeu Ayasaka, abrindo os portões de madeira de sua casa e passando por um jardim rico em vegetação. Algumas cerejeiras ainda não haviam florescido devido à estação do ano. A casa de Ayasaka era consideravelmente grande e possuía uma fonte com carpas na entrada. A família Mio era dona de muitos negócios em Tóquio, e Ayasaka poderia ser considerada privilegiada pelo resto de sua vida, mesmo que ela não desse muita importância para isso.

    — Estou em casa — anunciou Ayasaka, retirando seus sapatos delicadamente e revelando seus pequenos pés cobertos por meias que chegavam até a altura da canela. Ela entrou na casa e seguiu para o quarto.

    “Você é a luz.” Ayasaka não conseguia parar de pensar naquela voz e nas visões que havia tido. Ela se sentou em sua cama, ainda vestindo sua saia do colégio, e olhou para o violão.

    “Abra o portal novamente, você é a luz, abra o portal novamente, garota da profecia.” Ayasaka repetia essas palavras em sua mente, se arrepiando quando pronunciava “garota da profecia”.

    — Okay, vamos tentar — Ayasaka, com dificuldades devido ao peso do instrumento, pega o violão que pertencera à sua avó. Estranhamente, ele ostentava um tom de vermelho profundo e intimidador, muito diferente da lembrança que Ayasaka tinha dele. Ela ficou ainda mais intrigada diante da aparência imponente do instrumento. O violão estava apoiado na cabeceira de sua cama, encostado contra a parede.

    Ayasaka ajusta sua postura, encaixando o grande instrumento em seu colo, embora isso a deixasse desconfortável, já que ainda não havia se acostumado a ele. Com cuidado, ela dedilha o primeiro acorde nas cordas.

    — Novamente, nenhum som — Ayasaka nota, confirmando que o instrumento realmente tinha algo de místico.

    Respeitando as condições impostas pelo instrumento, Ayasaka regula sua respiração, assim como havia feito da primeira vez que teve contato com o antigo violão. Ela reduz propositadamente seus batimentos cardíacos, sentindo-se como um franco-atirador, preparado para efetuar um disparo. Neste caso, o “tiro” era o próximo acorde.

    O acorde inicial é dedilhado, mas não produz som algum, nem mesmo o ruído das unhas de Ayasaka tocando as antigas cordas de aço do instrumento. A sensação é estranha e diferente.

    Ela sorri.

    — Aceito o desafio, mas só desta vez.

    Ayasaka começa uma sequência de acordes, segurando o violão com firmeza e dedilhando com confiança. No primeiro acorde, que soa um tanto violento e maníaco, o violão emite o som da nota que Ayasaka pretendia de uma forma sobrenatural, assemelhando-se ao rugido de um dragão antigo que acaba de despertar de um sono profundo. Ayasaka sorri ainda mais enquanto dedilha o segundo acorde, uma escolha ousada, meio diminuto, que torna a melodia mais grave. Neste momento, Ayasaka sente um choque de realidade.

    Como se fosse uma onda de choque translúcida, o ambiente de seu quarto parece mesclar-se com a planície que ela viu da primeira vez. Ayasaka entende o que está acontecendo.

    O violão, uma herança deixada por sua falecida avó, era um legado da família Mio e, de alguma forma inexplicável, funcionava como uma chave para abrir uma fenda para outra dimensão, desde que fosse tocado corretamente. Para Ayasaka, as visões resultantes não eram fruto de sonhos ou alucinações, mas sim uma janela para um mundo misterioso e desconhecido. Ela sentia que de alguma forma estava conectada a essa outra dimensão.

    Dedilhando as cordas do violão com determinação, Ayasaka fechou os olhos e começou a tocar, provocando arrepios constantes enquanto suas mãos corriam sobre o instrumento. Ela ousou tocar com intensidade, conduzindo o violão sobrenatural em um desafio audacioso.

    Enquanto sua melodia gentil encontrava resistência no som estrondoso do violão, Ayasaka começou a cantar. Sua voz moldava o ar que saía de sua boca em uma melodia lúdica, resultando em um paradoxo sonoro. A jovem colegial japonesa estava imersa na batalha entre o gentil cantarolar e o violento dedilhar do seu violão sobrenatural.

    Era uma bela e arrebatadora melodia, digna de respeito até mesmo pelos mais destemidos samurais, um verdadeiro grito de guerra da garota nascida em berço de ouro, determinada a caminhar com suas próprias pernas, aceitando seus laços com o mundo desconhecido que clamava por ela, a garota da profecia.

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