Índice de Capítulo

    1

    Beatrice levantou elegantemente e fechou seu livro, observando as duas garotas, levemente sujas de terra, subirem as escadas enquanto conversavam. Ela as acompanhou até a mesa de jantar, que estava repleta de comidas quentes, seguindo seu costume de oferecer uma refeição sem carne.

    Tuphi, com a boca cheia de comida, comentou:

    — …ela usou o Kazewokiru, foi incrível!

    O olhar sério de Beatrice fez Tuphi parar de mastigar imediatamente e ficar sem jeito com um pedaço de carne na boca enquanto segurava o osso de uma coxa.

    — Por quanto tempo? — perguntou Beatrice.

    Tuphi engoliu a comida e respondeu:

    — O suficiente para o Kazewokiru nos mostrar uma cena de Ataraxia em seus anos dourados. Ayasaka cantando parecia um anjo, sério! Você tinha que ver! — Tuphi enquanto gesticulava e pulava animada, olhou para Ayasaka, que sorriu em resposta.

    Beatrice suspirou e logo aconselhou as duas com seriedade:

    — Escutem, vocês duas. Por mais que tenhamos conhecimento da existência de Kazewokiru e de algumas de suas habilidades por meio de lendas, nós não sabemos realmente do que ele é capaz. Nunca o vimos em ação neste plano, e é muito arriscado. Até termos uma boa base de como Ayasaka reagirá a ele, é melhor que ela não o toque. Será melhor assim, certo?

    As duas garotas concordaram, abaixando a cabeça e continuando a comer sem manter contato visual.

    — Talvez os Xodiks possam nos ajudar a treinar Ayasaka como uma cavaleira de dragão e a preparar para usar o Kazewokiru. Ela precisa de treinamento para enfrentar o mal maior, isso é certo… — Beatrice acrescentou, enquanto olhava para as duas que continuavam a comer.

    Tuphi olhou para Beatrice e perguntou:

    — O certo seria acompanhá-la até as florestas atrás das montanhas, onde está o último reino dos Xodiks. Mas eles se isolaram de tudo e de todos. O que podemos fazer nesse caso?

    Beatrice levantou uma hipótese:

    — O que podemos fazer é treiná-la com a nossa linha de frente, para que ela se acostume a liderar e aprimore suas habilidades de combate. Depois, partimos em direção aos Xodiks, talvez…

    Ayasaka, tentando evitar o olhar das outras duas, deixou sua comida no grande prato à sua frente e dirigiu-se a Beatrice:

    — Eu quero descobrir minha afinidade mágica. Beatrice, você pode me ajudar com isso?

    Beatrice, surpresa com o conhecimento de Ayasaka, ergueu as sobrancelhas.

    — Para entender sua afinidade mágica, você precisa de um bom conhecimento em magia, suponho. Certo?

    Ayasaka sorriu e olhou para o lado com uma cara travessa.

    — Tuphi me contou enquanto conversava com os espíritos.

    Beatrice, em seguida, olhou para Tuphi e perguntou:

    — Você conversou com os espíritos hoje? Alguma informação importante?

    Tuphi respondeu dando de braços com uma expressão indiferente:

    — Nada demais. Está tudo como sempre… por enquanto…

    — Entendi… obrigada por me manter informada… — disse Beatrice, voltando sua atenção para Ayasaka, que observava as duas conversarem.

    Beatrice então propôs:

    — Bom, vamos tentar. Como posso dizer… por mais que eu seja uma maga de terceira família, talvez eu possa ter uma ideia. Apenas os Xodiks seriam os mais apropriados para confirmar sua afinidade. No entanto, posso tentar.

    Beatrice estendeu a mão em direção a Ayasaka e pediu que fechasse os olhos.

    — Certo, vamos lá… — Beatrice respirou fundo e segurou a mão de Ayasaka.

    — Você precisará se concentrar para isso, sua respiração está pesada e sua mente está divagando. Me ajude a te ajudar — Beatrice comentou, enquanto Ayasaka concordava, acenando com a cabeça.

    Ayasaka começou a diminuir o ritmo de sua respiração, permitindo que ela se tornasse mais leve e delicada. Fechou os olhos e relaxou as mãos. Após alguns instantes de silêncio, Beatrice abriu os olhos e soltou cuidadosamente a mão de Ayasaka, que fez o mesmo.

    — Estranho… — Beatrice murmurou — Senti duas afinidades em seu raxy. Luz… e Trevas. Nunca vi algo assim em toda a minha vida. Ter duas afinidades em uma pessoa já é raro, mas uma combinação de Luz e Trevas é quase inédita. Raxy com afinidade do tipo Trevas é algo que surgiu recentemente, quase não existe.

    Ayasaka pulou de alegria:

     — Então, isso é incrível, né? Tenho superpoderes!

    Tuphi, rindo, balançou a cabeça em desaprovação enquanto explicava:

    — Sua afinidade mágica determina que tipo de magia você pode aprender, mestre. Não significa necessariamente que você tem superpoderes. Claro, existem talentos naturais que dominam a magia desde o nascimento, mas não é tão simples assim. Tudo requer estudo e esforço.

    — Na verdade, pensando bem talvez seja uma das piores afinidades né? — Beatrice disse enquanto cruzava os braços.

    — Como assim?! — Ayasaka levou a mão a cabeça assustada.

    Ela se virou na direção de Tuphi, em busca de uma resposta.

    — O que a magia do tipo Trevas faz? Eu sei que uma das coisas que a magia do tipo Luz possibilita é se comunicar com espíritos. Mas e Trevas? Me diz que ela faz algo legal também! — Ayasaka perguntou enquanto olhava para as duas, que a ouviam atentamente.

    Beatrice olhou para baixo, pensativa e respondeu:

    — A magia das Trevas é uma ramificação da magia da Escuridão, algo quase inexistente. Não conhecemos ninguém com esse tipo de afinidade…

    Tuphi acrescentou:

    — Dizem que pessoas com afinidade em Trevas podem se comunicar com o submundo e com aqueles que já não estão mais entre nós

    Ayasaka coçou o queixo, ponderando.

    — Hum, hum… um necromante, então…

    — Basicamente. Apesar de não haver muitos relatos de necromantes ativos — Tuphi completou.

    — Espera aí, como assim necromantes realmente existem?!

    Beatrice, vendo que as duas garotas estavam chegando a um acordo, retomou a conversa:

    — De qualquer forma, para estudar magia, você precisará aprender a ler. Suponho que ainda não entenda nossos alfabetos, certo?

    Ayasaka corou levemente e respondeu:

    — Não… consigo entender o que vocês dizem, mas não consigo ler nadinha de nada — terminou com uma risada desconfortável.

    Tuphi e Beatrice suspiraram juntas balançando a cabeça.

    Beatrice assentiu:

    — Então é isso. Você vai começar aprendendo a ler o básico por agora. Talvez, no futuro, possamos aprofundar seu conhecimento em magia.

    Beatrice encerrou a conversa e se dirigiu à porta.

    — Tuphi irá ensiná-la o alfabeto básico de Ataraxia, o que permitirá que você leia livros simples e placas, pelo menos. Começaremos amanhã cedo, pois já está tarde. Vão dormir agora e acordem dispostas. Boa noite!

    Após essa declaração, Beatrice deu um sorriso e seguiu em direção ao seu quarto. Tuphi e Ayasaka trocaram olhares, tentando assimilar as decisões repentinas de Beatrice.

    — Bem, bem, parece que sua ídolo agora também será sua professora… heh… heh — Tuphi disse com uma expressão travessa, embora claramente mais baixa que Ayasaka.

    Ayasaka respondeu com um sorriso e um tom brincalhão olhando para Beatrice:

    — Por que o cachorro idiota que vai me ensinar?

    Ayasaka virou-se para ir em direção ao seu quarto, ignorando completamente Tuphi.

    — Eu sou uma Lobian, já disse! — Tuphi gritou em voz alta, arremessando uma colher que estava em suas mãos na direção de Ayasaka.

    A colher passou muito perto do ouvido de Ayasaka, emitindo um zunido à medida que voava por ela.

    — Você quase me matou, cachorro idiota! E se eu morresse aqui? Cabô a profecia negão! Todo mundo na merda! — Ayasaka exclamou, encarando a colher cravada no batente da porta pela qual estava prestes a passar. Ela virou-se novamente para olhar Tuphi, que mantinha um olhar zombeteiro.

    Tuphi, rindo levemente, disse:

    — Boa noite… heh…

    Ayasaka olhou para Beatrice, que estava rindo também.

    — Vocês são maluca! Vou dormir antes que eu morra nesse ambiente hostil! Boa noite assassina de Garota da Profecia e Senhorita Cumplice!

    Ayasaka lançou um último olhar irritado para Tuphi e Beatrice antes de desaparecer à distância, pisando com raiva.

    Ayasaka, mantendo seu velho costume, se jogou na cama, oficialmente encerrando seu primeiro dia completo naquele mundo.

    — Afinidade mágica… Tocar violão e ter uma visão do passado… conversar com espíritos… pegar itens sem ter que comprar… necromante… e isso foi só o meu primeiro dia aqui. O que será que me espera neste mundo? — Ayasaka refletiu em voz alta.

    Ela sentia suas pálpebras pesando, lentamente fechando os olhos. Virou o rosto na direção de Kazewokiru, apoiado na cabeceira da cama, cintilando seu habitual azul fraco.

    — Boa… noi…te. — Sussurrou Ayasaka, antes de cair no sono. Seu rosto exibia um sorriso inocente e feliz.

    E assim, encerrava-se seu primeiro e oficial dia no novo mundo, um lugar misterioso e desconhecido para Ayasaka até então, ou pelo menos, era assim que ela imaginava que se encerrava.

    Ayasaka se encontrava diante da capital principal de Ataraxia, mais uma vez em seu sonho, porém, desta vez, estava diante do imenso portão principal.

    O gigantesco portão de madeira estava lentamente se fechando, e as pessoas corriam desesperadamente para tentar sair da cidade. Algumas delas até caíam do topo do portão, enfrentando um destino trágico na queda.

    Ayasaka, tomada pelo pânico da situação, olhava ao seu redor, vendo apenas pessoas com expressões de desespero correndo por suas vidas.

    — Espere! Ei… — Ayasaka gritava, seus olhos arregalados de pânico enquanto tentava tocar nas pessoas ao seu redor, mas elas a ignoravam completamente, como se fosse uma espectadora indesejada daquela terrível cena.

    Seu cabelo voava descontroladamente sobre seu rosto, cobrindo sua visão devido ao vento forte que varria a planície nublada. A sensação de impotência e desespero a envolvia, e seu coração martelava em seu peito, como se prestes a explodir a qualquer momento.

    Foi então que a voz sombria ecoou em sua mente, como um sussurro gelado. Não era uma voz amistosa como a de Fos, mas uma voz que transmitia uma malícia profunda. Ela não conseguia ver de onde vinha, mas a voz parecia estar em todos os lugares, rindo de sua agonia.

    “É… inútil.”

    A voz a fez sentir-se ainda mais perdida e impotente. As pessoas continuavam correndo, o portão se aproximava de seu fechamento completo, e Ayasaka tinha a terrível sensação de que o tempo estava se esgotando.

    Ela percebeu que sua visão começava a desaparecer, como se a realidade estivesse se desvanecendo aos poucos. Era como se estivesse sendo arrancada daquele pesadelo. Seu coração batia acelerado, enquanto ela lutava para acordar e escapar daquele cenário aterrorizante.

    E, então, em um piscar de olhos, Ayasaka acordou no meio da noite. O suor escorria de seu rosto, e seu coração ainda pulsava freneticamente. Ela estava de volta à realidade, em seu novo mundo misterioso, com Kazewokiru apoiado na cabeceira da cama. Ayasaka olhou para o violão, sentindo um alívio profundo por ter escapado daquele sonho angustiante.

    No entanto, as palavras da voz sinistra ainda ecoavam em sua mente, e Ayasaka não conseguia deixar de se perguntar sobre o significado delas e se tinham alguma relação com seu destino naquele mundo desconhecido.

    Ayasaka mergulhou de volta em um sono inquieto, ainda perturbada pelas palavras misteriosas da voz em seu sonho. Sua mente estava repleta de dúvidas e incertezas sobre o mundo que a cercava, sobre sua própria afinidade mágica, e sobre o que a aguardava naquele novo lugar.

    Enquanto Kazewokiru cintilava suavemente na cabeceira da cama, Ayasaka tentava encontrar respostas para as perguntas que a assombravam. Ela sabia que teria que enfrentar muitos desafios e descobrir seu papel naquele mundo desconhecido.

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