Capítulo 75: Ecos
Ainda atordoado e com as bochechas queimando pelo tapa e de vergonha, saí do camarote em direção à sala onde meus amigos deveriam estar. Os corredores da arena pareciam se estender infinitamente, ecoando o som dos passos que mal conseguia controlar. Minhas mãos tremiam, e minha mente era um labirinto de pensamentos confusos. Tinha sido vergonhoso e humilhante, porém, mais que isso, havia sido revelador.
Eu me sentia um impostor. Um fardo pesado repousava sobre meus ombros, a sensação de que tudo que eu havia conquistado até ali, com exceção de Nix, não era realmente mérito meu. Era como se as vitórias, as magias e até o conhecimento que carregava tivessem sido implantados em mim, forçados por algo ou alguém que movia os fios invisíveis da minha existência. Shade, o miasma de Selune, as runas gravadas em minha memória… nada disso parecia verdadeiramente meu; não entendia as verdadeiras repercussões das minhas ações até ali. Não era o autor da minha história, apenas um peão em um jogo que mal entendia.
Quando finalmente alcancei a porta da sala, hesitei. O som abafado de risos e vozes familiares vinha do outro lado, tão distante da tempestade que rugia dentro de mim. Inspirei fundo, tentando compor uma fachada de normalidade, e empurrei a porta.
Lá estavam eles, ainda me esperavam, exatamente como eu imaginava: trajavam seus uniformes marcados pelas batalhas que tinham participado, conversando animadamente. Narravam e gesticulavam, mostrando seus melhores momentos nos combates. A atmosfera era leve, quase festiva, como se todos ali tivessem certeza do próprio valor. E então, no canto da sala, estava Domina.
Ela era uma intrusa, claramente deslocada, mas disfarçava bem. Sentada mais próxima de Supremo — ou melhor, de Gérard —, sua postura era confiante, quase arrogante. Ela não fazia parte do grupo, isso era óbvio, mas estava determinada a impressioná-lo. Sua risada exagerada acompanhava qualquer comentário de Gérard, e seu olhar focava nele com uma intensidade que beirava o desconfortável. Eu via claramente o jogo dela, mas não conseguia decidir se me irritava mais a audácia ou o fato de ela estar conseguindo a atenção dele.
Assim que entrei, as conversas cessaram. Todos os rostos se voltaram para mim, mas era o olhar de Domina que mais pesava, não pela profundidade, mas pela avaliação silenciosa. Parecia medir minha presença na sala, descobrir qual era meu papel, qual era minha real importância em unir aquele grupo tão diverso, ansiosa por segredos.
Joaquim foi o primeiro a romper o silêncio, sua voz carregada de curiosidade e um toque de preocupação
— Que raios aconteceu com você? Onde você estava?
Engoli em seco. Minha mente tentava desesperadamente organizar as palavras, mas não sabia como dizer algo sem preocupá-los.
— Estive no escritório de Rosa — ri baixo, nervoso. — Ela me preparou um belo presente surpresa.
Eles me olharam cheios de curiosidade, esperando que eu continuasse. Tomei fôlego, fazendo uma pausa dramática.
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— Sabe essa última luta? — comecei, minha voz soando mais hesitante do que gostaria. — Esse tal Germano? Pois bem… semana que vem lutarei com ele.
O impacto de minhas palavras foi imediato. Olhares arregalados, queixos caídos, e uma expressão que parecia que viam um cadáver andando na frente deles. Domina, por sua vez, tentou controlar a reação, mas seu espanto ficou visível por um breve instante antes de ser mascarado por uma expressão de falsa indiferença.
Antes que pudessem me bombardear com perguntas, ergui a mão, pedindo calma, e comecei a explicar. Contei os eventos que me levaram àquele confronto, cada detalhe soando tão surreal quanto foi vivê-los. E a cada palavra que eu dizia, a sensação de ser manipulado se tornava mais forte. Não havia controle. Não havia escolha. As decisões sempre tinham sido feitas por outros, e eu as seguia como uma marionete obediente.
Quando terminei, olhei ao redor, esperando alguma reação. Mas o silêncio parecia ecoar o vazio que crescia dentro de mim. Não sabia ao certo o que passava pela cabeça deles. Estariam me julgando, assustados com o que eu havia contado ou simplesmente incrédulos diante de tudo aquilo? Era como se o peso das palavras ainda pairasse no ar, sufocando qualquer tentativa de resposta.
Tentei quebrar a tensão, falando com mais firmeza do que realmente sentia:
— Não sei vocês, mas amanhã tenho que estar aqui cedo para treinar. Rosa me arranjou uma treinadora particular. Vocês vêm comigo?
Claire, Dante, Joaquim e Joana assentiram quase de imediato, sem hesitar. Havia algo reconfortante no gesto deles, na prontidão em me acompanhar, como se aquele simples ato reafirmasse que eu não estava completamente sozinho nessa jornada.
Gérard, por outro lado, hesitou. Seus olhos se desviaram para Domina, que, como uma figura cuidadosamente calculada, lançou-lhe um sorriso insinuante. A piscadela que ela acrescentou parecia quase teatral, como se fizesse questão de que todos percebessem seu charme direcionado. Não era difícil entender seu jogo. Mais uma vez, ela parecia avaliar minha reação, esperando encontrar algum indício de ciúme ou insegurança.
— Vou ficar mais um pouco — murmurou Gérard, quase como se quisesse me convencer de que era uma decisão casual.
Tentei não transparecer a irritação que crescia dentro de mim. Eu sabia que ele era inteligente o suficiente para perceber os perigos, mas ainda assim, decidi me certificar.
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— Tome cuidado — disse, com um tom de alerta que sugeria mais do que dizia. Não podia arriscar que ele revelasse qualquer um de nossos segredos, por mais que confiasse nele.
Gérard ergueu a mão em um sinal afirmativo, um gesto que dizia tanto “não se preocupe” quanto “não insista”. Sem mais palavras, saímos.
Do lado de fora, cada um seguiu seu caminho. Eu tomei a carroça de volta para a mansão, o cansaço do dia começando a se acumular sobre mim. Porém, antes que pudesse me despedir de todos, Dante se aproximou. Ele esperou até que não houvesse mais ninguém por perto para me dirigir a palavra, seu tom baixo, quase conspiratório.
— Quer que eu o ajude a treinar, Mestre?
Por um momento, considerei a oferta. Dante era um excelente lutador, alguém em quem eu confiava plenamente. Mas antes de tomar qualquer decisão, era melhor entender o que exatamente Rosa tinha planejado para mim.
— A princípio, não. Deixe-me ver qual é dessa Pandora primeiro.
O nome pareceu atingir Dante como um raio. Seus olhos se arregalaram, e uma expressão de espanto tomou conta de seu rosto.
— Pandora? A Pandora?
— Acho que sim… — respondi, sem entender de imediato o motivo daquela reação tão intensa.
— Você não fez sua lição de casa antes de entrar na arena, não é? — Ele parecia incrédulo, quase exasperado. — Ela é só a campeã do quinto círculo, a gladiadora mais forte e impiedosa que já existiu.
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Enquanto falava, o rosto de Dante parecia se iluminar com uma admiração quase infantil. Seus olhos brilhavam como os de um fã que finalmente encontra sua ídola favorita. Ele continuou descrevendo as proezas de Pandora, desde suas vitórias esmagadoras até as histórias lendárias que cercavam sua trajetória na arena.
Era evidente que, para ele, Pandora não era apenas uma treinadora. Ela era uma lenda viva, alguém cuja presença inspirava tanto respeito quanto temor.
— Bom… Isso explica muita coisa — murmurei, mais para mim do que para ele, sentindo uma nova onda de tensão se acumular dentro de mim.
Se Dante estava certo, então eu estava prestes a encarar algo muito maior do que imaginava.
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