Capítulo 22: O passado que me atormenta
Rounn estava sentado na cama de seu quarto quando, de repente, uma gélida ventania entrou agressivamente pela janela, sacudindo desajeitadamente as cortinas. O vento resfriou o suor que gotejava de sua testa e ignorou o fato do garoto estar utilizando vestimentas bem agasalhadas, piorando a tremedeira. A ventania apagou a vela que, até pouco, balançava descompassadamente com o clima. Restava apenas a luz do luar, que penetrava pela janela e iluminava o piso amadeirado. Aqueles móveis escuros instigavam o pior lado de sua imaginação fértil. Foi então que decidiu fechar os olhos. Com as mãos já tapando os ouvidos, restou apenas um silêncio forçado e desesperador. Ele estava só com sua própria mente.
— Estorvo… — foi a primeira palavra que surgiu diante daquele vazio. E não era, e nem seria, a primeira vez.
Rounn abriu os olhos, voltando para aquela escuridão. Mas tudo bem: diferente daquela obscuridade interna, as sombras ao seu redor não podiam machucá-lo. Seus dedos sacudiam repetidamente enquanto permaneciam pressionados nos ouvidos. O chiado em seus tímpanos abafava o som hostil que vinha lá de fora. A ventania continuava. Estava muito frio! Levantou-se, retirando as mãos dos ouvidos para fechar a cortina.
— Eu sou o chefe desta casa, e sou eu quem decide! — As palavras contidas nesse grito despertaram ainda mais seu nervosismo. Uma lágrima desceu de seu olho esquerdo e seu coração acelerou ainda mais.
— John, pare de dizer asneiras! Ele é nosso filho, é um ser humano.
— Você sempre com essas questões emocionais. Pare e pense um pouco, mulher. Imagine os lucros que teríamos.
— John… não foi com esse homem que me casei… Eu não imaginava que você pudesse ser assim. Como alguém pode tomar uma decisão tão rude?
— Dane-se, Marlayne. Ele já está vindo para cá.
— Você… John, eu não acredito que teve coragem de vender nosso filho. Eu não permitirei. Vou contar para o conselho.
— Ah, mas não vai mesmo. — Sua risada presunçosa repercutiu pela fria noite.
O barulho de seus passos pesados os alertou.
A discussão chegava a Rounn como facas, mas a curiosidade em saber a próxima frase o mantinha alerta. Isso o consumia como se fosse uma droga. Sentou-se no chão, chorando exacerbadamente e se engasgando com os próprios soluços, enquanto tinha uma crise de pânico. Ele ainda segurava a cortina com uma das mãos, sem tê-la fechado por inteiro. Sua irmã abriu a porta do quarto e entrou a passos leves, com o rosto em prantos. A porta rangeu de leve até se fechar com um baque, devido à ventania. Seu longo cabelo fino esvoaçava pelas sombras do quarto. Ela sentou-se ao seu lado, escorando a cabeça na dele, tentando consolá-lo. Seu abraço apertado era calorosamente aconchegante, tanto para o frio quanto para sua mente aflita.
— Parem de bater essas portas! Eu odeio quando fazem isso! — Os passos pesados na direção do quarto os alertaram.
— John, pare! Argh…
O barulho de um tapa ecoou pela casa, chegando até as crianças. Foi possível escutar pancadas na mesa e o som de objetos caindo. Por mais que Lya tentasse acalmá-lo, ela parecia tão espantada quanto ele. Não importava mais se ele deixasse os olhos abertos ou fechados; as sombras que o atormentavam agora estavam por todo canto. A briga pareceu cessar.
— Silêncio? Que estranho…
Lya soltou suas mãos trêmulas e foi verificar o que estava acontecendo. Quando saiu do quarto, gritou abismada.
— Eu… me perdoe, Lya, mas eu não sei o que fazer. Sou um covarde.
Rounn se escondeu atrás da estante, com as mãos tapando os ouvidos. Ele não sabia mais o que poderia estar acontecendo. Minutos depois, a porta rangeu vagarosamente. Surgiu uma sombra perante a luz da lareira da sala. Ela se aproximou, e o luar refletiu na faca de cozinha que segurava. A lâmina estava suja de sangue. Rounn fechou as pálpebras como se quisesse fazer aquela imagem desaparecer. Mas, de repente, escutou o barulho do metal batendo no chão.
— Irmão… sinto muito — soluçou Lya, com o rosto em prantos.
Ele abriu os olhos e, ao ver sua irmã, acalmou-se. Por um momento, pensou que o pior estava prestes a acontecer.
— Precisamos sair daqui, rápido!
Lya pegou sua mão suada e o puxou apressadamente para fora do quarto. No chão da sala, como soldados caídos em batalha, livros jaziam abertos, com páginas amassadas e rasgadas. Uma poltrona, antes refúgio de descanso, tombava de lado, com o estofado rasgado expondo espuma amarelada. A mesa de centro, palco de tantas conversas e risadas, exibia uma cicatriz profunda que partira sua superfície em duas. Estilhaços de vidro e respingos de sangue agora faziam parte da história daquele lugar.
Marlayne, sua mãe, estava jogada sobre a mesa de vidro quebrada, com marcas de pressão no pescoço. E seu pai… Na verdade, Rounn nem reconhecia mais quem era aquele homem caído ao chão. Se ele já fora importante em sua vida, sua mente apagara. Havia um corte em sua testa, e ele parecia desmaiado. O menino colocou a mão na boca, abismado pela cena.
— Mamãe! — Ele soltou a mão de sua irmã e correu até o corpo da mulher.
Mesmo morta, ela ainda era belíssima aos olhos do garoto. Seus olhos estavam vazios, como os de uma marionete.
— Por quê? Lya, por quê? — Acariciava os cabelos ainda sedosos da mãe, embora cheios de cacos de vidro.
— Rounn, precisamos ir embora!
Ele saiu de perto de sua mãe, como um jasmim levado pela correnteza de um rio. Até mesmo a ventania noturna, que entrava pela varanda, parecia empurrá-lo para longe dali.
A garota abriu a porta, girando a maçaneta com pressa. Mas, lá fora, um homem já os esperava pacientemente. Ele colocou o pé na beirada antes que a garota pudesse reagir. Seus longos fios negros de cabelo balançavam ao vento gélido que ricocheteava em suas nucas. Usava uma pequena cartola e uma vestimenta elegante de cor roxa. Em uma das mãos, ostentava uma luva feita de pano costurado a uma malha firme.
— Suponho que esta seja a residência de John Destadt…
O coração de Rounn disparou. Ele sabia que aquele homem trazia ainda mais perigo do que qualquer coisa que já tinham enfrentado dentro da casa.
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