Capítulo 18: Suas ordens, meu poder
— Contradição, inconsistência, dualidade… são os princípios que regem um paradoxo. O fato de eu lhe contar onde os criminosos estão permite que você os cace. No entanto, só posso saber a localização inimiga se você realmente for atrás deles. Pela lógica, isso sugere a existência de um destino pré-estabelecido. É um conceito interessante… não concorda, Laurient? — Rerdram refletia em voz alta sobre sua ideia, que considerava inovadora, enquanto a anotava em um papiro.
— Eu sei lá, só quero socar alguns otários. — Tentava espiar o que acontecia lá dentro pela brecha da madeira.
— Você nunca foi de pensar muito. — Enrolou o papiro.
Ela coçou a cabeça como se algo a incomodasse, mas logo ignorou. O vento cortava as ruas de Vallendrea, levando consigo o cheiro azedo de bebida e o murmúrio abafado vindo de dentro da taverna. Era um local rústico, geralmente frequentado pela classe média alta de Vallendrea. Do telhado, Laurient e Rerdram aguardavam cautelosamente por suas presas, assim como abutres que sobrevoam carcaças. Lá dentro, cinco homens vasculhavam as mesas e ameaçavam os clientes com gritos e risadas altas. O som de um porrete batendo no balcão reverberou pelo bar, anunciando a tensão presente. Mas, para Laurient, infelizmente, ainda não era o momento certo.
— Só há cinco deles… que pena.
— Podíamos esperar até que saíssem com os espólios e capturá-los no beco. — Rerdram levantou-se, ajustando seu sobretudo cinza escuro, e no mesmo instante ouviram um grito feminino. Ele agia com uma certa paciência calculada, contrastando com a inquietação de sua companheira de trabalho.
— Podíamos. — Ela sorriu de canto, com os olhos brilhando com uma energia caótica. — Mas você quer estragar toda a diversão da noite?
Sem mais discussões, ela saltou de onde estava e quebrou o telhado com os dois pés, aterrissando com um estrondo ensurdecedor sobre a mesa mais próxima da entrada. Os bandidos se viraram espantados, e Laurient já estava em posição de combate. Seus dentes reluziam como lâminas sob a luz das tochas e o fulgor da lareira.
— Eles devem ter pelo menos dois usuários de morfose no grupo. Mas ela não se importaria em saber — disse Rerdram para si mesmo.
Ao seu redor, o ar estava saturado de tensão, o cheiro agridoce de cerveja derramada e suor dominavam o ambiente. Toda aquela comoção deixava o clima calorento de alguma forma. Uma moça, visivelmente parecida com uma garçonete, estava caída ao chão, com o pescoço cortado. Os clientes se amontoavam contra as paredes e cantos escuros, sussurrando em excitação e temor, mas mantinham distância segura da tempestade prestes a eclodir no centro do salão.
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— Mas o que foi isso!? — Uma voz rude e forte percorreu o ambiente.
O chefe, que há pouco ameaçava o barman, virou-se para a jovem. Um dos capangas, sem esperar por uma ordem, avançou com um grunhido e desferiu um golpe com seu machado de cima para baixo. Laurient defendeu com seu antebraço, cortando superficialmente sua pele. Cravou o punho no estômago do homem, dobrando-o ao meio, antes de chutá-lo para trás com força. Ele caiu pesadamente sobre uma mesa que se partiu sob o impacto. Ela retirou o machado do braço como se fosse um pequeno espinho lhe incomodando.
— O machado não cortou seu braço fora… — Exclamou uma das ladras.
— Qual de vocês é o líder, hein?
Eles ficaram calados, mas não perceberam quando o barman apontou, com o dedo tremendo, para o homem à sua frente que segurava o porrete. Ela correu para cima dos outros três, evitando o cara do porrete. Seus olhos estavam convictos em quem atacaria primeiro. Um homem magro, mas de corpo atlético, saltou com uma espada para defender sua colega, que estava claramente paralisada pelo medo. Mas Laurient apenas ignorou sua presença e o atropelou como um animal selvagem. Mordeu o pescoço da ladra, arrancando-o como se fosse uma folha de papel. Um papel vermelho e suculento. Mas cuspindo logo em seguida.
“Eu não devoro gente fraca.”
— Agora é a sua vez, espadachim!
Arrancou a mão dele, que segurava a espada com insistência, e a enfiou em seu coração. Não era uma batalha, era um massacre. O quarto bandido se aproximou com mais cautela. Era um homem bruto com uma barba desgrenhada que portava duas manoplas de aço. Elas revestiam seus punhos mais parecendo armas do que uma armadura. Ele segurou o golpe de Laurient, e mirou outro soco em sua cabeça. Mas não teve muito efeito. Sem dar tempo para respiros, ela ergueu ambos os braços, esmagando seus punhos sobre a cabeça do inimigo, como um martelo duplo descendo com toda a fúria de um trovão. O homem cambaleou para trás, mas logo se recuperou, rindo presunçosamente
— Interessante essa sua morfose! — Cruzaram as mãos para disputar quem tinha mais força.
— Pode vir, aberração. Eu não sinto dor! — estrondou como um bárbaro.
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Os dois atacaram juntos, trocando socos. O chefe pegou um saco de pano que havia embaixo da mesa, com os pertences do público, e correu para fora. Laurient não se importou. Toda a sua atenção estava voltada para o adversário em sua frente (um dos mais empolgantes que já enfrentara). Ele lutava com os punhos tão firmes quanto rochas, como um boxeador de rua veterano. Além de resistência adicional, a ausência de dor o impedia de recuar seus golpes.
Laurient lutava pacientemente, seus olhos queimavam como brasas incandescentes. Ele levantou os dois braços e investiu contra o torso dela, empurrando-a para a coluna do bar. Ela fingiu estar atordoada e, quando ele chegou mais perto, segurou sua cabeça por trás e a rebateu contra a parede várias vezes, mas ele ainda estava desperto. Sua teste mal tinha sido arranhada, mesmo com tantas pancadas brutais. Na viela escura de trás da taverna, o chefe estava fugindo com um sorriso no rosto, segurando todos aqueles espólios.
— Pelo menos não preciso mais dividir todo esse tesouro com aqueles imbecis.
Uma figura desconhecida apareceu em sua frente, tornando-se cada vez mais visível. Seu sobretudo voava contra a ventania gélida daquela noite. Parecia ser um cavalheiro qualquer passeando pela viela da cidade, indefeso e inocente.
— Quem está aí? Foi uma péssima escolha aparecer aqui, moleque. — Preparou o porrete escorado em seu ombro.
— Olha só, dessa vez a Laurient deixou um para mim.
Ele esticou o braço direito, que continha um bracelete, e de sua mão aberta surgiram emaranhados escuros. Um líquido metálico se materializou, formando aos poucos um bastão. Fios e cordas emergiram do vácuo e teceram o material, como se um ferreiro e um tecelão trabalhassem juntos para criar uma arma. Uma lança pendeu no ar, e ele a pegou rapidamente. Girou-a com os dedos com certa maestria, avançando vagarosamente em direção ao seu alvo.
“Se ele for tão forte quanto aquela louca… Argh, vamos acabar logo com isso”, pensou.
Ele deu um passo à frente, preparando um ataque preciso com o porrete. Rerdram avançou, já sabendo exatamente o que deveria fazer. Segurando a lança pelo punho, a arremessou em direção à cabeça dele. Ela disparou como uma ave de rapina, cortando o ar em volta. O homem desviou, mas perdeu a postura do ataque, considerando o peso do porrete. Ela cravou no chão, quebrando a pedra da calçada.
Rerdram correu em sua direção, aparentemente fora imprudente, já que estava desarmado. No entanto, a lança desapareceu de onde estava e se materializou novamente em suas mãos. Assustado, seu oponente tentou recuar do golpe com uma investida, mas desequilibrou-se e caiu no chão. Rerdram cortou sua testa com um golpe rápido, como sinal de aviso, e desarmou-o antes de prendê-lo.
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O salão permaneceu em silêncio por um momento que pareceu durar uma eternidade. Só se escutava as respirações pesadas dos dois guerreiros. Estavam molhados de suor e cansados demais para trocarem socos rápidos. A lareira crepitava suavemente, e era a única música naquele cenário de destruição. Laurient enxugou a testa com a mão e ajeitou a postura, indicando que não queria mais lutar.
— Eu vou te deixar viver, gostei de você. — Seu grande sorriso ensanguentado demonstrava a mais pura gratidão para com seu oponente.
— Hãn? Vai se catar, sou eu quem irá deixá-la viver. — Apontou para o peito, orgulhoso.
— Entre para nossa organização, seria demais ter um guerreiro tão forte quanto você.
— Não, não… valeu pelo convite, mas infelizmente as coisas não funcionam assim. Me chamo Gaelin, e foi um prazer lutar contra você. Até breve.
Ela deixou ele escapar, enquanto olhava para baixo, empolgada. Seu coração palpitava pela adrenalina que tomou seu corpo. As pessoas não estavam mais entendendo o que estava acontecendo; algumas se levantaram para ir embora de fininho. Dois cavaleiros do reino chegaram, abrindo as portas da taverna com brutalidade. Chegaram atrasados demais. Nesse meio tempo, Laurient já estava sentada, encostada na coluna da taverna, respirando aliviada, enquanto o bandido com quem havia lutado já tinha escapado há algum tempo.
— Tudo já foi resolvido, guardas.
— Como vocês sempre chegam antes da gente, em? Só servem pra bagunçar a cidade. — Olhou em volta da taverna.
O salão principal estava todo destruído, algumas mesas partidas ao meio, bebida espalhada pelo chão, e canecas e pratos quebrados. As pessoas se levantaram aliviadas, começando a deixar o bar apressadas. Os guardas tentavam acalmá-las diante daquele cenário horrível (três cadáveres no chão e um homem desmaiado), pedindo informações sobre o que havia acontecido exatamente. Algumas das vítimas não se importaram e continuaram a beber. As moças, por outro lado, apenas queriam voltar para suas casas e ver seus filhos.
Laurient abordou o barman, que se escondia atrás do balcão, tremendo de medo, dadas as circunstâncias.
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— Aí, velhote, me vê uma cerveja de hortelã e coentro, bem gelada. Tem que ser por conta da casa, hein?
— Você destruiu o meu bar! Eu não te devo nada. E ainda deixou o chefe escapar com os pertences das pessoas. Mas pelo menos não pegaram minhas economias. Além disso, Precisava ter destruído o teto? Vá embora… Por favor.— Sua voz era gasguita e irritante, e isso a deixou inquieta.
— Eu não vou sair daqui sem a minha cerveja. — Escorou-se no balcão e o puxou pelo colarinho.
Rerdram entrou pela porta dos fundos, carregando o criminoso algemado e o saco com os pertences, observando todo aquele furdunço. Chegou perto dela, segurou seu pulso e sussurrou em seu ouvido.
— Laurient, já chega… não me faça…
— Você é um saco. — Soltou o barman. — O que custava um presente de agradecimento.
Galand, um jovem alto e loiro, de nariz arrebitado, entrou pela porta da frente, afastando os cavaleiros como se eles fossem qualquer coisa.
— Parece até que a Laurient se segurou hoje, só quatro mortos? — Galand se agachou.
O homem do machado deitado sobre a mesa quebrada no chão mexeu a perna por um instante, demonstrando que acordou do desmaio.
— Levem aquele também. — Apontou Rerdram. — Espera, mas cadê o quarto membro da gangue… Laurient?
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— Ele era mais forte do que eu, odeio ter que admitir isso. — Coçou as costas de olhos fechados.
Mesmo após retiraram os cadáveres do estabelecimento, o chão ainda estava coberto de sangue. Manchas de sangue estavam presentes na pedra polida do piso, na madeira da taverna e em vários outros objetos jogados pelo chão. Mas esse era justamente o trabalho de Galand.
— Afastem os civis! — Agachado, pôs a mão no chão, ao lado do sangue.
Raízes finas despontaram sob a pele de sua palma, rastejando como serpentes famintas pelo chão encharcado de sangue no centro do salão. Elas se retorceram, mergulhando profundamente no líquido escarlate, absorvendo cada gota até não restar vestígio algum. O salão, uma vez manchado de carnificina, agora parecia tão limpo quanto um límpido lago. As raízes então recuaram, deslizando de volta para a mão que as controlava, enroscando-se uma na outra numa forma grotesca e pulsante — um repolho vermelho, rubro como o sangue que haviam devorado.
— Laurient. — Estendeu o braço em direção à ela.
— Hm? Ah, sim, já havia esquecido. — Ela pegou a planta e a engoliu sem mastigar. — Essas regras morais são chatas demais. Só matar em… como era o nome?
— Legítima defesa — Corrigiu Rerdram.
— Isso aí mesmo. E sem contar que não pode devorar os criminosos na frente dos outros civis. Mas até que já estou me adaptando à essa nova vida. — Cruzou os braços.
Com a ajuda dos guardas, Rerdram devolveu os pertences para as vítimas do assalto. Muitos itens valiosos foram restituídos: anéis, moedas de diferentes regiões, colares adornados com pedras preciosas, e até um medalhão de prata com inscrições familiares. Finalmente, Rerdram entregou um espólio muito valioso — uma espada de cabo incrustado com rubis, cujo punho estava adornado com finos detalhes em ouro. A espada pertencia a um cavalheiro, de aparência nobre, que usava vestes de veludo e couro ornamentado, e que estava visivelmente aliviado ao receber sua preciosa herança.
O cavaleiro, com uma reverência, agradeceu com humildade, antes de se aproximar de Laurient. Ele chamou a atenção de todos e, com uma postura solene, fez um breve discurso.
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— Senhores, compreendo a forma repugnante como essa jovem lutou. Mesmo que tenhamos sido forçados a presenciar esse espetáculo grotesco, eles nos ajudaram a recuperar nossos pertences e, o mais importante, salvaram as nossas vidas. A garçonete poderia ter sido apenas a primeira vítima da cruel lâmina daquele homem. Agora ele será encarcerado. Isso, meus companheiros, é o que chamo de justiça. Não importa se foi por meio de assassinato, ou pelo metal das algemas. Mas vamos ser honestos: esses criminosos merecem ser mortos a sangue frio. Minha honra está restaurada graças a eles. Meu bem mais valioso foi devolvido e, o que é mais importante, evitou-se ainda mais derramamento de sangue nesta taverna. Vamos brindar à isso, o resto da noite será por minha conta! — Levantou a caneca com a mão esquerda.
De início, não concordaram tanto com seu posicionamento, mas quem iria negar bebida e refeição gratuita? A maioria das pessoas que estavam prestes a sair resolveram ficar no bar. A face de Laurient se encheu de gratidão e respeito por aquele homem. Ela o abraçou com força, mesmo ele tendo demonstrado desconforto quanto a isso.
— É muito bom quando alguém reconhece o seu trabalho, não é, Rerdram? — O fitou com raiva. — É exatamente dessa forma que todas as noites deveriam acabar.
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