Capítulo 21: O caminho de ferro
Foram até a sala do diretor, e ele, educadamente, abriu a porta e a segurou para que Lorelai passasse.
— Por favor, sente-se, senhorita Vorlanie. Esta é Helara, chefe de investigação, agente penitenciária e, a partir de agora, sua superiora. Ela será sua supervisora até que você suba de patente. Compreendeu?
Ela respondeu balançando a cabeça.
— Você me compreendeu? — O homem enrijeceu a voz.
— Perfeitamente, diretor.
— Aqui estão os documentos. Assine-os enquanto eu vou à sala ao lado.
Lorelai respirou fundo, soltando a tensão que pesava em seus ombros. A presença daquele homem era muito intimidadora para ela. A garota puxou os papéis para mais perto e começou a ler. Para cada palavra lida, seu rosto demonstrava espanto, e, antes que ela falasse, Helara tomou uma providência.
— Você não passou no exame… Na verdade, você nem poderia passar nele.
— O quê?
— Isso mesmo, você não passou no exame. O que esperava era que estivesse escrito “Aprovada no teste de admissão para investigadora assistente”, mas, em vez disso, você foi aprovada para trabalhar no departamento de homicídios e combater criminosos. Infelizmente, é a nossa única opção como “profanos”. Assine logo e venha comigo. — Ela a olhou de forma sádica.
“A saliva rastejou seca por sua garganta. “Como assim não passei no teste? Eles cometeram um equívoco? É alguma ironia?”
A postura de Helara se mantinha devidamente rígida e íntegra. A garota temia confrontá-la. Antes de abrir a boca para falar qualquer coisa, ela a instigou.
— Assine logo. Você não tem outra escolha. Se desistir, será demitida de qualquer forma e voltará para sua família com o peso da desonra nas costas. Não é um trabalho tão ruim assim. Aliás, você teve uma ótima pontuação na área das ciências exatas. Impressionante.
— Eu estudei e pratiquei tanto para tudo ser em vão… — Segurou a cabeça com as mãos.
— Relaxa. Antes que queira desistir, tente primeiro. — Tocou em seu ombro.
— Só me dê um segundo. — Fechou os olhos e começou a pensar sobre o assunto. — Tudo bem, não tem muito o que fazer mesmo. — Até alguns minutos atrás ela parecia desesperada, mas após abrir os olhos, pareceu decidida a aceitar seu destino.
A beirada do papel borrou um pouco devido à sua mão úmida de suor. Sem contar que a assinatura ficou um pouco torta, dado seu estado de nervosismo.
— Mas antes, irei te levar ao presídio. Precisa estar totalmente ciente com o que vai trabalhar.
“Seja bem-vinda ao caminho de ferro.” Ela soltou tal comentário com uma entonação tamanha, como se tivesse orgasmos a cada ecoar dos gritos dos prisioneiros. O ambiente era tão escuro quanto hostil. A garota nunca havia visto uma construção que utilizasse tanto metal. A segurança era indubitável, mas deixava o ar abafado e pesado. As janelas, com grades mais grossas que o cabo de uma lança, pareciam ficar a duzentos metros uma da outra.
— Você parece perfeita para este trabalho — Lorelai comentou.
— Ah, minha criança, eu fui feita para isso! É aqui onde torturamos, extraímos informações e prendemos os piores e mais cruéis detentos de Hiutan.
— Nem vou perguntar o motivo de tal nome.
— Por exemplo… — Abriu a cela de um dos prisioneiros. — Detento de terceira categoria. Dividimos em quatro categorias. Na primeira estão os mais perigosos. Não se esqueça dessa informação. — Ela colocou os pés sobre o rosto do prisioneiro. — Desertor, sete homicídios. Se virou contra os próprios aliados no meio da guerra. Supõe-se que estava sob controle mental, mas eu acredito que seja apenas um mero traidor. — Pisou mais forte, estalando o pescoço de sua vítima. — Mas e agora, valentão? — Soltou-o e cuspiu em seu rosto. Ele não reagia a nada. — Não passa de um capacho. Quer fazer as honras? — Apontou com a mão aberta para o homem.
Ele estava mais magro que um cão das ruas de Nounhill.
— Não… eu, não… — gaguejou, enquanto balançava o corpo.
— Ele não morde, criança. — A empurrou para perto.
“Vamos acabar logo com isso.” A garota apertou com força a sola do sapato em sua garganta. Helara parecia estar contente com isso.
“Que absurdo”, retrocedeu o passo.
— Não! por que parou? Continue… até que ele suplique por sua vida. — Disse a última frase com um tom grave em sua voz.
Ela apertava cada vez mais, mas aquele homem parecia já estar morto por dentro. Seu coração acelerou. Foi medo? Agonia? Eram tantos fatores. Ela não aguentou mais. Decidiu soltar aquele pobre coitado.
“Essa mulher é louca.”
— Que estranho… — Ela checou o pescoço do prisioneiro com dois dedos. — É, ele está morto mesmo. Mas foi uma bela demonstração. Pensei que iria vacilar.
“Esses olhos me dão nojo”, mordeu a língua ao cerrar os dentes.
— Vamos. Vou te mostrar a atração principal, o verdadeiro motivo de estar aqui.
— Vai deixar o cadáver na cela?
— Não é problema nosso. Quando vier outro prisioneiro, é só jogar aí dentro. Vai me dizer que sente pena deles?
— Não! Claro que não.
Voltando para aquele buraco interminável de grunhidos, elas andaram até parar em frente a outra cela. Os dedos de Helara deslizaram pela alavanca até certo nível, desativando-a. As correntes rugiam por trás da porta, preenchendo o coração de Lorelai com temor. Até que a abriu. Estava muito mais escuro que a cela do outro prisioneiro. Parecia que ninguém reunira coragem suficiente para acender uma só tocha dentro do cômodo. Entraram, e Lorelai se aproximou cada vez mais, até conseguir enxergar quem estava ali. Não havia nada além de uma jovem mulher acorrentada pelos dois braços, quase encostando os pés no chão. Nem uma cama, nem uma cadeira, sem janelas ou sequer um fardo de feno. Apenas ela e aquelas algemas que cobriam todo o seu antebraço, que, por sinal, eram exageradamente maiores que seus braços. Apesar de seu corpo robusto, havia uma face juvenil escondida atrás de seu enorme cabelo castanho-encaracolado.
— Melhor não chegar perto demais — Helara avisou.
Lorelai estava tão focada que saltou de medo por causa do comentário repentino da mulher, tropeçando e dando dois passos a mais, ficando de frente com o rosto da prisioneira. Ela abriu os olhos. Não, na verdade, arregalou-os muito bem. Aqueles enormes e belos olhos castanho-avermelhados. Tudo parecia estar em silêncio, até que a menina suspirou.
— Bu! — berrou no rosto de Lorelai, que caiu sentada no chão. A prisioneira soltou uma gargalhada que parecia estar presa há anos. — HAHAHAHAHAHAH! Essa foi boa. Aí, Helara, já disse que não como lixo.
— Essa não é de comer, Laurient. E pare de imaginar que está mordiscando minha subordinada.
— Niamh, Nhami. Argh, é tão magrinha que nem caberia no buraco do meu dente. Aarghn. — Abriu bem a boca. — “Qué” isso agora? Tá contratando gente fraca?
— Haha, é melhor não subestimá-la. Com um pouco de treinamento, ela seria capaz até de te deter — disse em tom irônico. — Serão as minhas armas! — Fechou as duas palmas da mão.
— Quem? A magricela? Ei! Sua idiota! Só eu sou a arma aqui, falou? Não fica no meu caminho!
— Perfeito, já estão até compactuando. — Sorriu com os olhos em uma expressão singela.
“Pelas barbas de Hornnek, o que está acontecendo aqui?”
— Como pode ver, esta é Laurient. Ela é uma antropófaga. Estou fazendo alguns testes psicológicos e ela está reagindo de forma favorável. Ainda preciso fazer uns ajustes em sua personalidade, ela está muito caótica. Talvez isso leve dois ou três meses… Bem, só te trouxe para conhecê-la e entender a situação. Por ora, será só isso. — Fingiu um falso abraço. — E se tentar contar alguma coisa para alguém…
— Aí, Helara, não vai achando que vou devorar menos criminosos só porque alguns idiotas vão ficar de babá. — Balançou as correntes, tentando apontar o dedo.
— É o que veremos. Até amanhã, Laurient. — Fechou a porta, olhando para o vazio da cela. Ela se virou para Lorelai e o semblante em seu rosto mudou totalmente. — A maleta… o que tem dentro?
Ergueu o braço para longe. — Você não precisa saber. Apenas me mande fazer o trabalho, que eu o executarei. — Começou a caminhar para ir embora.
— Aposto que são frascos com algum fluído, uma poção talvez. Estou certa? — Ela fechou os olhos com um sorriso arrogante no rosto.
Lorelai parou. Por um momento, a tensão arrepiou os pelos do braço da garota, e ela esqueceu como respirar. “Como? É algum truque? Uma adaptação? Mas se ela sabe o que há na maleta, então…”
Um brilho surgiu nas costas de Lorelai, como se houvesse alguma mancha distorcendo a luz em volta. Algo parecia estar tomando forma, como se tivesse algo ali nas costas da garota. Helara chegou mais perto e tentou socar a menina por trás. Ela se virou e fechou os olhos antes, desviando com uma precisão inigualável. — Deixa eu tentar adivinhar: seus olhos possuem alguma relação com sua morfose, correto? Mas as poções… ainda não consegui encaixa-las nesse cálculo.
— Está espionando minha vida?
— Eu? Eu não… Sua família pode ter tentado ocultar sua morfose do resto da sociedade, mas nem a nobreza escapa dos olhos do governo de Vallendrea. Talvez exceto os Destadt, mas isso já está para mudar. Você e vários outros estão nos registros do departamento, dispersos e livres. Mas basta um movimento falho, e prenderemos qualquer um que se considere acima da lei, tenham nascido com habilidades privilegiadas ou não. Acho que entendi… Intrigante como seu bichinho te persegue, não importa para onde vá. Sabe por quê?
Ela entrou em choque. Fechou os olhos e pensou: “Ela descobriu assim tão facilmente.”
— Não. E mesmo que eu descubra, não irei te contar. O que você planeja com aquela prisioneira?
— O mesmo que a maioria: poder, riqueza, uma posição mais alta no departamento — disse enquanto limpava as unhas. — A Laurient é uma das guerreiras mais fortes que já vi em combate. Se eu conseguir manipular sua mente, ela se tornará a arma perfeita para eliminar qualquer criminoso desta cidade. É uma peça-chave no tabuleiro, e ela é a rainha.
— E quem seria o rei?
— Eu, é claro!
Ainda no corredor, Lorelai colocou a maleta no chão e a abriu, comprovando a hipótese de Helara.
— Em que momento olhou dentro da maleta? — perguntou a garota enquanto mexia nos frascos.
— Na verdade, foi só um palpite bem plausível. Como ela esconderia uma criatura e por que carregar uma maleta tão pesada? Certamente não seriam roupas.
Ela jogou um dos frascos para dentro da boca do cristalizador que estava em suas costas. A criatura mastigou junto com o vidro, tornando a camuflagem mais forte aos poucos. Era uma criatura reptiliana, com escamas revestidas por cristais.
— De qualquer forma, vir para esta lugar não estava em meus cálculos. Uma hora ou outra, o efeito iria cessar e você descobriria.
— Intrigante! Como isso funciona?
— É cilívium, obtido ao realizar a redução de um ácido orgânico de plantas em um mineral rochoso de garmântilo. Quando entra em contato com os cristais de Sharny, gera uma reação que modifica os minerais das escamas, deixando-os tão perfeitos quanto espelhos. Foi como Adam me explicou.
— Mas ainda dá para perceber um pouco.
— É apenas um protótipo. Isso serve para evitarmos chamar atenção, não para tornar o Sharny em uma arma — disse, fechando a maleta.
— Você é toda sem graça, senhorita Vorlanie. Enfim, vamos voltar para o departamento. Vou deixar você esfriar a cabeça; é o mínimo que posso fazer por todo esse desentendimento. Aliás, você deveria estar grata. Sem meu envolvimento, estaria em casa se esperneando, e seus familiares estariam decepcionados com seu resultado — arqueou os braços.
— Sim… Eu entendi — bufou.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.