Cuspindo sangue e levando a mão ao rosto, o garoto se recompôs e se sentou, não vendo outra alternativa.

    — O que você quer saber? — perguntou ele, com a voz falha.

    — Bom. Muito bom, agora você entendeu — disse Glartak, se aproximando. — Como se chama este mundo?

    O garoto olhou para o Goblin Tirano, confuso com a pergunta. Mas, considerando que aquele monstro parecia ter desenvolvido inteligência, pensou em algo que ouvira quando criança, mas não acreditara, pois não passava de histórias. Deduziu que fosse apenas curiosidade.

    — Se chama Orion.

    — Orion…

    — Estamos no território de Elvar, o maior reino humano.

    — Pra onde vocês estavam levando eles?

    Glartak apontou com a cabeça para os goblins capturados.

    Dessa vez, o garoto hesitou antes de responder.

    — Eles… como eu disse antes… os capturam. Usam como escravos em minas… ou como atração em arenas. Jogam contra monstros, cães… até humanos. Os nobres apostam e riem. E não são só goblins. Outros tipos de monstros também.

    — Existem monstros como eu?

    — Não… com certeza não — respondeu o garoto, pensativo antes de falar sobre o que refletira na primeira pergunta. — Existe uma lenda… contada às crianças antes de dormir. Há muito tempo, existiam três raças. Embora não fossem aliadas, coexistiam. Cada uma tinha seu território: os humanos, os elfos… e os monstros.

    Ele fez uma pausa, ponderando se devia continuar. Mas seguiu.

    — Os humanos eram fracos fisicamente, mas numerosos e inteligentes. Os elfos eram nobres e reclusos, abençoados pela magia. E os monstros… viviam espalhados, nas florestas e desertos. Não eram organizados nem inteligentes. Agiam por instinto, atacando esporadicamente. Mas, com o tempo, começaram a mudar. Passaram a construir acampamentos, depois vilas, até formarem algo parecido com cidades humanas. Ficaram mais organizados… mais inteligentes.

    Glartak ouviu em silêncio, atento.

    — Isso começou a assustar os humanos. Eles eram o reino mais fraco. O medo cresceu. Começaram a reforçar fronteiras, treinar soldados. Daí vieram os primeiros despertos… humanos que começaram a manifestar habilidades e magia. Escolas foram criadas para ensinar aqueles que ainda não haviam despertado, para que mais surgissem e ficassem fortes.

    O garoto fez uma pausa, respirou fundo. Vendo que Glartak mantinha o interesse, continuou.

    — Anos depois, descobriram que monstros não precisam treinar como humanos. Eles evoluíam. E a cada evolução… se tornavam muito mais fortes. Não só fisicamente, mas também intelectualmente. Começaram a aparecer monstros que falavam. Até um rei foi identificado.

    Ele engoliu em seco antes de prosseguir.

    — Os humanos investigaram e ficaram surpresos. Onde antes havia florestas e desertos, agora havia cidades. Eles estavam organizados, fortes… inteligentes. Tinham um líder. Os elfos, como sempre, permaneceram neutros, isolados no território ao sul.

    O tom do garoto ficou mais sério.

    — Mas então aconteceu. Um grupo de aventureiros humanos foi massacrado. Seus corpos pendurados em árvores, cabeças cortadas, alguns sem membros… marcas de garras. Aquilo foi o estopim. A guerra começou. Os elfos foram pressionados a escolher um lado… e se aliaram aos humanos.

    Glartak se manteve imóvel, ouvindo cada palavra.

    — O primeiro rei humano, Edric, e o rei élfico, Elandor, marcharam juntos contra os monstros. A batalha foi brutal. Incontáveis vidas foram perdidas. O rei dos monstros… ninguém sabe exatamente que criatura era. Mas dizem que era absurdamente forte. Usava magia e habilidades. Seus generais também eram poderosos. Às vezes, dois cavaleiros humanos eram necessários para enfrentar um único general.

    — E os elfos?

    — Os arcanos e guardiões élficos participaram. Foi isso que virou a maré. Com o tempo, os aliados começaram a tomar vantagem. Edric e Elandor, juntos, conseguiram matar o rei dos monstros. Depois disso, uma verdadeira cruzada aconteceu e os monstros foram aniquilados. Varridos do mundo.

    O garoto suspirou, o olhar perdido, como se estivesse vivenciando os acontecimentos narrados.

    — Os elfos se recolheram outra vez. Os humanos tomaram os territórios. Monstros voltaram a habitar as florestas, não se sabia como surgiram novamente… mas eram caçados. De tempos em tempos, exércitos eram enviados para eliminar alguns e controlar a população. Eles buscavam sinais de inteligência… porque bastava uma faísca… e tudo poderia começar novamente.

    Ele parou por um momento e completou com um sorriso fraco:

    — Mas com o tempo as coisas foram mudando… E hoje dizem que tudo isso não passa de uma história para fazer as crianças dormirem.

    Glartak, ainda absorto por tudo que foi falado, olhou para o garoto, pensando no que fazer com ele. “História interessante. Mas com certeza tem algo faltando… humanos que fazem o que foi feito hoje aqui não podem ser os heróis retratados nessa história”, pensou ele.

    — Sabe… Desde que cheguei a este mundo, já tendo vivido uma vida como humano, achei que devia temer os monstros. Mas eu estava enganado. Nada mudou — nem na minha vida anterior, nem nesta. Humanos… sempre os humanos. Eu já fui um, mas não sou mais.
    Por ser um monstro, agora estou sujeito a ser escravizado, morto e humilhado, tudo ao bel-prazer de vocês. Vocês massacram, dominam, abusam de tudo que é mais fraco ou que ameaça fugir do seu controle.
    Mas saiba de uma coisa…

    Glartak se agachou diante do humano. Sua voz era serena, calma. Seus olhos eram como duas pedras de gelo cravadas em carne bruta.

    — Eu sou a calmaria antes da tempestade. Aceito o que sou, e aceito o meu destino. Obrigado por compartilhar sua história comigo.

    O garoto o encarava, paralisado — medo e confusão estamoavam seu rosto. Havia algo profundamente errado — ou certo demais — na expressão do goblin. Um olhar calmo… calmo demais. O olhar de alguém que estava prestes a mudar tudo.

    Mas antes que pudesse reagir, pensar ou sequer formular alguma pergunta, tudo escureceu.

    Por um breve instante, ele ainda viu seu próprio corpo, imóvel, sentado onde estava.

    Sem cabeça.

    A última imagem que seus olhos captaram antes de sua consciência se apagar foi o olhar frio e vazio do Goblin Tirano — encarando-o como se nem fosse mais um ser vivo, apenas parte da paisagem.

    — Comam.

    Glartak disse isso e foi em direção à saída da caverna sem se preocupar em olhar para trás. Seu ombro ainda o incomodava, mas ele precisava levar comida ou os goblins que ainda restavam iam morrer. E, nesse momento, ele precisava deles — principalmente das fêmeas — para criar novos goblins e dar início ao que almejava.

    Quando o sol já estava perdendo o brilho, Glartak voltava, arrastando dois Verelgor pelos chifres em direção à caverna. Assim que chegou, notou que o corpo que deixou já não existia mais. Os goblins olharam para ele, mas rapidamente desviaram o olhar para os animais mortos, com olhos brilhando de fome. Ele os jogou na direção deles.

    Eles não hesitaram e rapidamente foram em direção aos cadáveres, começando a devorar. Vendo isso, Glartak balançou a cabeça e foi sentar na porta da caverna. Já estava escuro, mas ele enxergava muito bem. “Como será que Primal está se saindo?”, pensou. Havia muitas coisas na mente dele naquele momento, mas o cansaço bateu, e ele dormiu ali mesmo.

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