Glartak acordou na manhã seguinte. Seus olhos se abriram lentamente, ainda pesados pelo cansaço do dia anterior, mas sua mente já trabalhava. A imagem do orc, o peso em seus ombros, os olhares famintos dos goblins… tudo voltava como pensamentos intrusivos.

    Sentou-se, respirando fundo. Seu corpo já havia se curado graças à Regeneração Bruta, mas havia algo que as habilidades que o sistema forneceu não conseguiam curar: a frustração.

    Levantou-se devagar, esticando os músculos. Ao olhar para os goblins espalhados pela caverna, apenas suspirou. Alguns ainda dormiam como se não houvesse ameaça no mundo. Outros estavam acordados, mas imóveis. Olhos vazios, sem brilho, sem propósito. Como carne esperando para apodrecer.

    — Vocês não vão durar muito assim…murmurou, decepcionado.

    Não disse mais nada. Apenas saiu.

    O sol mal havia tocado o topo das árvores quando Glartak adentrou a floresta, desta vez na direção oposta à de ontem. Evitaria a trilha dos orcs. Já havia conseguido muito dali e não queria arriscar encontrar outro orc, talvez até mais forte. Agora seu foco era um só: caçar e evoluir. Não voltaria até alcançar seu objetivo.

    A floresta parecia respirar com ele. O ar era fresco e úmido, carregado com o cheiro de terra molhada e folhas que desfaziam sombre seu pés. As árvores eram colossais, suas copas tão altas que quase escondiam o céu. Troncos cobertos de musgo se erguiam como pilares, e cipós desciam de galhos espessos, balançando suavemente ao toque do vento.

    Passou por riachos cristalinos e clareiras. A vegetação era densa, mas não sufocante. Alguns cogumelos brotavam entre as raízes das arvores, e insetos grandes, quase do tamanho da palma da sua mão, zumbiam preguiçosamente por entre os arbustos. Mas não era hora de se distrair.

    — Status — murmurou, enquanto continuava a caminhar.

    Nome: Glartak

    Raça: Goblin Tirano

    Habilidades:

    Sombra Predatória

    Arremesso Preciso

    Domínio Cruel

    Sangue Impiedoso

    Regeneração Bruta

    Subordinados: 1

    Exp: 9.824 / 20.000

    A primeira coisa que notou foi o aumento considerável nos pontos de experiência. Dois mil a mais após ter matado o orc. Um inimigo digno, sem dúvidas. Ainda assim, nada mais havia mudado no sistema.

    Nenhuma nova opção. Nenhuma notificação diferente. Nenhuma recompensa especial.

    Glartak franziu a testa.

    — Porcaria de sistema… — resmungou, irritado, fechando a tela com um tapa.

    Ele ainda nutria uma esperança de que o sistema fosse algo mais — uma inteligência guiando-o, quem sabe até um mestre oculto com respostas. Mas agora percebia. O sistema era só uma ferramenta fria, automatizada, sem empatia ou julgamento. Não havia atalhos. Não havia ajuda.

    Tudo dependeria dele.

    Continuou sua jornada floresta adentro. Mais de duas horas se passaram.

    Viu coelhos selvagens correndo entre as moitas. Um grupo de Verelgors se alimentava de frutas numa clareira distante. Criaturas pequenas, comuns, e inúteis para seu objetivo. Fugiam ao menor som. E mesmo quando pensava em persegui-los, sentia que seria perda de tempo e energia.

    Mas então, depois de mais alguns minutos algo mudou.

    Um som.

    Não era um ruído leve como passos pequenos ou galhos quebrando casualmente. Era pesado e forte. O som de terra sendo pressionada. Um ritmo lento e pesado, como batidas de um tambor.

    Glartak congelou. Ativou sua habilidade Sombra Predatória imediatamente e se escondeu entre as raízes grossas de uma árvore. Respirou devagar e seguiu, movendo-se em silêncio.

    E então o que viu o deixou assustado. E por um instante… ele até hesitou.

    Era um urso. Mas dizer isso era um insulto. Não era um urso comum, o certo seria ser chamado de monstro.

    Seu corpo era gigantesco — não grande como os outros monstros que Glartak havia lutado, era até maior que o orc. Como uma estátua feita de músculo e pelos espessos, sujos de terra, cobertos de cicatrizes e musgo. Cada passo que ele dava afundava o chão, como se a floresta abrisse espaço para ele passar.

    Nada nele era exagerado. Tudo era absoluto.

    O pescoço era grosso como um tronco, os ombros pareciam moldados em pedra viva, e as patas… as malditas patas… carregavam garras negras tão longas e afiadas que Glartak soube — se fosse atingido, não restaria nada além de pedaços.

    Mas o que mais o marcou… foram os olhos.

    Olhos escuros, afundados num olhar sem pressa, sem emoção, sem raiva, sem sinal algum de qualquer sentimento.

    Aquela coisa estava ali como um rei, sem se preocupar com nada. Provavelmente era um monstro temido por outros e dominava aquele território.

    E mesmo assim… mesmo com o estômago revirando e a pele formigando, Glartak não recuou.

    Porque ali, diante dele, não estava apenas um inimigo.

    Estava a certeza de que, se pudesse derrubar aquele monstro… Ele estaria mais próximo da sua próxima evolução.

    < Ursarok >

    Descrição:

    Um urso enorme, com mais de três metros de altura quando se ergue sobre as patas traseiras. Seu corpo é coberto por uma espessa camada de pelos amarronzados, grossos como cordas retorcidas, tão resistentes que funcionam como uma armadura natural


    A mente de Glartak dizia para sumir dali o mais rápido possível. Mas algo dentro dele gritava mais alto — instinto, talvez adrenalina. ” Qualquer armadilha que eu pense não vai funcionar contra essa coisa. Nenhum troque. O único jeito é enfrenta-lo de frente” pensou.

    E ele sorriu.

    — Vamos ver se você é tudo isso mesmo…

    Saltando das sombras, correu em direção ao urso. Sua intenção era penetrar com suas garras numa parte do pescoço onde havia uma cicatriz larga, ali seria o ponto mais exposto e provavelmente fácil de penetrar na pele.

    Mas assim que se aproximou, a fera se virou com uma velocidade absurda para algo do seu tamanho. O movimento foi tão repentino que Glartak mal teve tempo de entender o que aconteceu. A pata do monstro passou a poucos centímetros do seu rosto, cortando o ar com um som seco. Ele se lançou para o lado, rolando sobre a terra úmida e tentando manter distância.

    — Rápido demais… — murmurou, com o peito arfando.

    O Ursarok se ergueu sobre as patas traseiras, revelando toda sua imponência. Era enorme, uma muralha viva. Mais de três metros de altura em pé sobre as patas. Glartak engoliu seco. Suas pernas tremiam, mas não de medo. Era adrenalina pura queimando como fogo.

    O monstro rugiu — um som alto e profundo, que fez os pássaros da floresta fugirem em debandada. E então correu.

    Glartak tentou desviar, mas foi como tentar escapar de uma avalanche.

    A pata colossal o atingiu no ombro com força. Um estalo seco se seguiu do som de carne rasgando. O corpo de Glartak voou como uma boneca de pano, colidindo contra uma árvore. O impacto foi tão forte que a casca do tronco rachou.

    Ele caiu no chão com o braço pendendo inutilmente ao lado. O sangue escorria em filetes pela pele esverdeada, e seus olhos se contorciam de dor.

    “Merda… tenho que fugir…”, pensou, se levantando com dificuldade e olhando ao redor procurando uma maneira de escapar.

    Mas ele não tinha tempo.

    O Ursarok vinha novamente. Seus passos faziam a terra tremer. Glartak rolou para o lado no último segundo, evitando uma mordida que teria arrancado metade de seu corpo. A mandíbula da criatura cravou no solo, arrancando terra e pedras.

    Glartak se arrastou, ofegante, o braço inutilizado latejando como se estivesse em chamas. Usou as raízes próximas para se levantar, cambaleando.

    O Ursarok se virou para um novo ataque, Glartak já com uma dor insuportável, por puro instinto de sobrevivência saltou em direção ao urso com um grito ensandecido. Usou as costas do monstro como apoio, fincando a garra do braço ainda utilizável no ponto onde os pelos eram menos densos e tinham algumas cicatrizes— bem atrás da orelha. A criatura rugiu de dor e girou o corpo violentamente, lançando Glartak longe mais uma vez.

    O goblin bateu contra o chão e rolou diversas vezes até parar numa poça de lama. Sangue jorrava da laceração profunda no braço, e provavelmente havia quebrado uma ou duas costelas.

    Ele tentou se levantar, mas as pernas falharam. O mundo girava. Sua visão turvava. A dor era insuportável.

    “Não vou morrer aqui…”, pensou, cuspindo sangue.

    Mas ele sabia. Um segundo golpe como aquele e seria o fim.

    Glartak olhou ao redor. Precisava fugir. Agora.

    Com dificuldade, ativou novamente Sombra Predatória. Seu corpo se fundiu às sombras das árvores próximas, e mesmo ferido, começou a se arrastar, silenciando o máximo possível sua respiração.

    O Ursarok se aproximou do local onde ele estivera, farejando o ar. Rugiu, frustrado, mas não perseguiu. A ferida causada por Glartak parecia incomodá-lo. Após olhar mais algumas vezes buscando pelo inimigo, desistiu, virando-se para desaparecer lentamente pela mata, como se não valesse mais sua atenção o que acabara de acontecer.

    Glartak só emergiu muito tempo depois, cambaleante, quase desmaiando.

    Mal conseguiu caminhar até uma árvore oca, onde se arrastou para dentro e ali caiu de lado, a ferida aberta palpitando com cada batida do coração.

    Ele falhou. Falhou miseravelmente.

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