Capítulo 18- Dor Não Mata
Cada passo era uma batalha. A luz do dia filtrava-se por entre as árvores altas, criando sombras dançantes no chão úmido da floresta. Glartak mancava, o corpo torto, o braço esquerdo ainda inútil ao lado do corpo, como se não mais lhe pertencesse. O direito se agarrava a cada tronco próximo para apoiá-lo.
A dor era constante, martelando sem piedade. A ferida no braço havia parado de sangrar e começava a fechar, mas a dor persistia — surda, insistente, como um prego sendo cravado devagar na carne. Mas ele não parava.
Não podia.
Se parasse, morreria.
O chão irregular o fazia tropeçar constantemente. Já havia caído três vezes. Na última, bateu a cabeça numa raiz exposta. O sangue escorreu devagar pela têmpora, quente e espesso, mas Glartak não sentiu nada além de mais cansaço. A exaustão o envolvia como uma névoa densa, apagando tudo — até mesmo o medo.
A floresta parecia viva. Cada estalo, cada farfalhar, soava como um alerta. Em qualquer momento, algo poderia atacá-lo. E Glartak, que já enfrentara monstros, orcs e humanos, agora temia até mesmo um coelho selvagem. Não por covardia, mas por plena consciência: não tinha forças para se defender. Agora, ele era a caça, não o caçador.
A fome apertava o estômago como uma garra invisível. Não lembrava da última vez que comera. Já vagava por algum tempo. Precisava de qualquer coisa. Carne, raiz, carniça.
O orgulho já havia sido devorado há muito tempo. Restava apenas a vontade crua e desesperada de continuar respirando.
Foi então que viu algo entre os arbustos: o corpo de um animal — um lagarto, grande demais para ser apenas um réptil comum. Estava morto, com marcas de dentes espalhadas pelo corpo. A carne enegrecida começava a apodrecer, liberando um odor pestilento que enchia o ar.
Glartak se aproximou cambaleante, ajoelhando-se com esforço. O cheiro era horrível, quase sólido. Moscas zuniam em frenesi, mergulhando nas feridas abertas. Ele hesitou. Mas lembrou-se — sua primeira refeição naquele mundo também havia sido imunda. Crua. E agora… não havia escolha. Era aquilo ou morrer.
Enterrou os dentes na carne fria e pútrida, quase vomitando ao primeiro contato. Um gosto azedo e amargo preencheu sua boca, a bile ameaçou subir pela garganta. Mas continuou. Mordida após mordida, forçando cada pedaço garganta abaixo, ignorando a textura viscosa e o gosto de podridão. Lágrimas escorriam, quentes e involuntárias, por seu rosto sujo.
Não era mais sobre orgulho.
Era sobre viver.
Com o estômago parcialmente saciado e a mente um pouco mais clara, seguiu adiante. Cada passo guiado apenas pelo instinto. As árvores começavam a rarear. E então, entre pedras cobertas de musgo, ele ouviu.
Água.
O som era baixo, como um sussurro — mas inconfundível. Cambaleou em sua direção. Cada raiz parecia uma armadilha, cada arbusto um obstáculo. Mas ele chegou.
Um riacho de águas cristalinas serpenteava entre as pedras. Glartak caiu de joelhos à margem, mergulhou o rosto e bebeu com avidez. A água era fria e pura. Como se estivesse bebendo vida. Lavou parte do sangue seco do rosto, limpou as feridas que conseguiu alcançar com o braço direito.
Deitou-se de lado na grama úmida. O céu, visível entre as copas, era de um cinza pálido. Talvez amanhecesse, talvez anoitecesse. O tempo havia perdido o sentido.
Respirou fundo. O mundo ainda era dor, mas algo mudara: havia foco agora.
— Eu sobrevivi hoje… — murmurou, olhando para o céu. — E amanhã… eu vou caçar.
Três dias se passaram desde que encontrara o riacho.
Glartak agora espreitava por entre os arbustos, com a habilidade Sombra Predatória ativa. Os olhos estavam fixos no Verelgor à sua frente — um réptil ágil e feroz, mas naquele momento distraído e confiante, achando-se sozinho naquele canto esquecido da floresta.
A dor constante havia cessado. O braço esquerdo ainda permanecia inativo, mas o restante do corpo respondia melhor. A precisão voltara. O foco também.
Saltou da sombra com exatidão. O Verelgor não teve tempo de reagir. Glartak cravou as garras no pescoço da criatura, rasgando a carne escamosa com brutalidade. A luta foi inexistente — um golpe limpo, rápido e letal. O sangue quente jorrou sobre sua pele, e ele nem piscou. Com o corpo da presa aos pés, alimentou-se.
Depois, retornou ao abrigo improvisado — um emaranhado de raízes grossas entrelaçadas acima do solo. Não era confortável, mas era seguro.
Ali, sentado no fundo, o cansaço o envolvia. Mas sua mente seguia inquieta. Pensava na caverna onde havia despertado. Parte dele odiava a ideia de voltar. Mas estava ficando sem opções.
Cerrando os punhos, frustrado com sua estagnação, sentiu algo.
Um leve tremor.
Como se músculos há muito dormentes finalmente despertassem.
O braço esquerdo, antes imóvel como madeira morta, tremeu. Um espasmo fraco, quase imperceptível… mas real. A sensação era estranha — como formigas rastejando sob a pele rígida. E então, um som familiar ecoou em sua mente. Um som que não ouvia havia tempo: o som do Sistema.
< Regeneração Bruta evoluiu para Regeneração Instintiva >
Descrição:
Seu corpo atingiu um novo patamar de adaptação. A cura deixou de ser uma reação pós-batalha e passou a ser um processo automático, ativado pelo próprio instinto de sobrevivência. Feridas começam a se fechar mesmo em meio ao combate, e o corpo se recupera continuamente, desde que esteja vivo.
Efeitos:
Cura contínua e lenta, mesmo durante o combate.
Em repouso ou durante o sono, a regeneração acelera consideravelmente.
Pode curar ferimentos profundos, cortes, perfurações e fraturas leves com o tempo.
Não regenera membros perdidos ou órgãos destruídos.
A regeneração interrompe-se parcialmente se o corpo estiver à beira da morte ou sob efeitos extremos como venenos raros, fogo mágico, etc.
Glartak soltou um suspiro rouco.
— Sistema maldito… parece que gosta de me ver à beira da morte. Da primeira vez, quase fui dilacerado por uma matilha de lobos. Foi quando Instinto de Emboscada evoluiu para Sombra Predatória…
Fez uma pausa. Observou o braço trêmulo.
— Mas dessa vez… eu admito. Devo agradecer. Ao que parece, para que uma habilidade evolua, preciso estar à beira da morte — ou levá-la até o limite.
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