Os dedos do braço esquerdo se moveram. Primeiro, um espasmo leve. Depois, uma contração quase coordenada. Glartak observou com olhos semicerrados, como se temesse que fosse uma alucinação. Mas não era. Era real.

    Em dois, talvez três dias, o braço esquerdo voltaria a responder por completo. A pele ainda estava marcada por feridas mal cicatrizadas, mas a habilidade estava cumprindo seu papel.

    Com paciência, testou mais uma vez. O polegar respondeu — lento, mas obediente. O indicador também. Uma dor profunda ainda latejava por toda a extensão do membro, mas já era algo para deixá-lo feliz. Era a dor de algo melhorando.

    — Mais alguns dias… — murmurou, um leve sorriso se formando. — Vai voltar.

    Seu braço voltaria. E com ele, seus planos também.

    Durante dias, havia sido apenas um animal acuado, sobrevivendo no limite. Mas agora, com a lucidez se reerguendo em sua mente, começava a pensar com clareza outra vez. E com a clareza, voltou a pensar em evoluir.

    Mas junto a esse pensamento veio também a indignação. Aquele maldito sistema não premiava os cautelosos. Não concedia poder aos que evitavam o perigo. Era cruel e perversa a forma de desbloqueio de recompensas.

    — Não basta lutar… — rosnou, encarando a mão ainda trêmula. — Tem que sangrar por isso. Tem que quase morrer.

    Glartak cerrou os dentes ao se lembrar. A evolução para Sombra Predatória veio quando quase teve as tripas arrancadas pelos lobos. E agora, com o braço pendendo como madeira podre, ganhou a Regeneração Instintiva.

    Parecia uma regra: só recebia algo quando já havia perdido demais.

    Mas ele faria isso. De novo, se fosse necessário. Porque agora havia mais do que dor dentro dele. Havia vontade.

    Então, ouviu.

    Um som quebrando a paz inexistente da floresta. Seco. Contundente.

    Galhos sendo quebrados.

    O instinto gritou em sua mente como um trovão.

    Em um movimento reflexo, Glartak encolheu o corpo o máximo que conseguiu e ativou Instinto de Emboscada. Sua respiração cessou por um instante. Seu corpo assumiu a imobilidade total, como se se tornasse parte da vegetação.

    O som se repetiu. Passos pesados. O chão vibrava com cada passo. Galhos sendo quebrados, troncos vergando, terra sendo esmagada sob um peso absurdo. Algo imenso se aproximava, cada passo um presságio de morte.

    Então ele viu.

    O Ursarok que enfrentara dias atrás parecia agora um filhote diante da coisa que surgia entre as árvores.

    A criatura surgiu por entre as sombras da floresta. Era enorme — mais de três metros de altura, talvez quatro. A pele era de um tom acinzentado e espessa como couro velho, cheia de calombos e cicatrizes antigas. As mãos desproporcionais pendiam pesadas, quase até os joelhos. As unhas eram negras, grossas como garras de aço. Os olhos, pequenos e fundos, passavam uma sensação estranha de inteligência bruta. Mas era o nariz largo e constantemente em movimento que mais preocupava.

    A coisa estava farejando.

    O rosto da criatura era deformado, como se tivesse sido moldado por mãos impiedosas e descuidadas. Duas presas surgiam do maxilar inferior, pontiagudas. Os cabelos eram ralos e desgrenhados, colados ao couro cabeludo em tufos imundos.

    Glartak não fazia ideia do que era aquilo, até que a tela do sistema apareceu à sua frente:

    < Troll da Floresta >

    Descrição: Uma criatura selvagem e primitiva das regiões densas das florestas. Possui pele grossa, verde-acinzentada e enrugada, com músculos salientes e dentes afiados. Seus olhos pequenos contrastam com o tamanho colossal do corpo, revelando sua natureza instintiva e pouco inteligente. O Troll da Floresta é guiado pela fome e pela raiva, atacando tudo que se move. Enfrentá-lo sozinho é um risco extremo.

    Algo em seus instintos dizia que aquele monstro era um predador de verdade. Não como os animais que havia enfrentado até agora. Isso era outra coisa, outro nível de periculosidade. Mais cruel.

    O troll parou a poucos metros do abrigo. As narinas inflaram com força, e o rosto se virou em direção às raízes.

    Glartak sentiu o coração errar uma batida.

    A criatura se abaixou. Começou a farejar ao redor das raízes entrelaçadas que formavam o abrigo. Seu focinho quase encostava na entrada. Os olhos opacos, sem brilho, pareciam mirar direto nele.

    Prendendo a respiração, Glartak começou a se arrastar com movimentos de uma serpente ferida. Centímetro por centímetro, evitando folhas secas, desviando de gravetos como se fossem armadilhas mortais. Sua vida dependia do silêncio absoluto.

    A pata monstruosa do troll subiu, grossa e pesada, e então desceu. Um estrondo abafado ecoou quando ele pisou sobre as raízes onde Glartak estivera deitado minutos antes. O chão tremeu. O abrigo cedeu um pouco sob o peso.

    “Se eu não tivesse me arrastado”… eu teria virado pasta agora, pensou, o suor frio escorrendo pela testa.

    O pé do troll ficou preso por um instante. As raízes cortaram sua carne como lâminas naturais. Mas ele sequer reagiu. Quando puxou o pé de volta, Glartak viu — horrorizado — os ferimentos se fechando rapidamente, a pele se regenerando diante de seus olhos.

    Regeneração. Natural. Imediata.

    “Sistema… você não podia ter me dado algo assim?”, amaldiçoou em pensamento.

    Sem fazer barulho, continuou se arrastando para fora, movendo-se devagar por entre a vegetação úmida.

    O troll continuava seguindo… como se soubesse. Como se sentisse o cheiro do medo. Seus movimentos eram lentos, mas constantes. Como uma máquina de destruição viva.

    Glartak pensava. Pensava rápido.

    “Talvez”… pensou. Talvez aquele cheiro seja mais forte que o meu.

    Mudou sua rota. Arrastou-se por entre arbustos, evitou galhos, rastejou por lama e folhas em direção ao cadáver.

    O troll continuava seguindo. Arrebentando troncos. Derrubando galhos. Os sons da floresta fugiam diante dele. Cada passo era um trovão.

    O cheiro do Verelgor começou a se intensificar. Glartak alcançou a clareira onde o havia abatido. O cadáver ainda estava lá, meio coberto por insetos e lama.

    Passou por ele, sem parar, sem olhar para trás.

    E então… O som cessou.

    Virou-se, devagar.

    O troll estava parado diante do cadáver do Verelgor. Abaixou-se. Farejou. Depois, como uma criança faminta, começou a devorar a carne com as mãos, rasgando o corpo já apodrecendo com facilidade animalesca.

    Glartak não perdeu tempo.

    Continuou se afastando, o mais silenciosamente possível, até estar longe o bastante para correr. Só então permitiu que o corpo colapsasse contra uma árvore. Respirava pesadamente, a mão trêmula, o rosto coberto de suor e sangue seco.

    — Droga, a morte parece querer me buscar nesta vida também… — sussurrou entre os dentes, ofegante. — Quase morri por essa monstruosidade…

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