Capítulo 20- Péssima Idéia
Glartak permaneceu imóvel por longos minutos. O coração, ainda acelerado, parecia uma fera tentando escapar do peito. Respirava com dificuldade, como se cada inspiração fosse uma batalha contra o próprio corpo. Apenas depois de muito tempo conseguiu se erguer; os músculos, ainda tensos, protestavam a cada movimento.
Aos poucos, o tremor cessou.
O silêncio que agora pairava na floresta era inquietante. Nenhum som de pássaros. Nenhum farfalhar de folhas. Como se até a vida tivesse se escondido da presença daquele troll.
— Isso não foi sorte — pensou, com os olhos fixos no vazio. — Foi por pouco demais. Um passo em falso… e eu não estaria mais aqui.
A sensação de impotência corroía seu interior. Por mais que tivesse sobrevivido, não era vitória. Era um lembrete cruel: não bastava estar vivo. Precisava ser forte. Urgentemente.
Até pouco tempo atrás, Glartak acreditava que os humanos eram sua maior ameaça. Mas agora começava a entender. A floresta em si era um campo de guerra silencioso, onde criaturas famintas e monstruosas disputavam o direito de continuar existindo.
— Se esse lugar abriga um troll… o que diabos está escondido nas sombras que ainda não vi? — pensou, sentindo um calafrio subir pela espinha.
Mal havia explorado talvez nem cinco por cento da floresta — talvez nem isso. E cada passo em direção ao desconhecido parecia trazer monstros mais fortes, mais cruéis. Era como se a floresta testasse seus limites, querendo ver até onde ele aguentaria antes de ser esmagado.
E agora, nem abrigo possuía.
A noite caiu de forma abrupta, trazendo com ela o frio úmido e o canto agourento dos insetos. Ele procurou por mais raízes expostas, troncos ocos, qualquer espaço que pudesse servir de refúgio. Mas não encontrou nada.
Sem opções, decidiu tentar algo ousado.
Avistou uma das árvores maiores, o tronco grosso como uma muralha e os galhos altos se estendendo como braços gigantescos. Com dificuldade, começou a escalada. Cada puxada exigia força e precisão, ainda mais com um dos braços só parcialmente funcional.
Escorregou duas vezes. Na terceira, por pouco não caiu de uma altura que o mataria. Mas conseguiu. Encontrou um galho grosso o suficiente para suportar seu peso e ali se acomodou.
A posição era desconfortável, os músculos doíam, o vento assobiava entre as folhas, mas era melhor do que estar exposto no chão.
A noite, no entanto, foi um tormento terrível.
O sono não veio. Em vez disso, ficou escutando — atento, imóvel — os sons que vinham de todos os cantos da floresta. Barulhos de luta, rugidos distantes, galhos quebrando sob pés que ele nem queria imaginar o tamanho. O tempo parecia se arrastar, cada minuto parecia uma eternidade. Algo gritou próximo dali em certo momento, e a árvore vibrou levemente com o impacto de uma possível batalha que ocorria abaixo. O coração disparou, ele segurou a respiração e tentou ficar o mais quieto possível.
Foi sua pior noite desde que chegara àquele mundo.
— Preciso de um abrigo de verdade… amanhã, custe o que custar — pensou. Os olhos ardiam de tanto vigiar a escuridão.
Quando o sol finalmente começou a surgir, tingindo o céu com tons de laranja e cinza, sentiu um alívio estranho. Estava vivo. Mais uma vez. Um sopro de calor atravessou a copa das árvores, tocando seu rosto como um sinal de que, por ora, havia vencido a noite.
Esticou o braço esquerdo com cuidado. Os dedos se moveram com mais fluidez. O polegar já obedecia quase sem demora, o indicador também. Ainda havia dor, mas agora mais tolerável. Os músculos respondiam com quase metade da força.
— Cinquenta por cento… — murmurou. — Parece que o repouso acelera mesmo a cura.
Desceu da árvore lentamente, aproveitando os primeiros raios do dia. Sabia que não podia perder tempo. Passou as horas seguintes explorando a área, procurando qualquer indício de abrigo: cavernas pequenas, raízes, tocas abandonadas. Mas nada.
A floresta parecia zombar de sua fragilidade.
Ao meio-dia, encontrou um lago cristalino, escondido entre as pedras e a vegetação densa. A água estava fria, mas limpa. Pegou alguns peixes com as mãos, com paciência e fome. Comeu-os crus ali mesmo, sentindo o gosto metálico do sangue escorrendo por sua boca.
Se saciou temporariamente. Energia mínima. Mas o suficiente para continuar.
Quando a noite se aproximou, mais uma vez subiu em uma árvore. Agora, com menos esforço. O braço respondia melhor, e a prática já havia ensinado os pontos certos de apoio e equilíbrio.
Acomodou-se entre os galhos, sempre atento ao redor. Mas naquela noite, viu algo diferente.
Movimento abaixo.
Entre as árvores, a figura colossal de um Ursarok caminhava com passos lentos, sem preocupação. A luz da lua refletia sobre sua pelagem grossa e manchada de cicatrizes. Glartak prendeu a respiração, observando. Não sabia se era o mesmo que havia enfrentado, mas seu andar transmitia uma autoridade predadora.
E então, teve uma ideia.
Uma ideia péssima, na verdade.
— Isso vai me matar tenho certeza… — murmurou para si mesmo, sentindo o arrepio subir pela espinha. Mas o pensamento persistia como uma semente venenosa em sua cabeça que se recusava a morrer.
Não podia ignorar a oportunidade.
Aquele monstro era um predador nato. Não era caçado com facilidade. Raramente devia fugia de uma luta. Isso significava que era respeitado — ou temido — por outras criaturas. Se pudesse segui-lo… se pudesse rastrear seus passos… talvez conseguisse encontrar alvos mais fracos sendo caçados por ele. Talvez até aprender seus hábitos. Ou, em um momento oportuno, se aproveitar da batalha e intervir de alguma forma.
Era arriscado. Idiota, até. Mas era um risco que ele precisava correr.
Se ficasse ali, esperando, morreria. Fosse por fome, por um troll… ou por outro monstro ainda mais cruel.
— Uma hora ele vai ter que caçar algo — pensou, ajustando a posição. — E quando isso acontecer… estarei lá.
Não como aliado. Nem como ameaça.
Mas como uma sombra à espreita.
Preparou-se. Ativou a habilidade Instinto Predatório ao máximo. E quando o Ursarok começou a se afastar em direção à parte mais profunda da floresta, Glartak desceu da árvore.
Silencioso e cuidadoso, seguiu o rastro da fera rumo ao desconhecido.
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