Glartak sorriu.

    Não foi um sorriso amplo ou alegre, mas um curvar sutil dos lábios — um reflexo involuntário que se formava quando a presa caía na armadilha.

    Era por isso que estava ali. Foi por isso que teve a ideia estúpida de seguir o Ursarok: esperando por um erro, uma brecha, uma oportunidade. E agora, ali estava ela — rastejando, ferida, impotente, e acima de tudo… isolada.

    O lobo com a mandíbula quebrada arfava baixo. O sangue escorria por entre os pelos da boca, e a respiração fazia um som molhado, grotesco. Tinha os olhos abertos, atentos, mas havia medo ali. Um medo real. E Glartak sabia — sabia com uma certeza instintiva — que aquele lobo não podia uivar. Não podia alertar os outros. Estava sozinho, isolado, ferido. A mandíbula pendia, solta, fraturada de forma irreparável. Isso o tornava inútil para a alcateia.

    Com movimentos controlados, Glartak deslizou para fora da sombra da árvore. Seus pés mal tocavam o solo, e cada músculo do corpo estava em silêncio absoluto. O lobo tentou reagir ao notar sua aproximação. Tentou se erguer. Um espasmo, uma tentativa fraca de rosnado, mas a dor o prendeu ao chão.

    O som do vento entre as folhas parecia ter desaparecido. Até o barulho da batalha acontecendo tornaram-se distantes e abafados. Tudo ao redor continha o fôlego, como se a floresta reconhecesse o ato inevitável que se aproximava.

    O cheiro metálico do sangue estava forte no ar, quase sufocante, mas aquilo não o incomodava. Era familiar. Reconfortante, até. A sensação de estar à beira de uma vitória o intorpecia, o mundo parecia ter desacelerado por um instante só para ele.

    Glartak não hesitou.

    Saltou para frente e fincou a garra direto entre os olhos da criatura. Um som úmido e final. O corpo do Luphiran estremeceu uma última vez, antes de silenciar para sempre. O sangue quente escorreu sobre suas mãos e braços, mas ele não sentiu nojo. Sentiu alívio.

    Então, veio o som do sistema.

    < Habilidade Sombra Predatória evoluiu para
    Caçador Silencioso

    Glartak ficou surpreso, mas seu foco estava em outro lugar. “Depois… vou ver isso depois.”

    Voltou a se esconder, afundando-se na escuridão da floresta como um predador paciente. Respirava devagar, o coração ainda acelerado, mas controlado. Seus olhos, como os de uma serpente entre as folhas, voltaram-se para a clareira.

    A luta continuava.

    O Ursarok permanecia cercado.

    Os quatro Luphirans restantes se moviam com precisão ao redor do urso. Haviam abandonado a estratégia e abraçado o instinto. Atacavam e recuavam. Como dardos vivos, lançavam-se contra o urso e desapareciam antes que suas garras pudessem revidar. Cada golpe arrancava mais um pedaço de carne, mais um fio de sangue. Os ferimentos se acumulavam.

    E então… algo mudou.

    O ar pareceu prender a respiração. A terra ficou silenciosa por um instante — e o Ursarok se ergueu sobre as patas traseiras. Imponente. Imenso. Seu peito arfava com força, e por um momento Glartak achou que ele cairia.

    Mas então…

    Ele bateu as patas dianteiras no chão com toda a força. Uma onda de energia percorreu o solo como um trovão subterrâneo. O impacto fez as árvores tremerem, o chão rachar, e os Luphirans perderem o equilíbrio. Três deles foram lançados brevemente no ar, completamente desestabilizados.

    — Isso… isso foi…? — Glartak pensou, os olhos arregalados.

    Era inegável.

    Aquilo fora uma habilidade.

    Não era apenas força bruta — energia, magia, algo além do instinto. Era a primeira vez, desde que despertara naquele mundo, que Glartak via um monstro usar algo tão… extraordinário. A sensação o atravessou como um relâmpago. Se aquele urso podia fazer aquilo, talvez outros monstros também pudessem. Isso mudava tudo. Abria uma nova realidade diante dele — perigosa, mas cheia de possibilidades.

    Um dos Luphirans, o mais próximo, tentou se levantar. As patas falharam por um segundo, e nesse instante o Ursarok o alcançou. A pata desceu como um machado de execução, esmagando a espinha da criatura com um estalo seco. O som foi abafado, como galhos se partindo sob peso demais.

    O lobo morreu.

    Os três restantes se reagruparam, hesitantes. Mas hesitação não vencia batalhas.

    Um deles recuou.

    Os outros dois atacaram juntos.

    Como espectros prateados, lançaram-se em sincronia perfeita. O primeiro atingiu o flanco do urso, as presas rasgando carne e músculos num golpe feroz. O segundo veio de cima, saltando de um tronco baixo com as mandíbulas abertas, mirando a jugular. Era o golpe final. A sentença.

    Mas o Ursarok girou o corpo num giro brutal, e se deixou cair de lado com todo seu peso.

    O impacto foi audível.

    O Luphiran aéreo foi esmagado entre o tronco e o dorso do urso, ossos se partindo como galhos secos. No mesmo movimento, o Ursarok cravou os dentes no pescoço do atacante à frente, um estalo grotesco marcando o fim da criatura. A mordida foi tão profunda que rasgou até o osso, arrancando um pedaço da traqueia com um puxão brutal.

    Sangue espirrou como uma fonte selvagem, pintando a vegetação ao redor em tons carmesim.

    Os corpos tombaram.

    Silêncio.

    O último Luphiran, o mais cauteloso, o que hesitara… fugiu. Correu como um raio entre as árvores, o rabo entre as pernas, desaparecendo na escuridão da floresta.

    Glartak nem gastou tempo olhando para qual direção o lobo havia corrido. O que importava estava ali, diante dele.

    Havia sido uma caçada. Um massacre. E o rei saíra vitorioso.

    Mas…

    A que custo.

    O Ursarok ficou ali, ofegante. As patas tremiam levemente. Sua respiração soava como uma fornalha desregulada, ruidosa e pesada. Feridas abertas jorravam sangue pelos flancos, ombros e garganta. Seu peito subia e descia com dificuldade. Ainda assim, mantinha-se de pé.

    Como um rei.

    Glartak observava com olhos famintos. Os dedos tremeram, não de medo — mas de antecipação.

    Ele sabia.

    Sabia que a hora havia chegado.

    — Isso… — murmurou, mais para si mesmo do que para o mundo. — Até que enfim, alguma merda nesse mundo resolveu sorrir pra mim…

    Porque agora, o gigante estava ferido.

    E Glartak, que havia suportado o silêncio, a fome e o medo — que se manteve paciente enquanto o mundo à sua volta parecia querer devorá-lo — permanecia firme, como um verdadeiro caçador silencioso. Estava pronto.

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