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Capítulo 28- Inaceitável
Primal ainda respirava com dificuldade, mas fez um esforço para se endireitar. Seus olhos brilharam brevemente ao ver seu rei diante de si. Fez uma reverência silenciosa, formal, mas logo em seguida sua expressão voltou ao habitual semblante impassível, os olhos frios e a postura rígida.
— Após receber sua ordem, segui para o norte com os dois goblins. Encontramos um antigo ninho abandonado. Amplo. Seguro o suficiente para nos abrigar e esconder. Ensinei o que era necessário. Nada além disso.
Fez uma breve pausa, seu olhar passando rapidamente por Shivana, como se confirmar sua utilidade fosse o suficiente.
— Ela foi a primeira a mudar. Duas evoluções… O outro, era fraco. Morreu durante o combate contra um javali demoníaco. Não houve erro estratégico. Apenas inferioridade natural.
— Continue.
Primal hesitou por um instante.
— Os humanos retornaram. Quatro no total. Um guerreiro. Um batedor. Uma maga. — Fez uma pausa breve antes de continuar, sem emoção na voz: — Eliminamos dois. Um conseguiu fugir. A maga… permanece viva.
Seu olhar desviou por um instante para Shivana, depois voltou para Glartak com a mesma rigidez de antes.
— Recordei sua ordem anterior, quando impediu a execução do último humano. Disse que poderiam ser úteis… para informação. Por isso, mantive ela viva. Está na caverna. Contida. Aguarda seu julgamento.
Glartak ficou em silêncio por alguns instantes. Seu olhar se voltou para as árvores, perdendo-se por um momento.
“Esse que fugiu… com certeza vai espalhar. Vai contar que há monstros inteligentes, organizados. Isso será um problema. Precisaremos abandonar esse lugar.”
Sem dizer uma palavra, caminhou até os corpos caídos próximos à entrada da caverna. Dois humanos: o guerreiro e a maga. O homem era robusto, usava cota de couro e empunhava um machado pesado. A mulher, de corpo esguio, trajava roupas que indicavam seu domínio mágico.
Glartak olhou para Shivana, cujo corpo estava parcialmente coberto, a parte de cima nua.
— Vista-se. Pegue as roupas da maga. — ordenou.
Ela obedeceu sem questionar, aproximando-se do cadáver da humana. Enquanto isso, Glartak se agachou e pegou o machado do guerreiro.
“Bom equilíbrio. Boa lâmina. Isso servirá.”
— Primal, veja se consegue vestir algo do guerreiro. Vai ser útil ter proteção a mais.
Ele notou a adaga caída próxima a Shivana. Provavelmente a pegara da maga morta. Um bom instinto. Mas não era isso que o preocupava.
Próximo aos cadáveres humanos, havia também corpos pequenos: os goblins mortos. Seus olhos dourados se estreitaram.
“Tantas perdas… e para quê?”
Sem dizer mais nada, avançou para dentro da caverna. Primal e Shivana o seguiram em silêncio.
Quanto mais adentravam, mais escura e abafada a mal cheirosa se tornava.
Ao se aprofundar, o cheiro piorou. Tornou-se denso, pesado, uma mistura de suor azedo, fluidos corporais e o odor metálico inconfundível de sangue fresco. Um som baixo, rouco, um soluço abafado ou um gemido contínuo, vinha de lá. Primal e Shivana pararam, seus corpos tensos, sentindo a mudança no ar.
Glartak avançou sozinho, seus pés fazendo menos som que a respiração ofegante que vinha do interior. O que seus olhos dourados capturaram naquela caverna úmida, congelou o sangue em suas veias.
A visão foi um soco no estômago, uma facada nos olhos.
Três goblins – formas pequenas – agachavam-se, saltavam, se esfregavam em torno de um corpo pálido no chão de pedra. O corpo de uma mulher. A prisioneira humana.
Suas roupas não existiam mais. Foram reduzidas a trapos ensopados e sujos, espalhados como confetes ao redor. Sua pele, antes provavelmente clara, estava coberta de hematomas, arranhões profundos e sujeira. Mas o horror concentrava-se lá. Entre suas pernas abertas à força, uma devastação obscena. Sangue fresco e mais escuro escorria, formando um pequeno riacho viscoso que se misturava à água parada no chão. Os goblins, guiados por um instinto bestial e estúpido, não paravam. Um deles se atritava contra ela com movimentos espasmódicos e brutais, os outros dois beliscavam, mordiam suas coxas e seios com dentes afiados, guinchando sons guturais de excitação animalesca. Seus olhos brilhavam com um brilho vazio, predatório, sem qualquer lampejo de razão ou compaixão.
A mulher não lutava mais. Não gritava. Seus olhos, enormes e semicerrados, fitavam o teto escuro da caverna. Não havia foco, apenas um vazio profundo, uma ausência terrível. Era como olhar para uma concha vazia, um recipiente quebrado onde a alma já se esvaíra, deixando apenas uma carne sofrendo, respirando num ritmo ofegante e irregular. Cada movimento brusco dos goblins sobre seu corpo fazia um novo filete de sangue escorrer. O ar estava impregnado do cheiro doce e podre de sua agonia.
Uma onda de fúria tão absoluta, tão primitiva, tão pura explodiu dentro de Glartak que o mundo pareceu estremecer. Não era apenas raiva. Era uma repulsa visceral, um asco profundo que transcendia sua própria natureza de monstro. Era uma violação do que ele, em algum nível fundamental que sobrevivera à sua transformação, considerava inaceitável. Isso não era sobrevivência, não era guerra, não era sequer crueldade por prazer. Era uma profanação da própria ideia de vida. Uma degradação que enojava até seus ossos.
Uma aura palpável, densa como chumbo derretido, esmagadora como a queda de uma montanha, irrompeu de Glartak. O ar vibrou, tornando-se pesado e difícil de respirar. Primal e Shivana deram um passo instintivo para trás, como se tivessem sido empurradas por uma mão invisível. O medo – genuíno, ancestral – estampou-se em seus rostos. Os olhos de Shivana arregalaram-se; Primal cerrou os punhos, seus músculos tremendo não por esforço, mas pela pura pressão psíquica emanando de seu rei.
Os três goblins na caverna pararam abruptamente. Viraram cabeças estúpidas, confusas, sentindo o perigo mortal, mas incapazes de compreendê-lo.
Foi o suficiente.
Glartak não rugiu. Não avisou. Simplesmente moveu-se.
Como um raivo demônio desencadeado, ele atravessou a pequena distância. O machado de guerra, agora uma extensão de sua ira, descreveu um arco relampejante no ar úmido. O primeiro goblin, ainda meio agachado sobre a mulher, foi atingido na altura do peito. A lâmina pesada cortou carne, osso e vísceras com um thwack úmido e horrível. O corpo se partiu quase ao meio, as duas metades caindo para lados opostos, jorrando entranhas quentes sobre a pedra fria.
O segundo goblin guinchou, tentando fugir. Glartak girou o corpo com fluidez assassina, o machado subindo e depois descendo como um trovão. O golpe acertou o goblin no ombro, cortando profundamente através do torso e saindo pela cintura. O terceiro goblin, mais lento, congelou de terror. Glartak não hesitou. Um golpe horizontal, rápido e brutal, decapitou-o limpa e eficientemente. A cabeça roçou pelo chão, os olhos ainda arregalados em pânico eterno.
Mas a fúria de Glartak não se saciava. Ela queimava. A visão da mulher violada, a lembrança dos goblins mortos fora, a ameaça do humano fugitivo, a absoluta fraqueza e bestialidade dos que deveriam ser seus seguidores – tudo convergiu num turbilhão incontrolável.
Ele virou-se, seus olhos dourados incandescentes como sóis infernais, varrendo o resto da caverna. Outros goblins que haviam se escondido nas sombras ou observado passivamente a cena, tentaram se encolher. Era tarde demais.
Glartak avançou sobre eles. Não havia técnica, apenas força bruta. O machado se tornou um redemoinho de aço e ódio. Golpes verticais cortavam goblins do crânio à virilha. Golpes horizontais separavam torsos de pernas. Um goblin tentou bloquear com um braço; o machado cortou o braço e metade do peito. Outro foi atingido nas costas enquanto corria, a coluna partida como um graveto. Sangue, pedaços de carne e ossos voaram, salpicando as paredes úmidas, formando poças rubras no chão irregular. Os gritos agônicos duraram frações de segundo antes de serem silenciados pelo próximo golpe esmagador. Foi um massacre rápido, brutal, e absolutamente sem misericórdia.
Quando o último corpo caiu, partido e irreconhecível, um silêncio repentino e pesado caiu sobre a câmara. O único som era o gotejar insistente da água em algum lugar distante e o ruído rouco da própria respiração de Glartak. O ar cheirava a carnificina, a ferro e a terror.
Primal e Shivana permaneciam imóveis pouco atrás dele, petrificados. A aura assassina ainda pairava como uma névoa espessa.
Glartak respirou fundo, tentando domar o vulcão que rugia dentro dele. Suas garras ainda tremiam levemente ao redor do cabo do machado, pingando sangue escuro. Ele olhou para os destroços que havia criado – os corpos mutilados dos goblins que representavam tudo o que ele desprezava em sua própria espécie. “Inúteis. Fracos. Bestas. Não servem para o que eu preciso construir.
Então, seus olhos voltaram-se para o centro do horror. Para a mulher.
Ela ainda estava lá. Deitada de costas, pernas abertas e inertes, o torso marcado por mordidas e arranhões. O vazio em seus olhos era mais profundo que a caverna. Nenhum traço de consciência existia mais. Seu peito subia e descia, mas era um movimento mecânico, sem vida por trás. Um suspiro final de um corpo que já estava vazio. Uma boneca de carne quebrada, abandonada após o pior dos usos.
Glartak aproximou-se. Cada passo ecoou no silêncio sepulcral. Ele olhou para baixo, para aquela expressão de absoluta aniquilação. A raiva ainda latejava nele, mas agora misturava-se a algo mais frio, mais calculado: um entendimento terrível. Não havia salvação ali. Nenhuma informação a extrair. Apenas sofrimento prolongando-se num recipiente já vazio.
Sem hesitar, sem uma palavra, Glartak ergueu o machado uma última vez. A lâmina, já embotada pela carnificina, refletiu a luz fraca da caverna num lampejo breve e sinistro.
O golpe foi rápido. Preciso. Um único movimento descendente, forte e limpo.
Misericórdia. Uma necessária, terrível misericórdia.
O silêncio que se seguiu foi mais absoluto do que antes. O peso da caverna, o cheiro da morte, a presença dos dois únicos subordinados que sobravam, imóveis, e o corpo do seu rei, erguendo-se lentamente sobre o campo de batalha que ele mesmo criara, banhado no preço sangrento da fraqueza e da fúria. O caminho à frente estava manchado de vermelho, mas a direção estava clara: partir. Sobreviver. Construir algo diferente. Algo que não tolerasse isto.
— Vamos sair daqui. — disse, e sua voz agora soava como aço temperado. — Esse lugar já não é nosso.
O silêncio pairava pesado sobre a caverna, quebrado apenas pelo som abafado dos passos de Glartak sobre o chão encharcado de sangue. As paredes, antes testemunhas mudas de batalhas e esforços, agora estavam manchadas com o vermelho escuro da brutalidade. Cada respiração era um lembrete do que havia acontecido ali.
Primal e Shivana caminhavam em silêncio logo atrás, as cabeças erguidas, os passos firmes. Nenhum dos dois demonstrou repulsa. Shivana, contudo, sentiu um espasmo involuntário nas narinas ao passar por uma poça mais escura, onde pedaços indistintos repousavam. Primal mantinha o olhar fixo nas costas largas de seu rei. A vontade do senhor era lei. A sobrevivência deles, um presente dele. Se não fosse por Glartak, seus corpos jazeriam entre os outros, espalhados pelo chão.
Glartak parou diante da entrada da caverna. Seus olhos dourados, antes serenos, agora ardiam com uma fúria contida.
— Hoje, sua voz cortou o silêncio como aço temperado, fria e afiada, — esta caverna foi profanada por atos que nem mesmo os monstros mais vis deveriam cometer. Cada palavra era martelada, carregada de um desprezo que ia além da raiva, tocando o asco absoluto.— Eu estendi minha mão. Salvei. Alimentei… Enxerguei aqui uma família que poderia ser mais. Mas há linhas que jamais devem ser cruzadas. E aqueles que se arrastaram além delas, que se entregaram ao poço sem fundo da selvageria irracional… pagaram o preço.
Ele fez uma pausa, sua respiração como um sopro controlado de dragão. O ar pesado parecia vibrar com a intensidade de sua presença.
— Eu testemunhei a brutalidade covarde dos humanos, escondida atrás de armaduras e justificativas. A ignorância, que mesmo com inteligência, são tomados pela ganância, pelo medo do desconhecido, pela sede de controle. E eu esmaguei a fúria estúpida dos monstros, escravos de instintos cegos que os reduzem a meras máquinas de fome e violência. A ignorância arrogante de um lado, a bestialidade irracional do outro… ambas são cânceres. Ambas são fracas. E ambas são inaceitáveis.
Glartak ergueu o machado pesado, a lâmina ainda gotejando um vermelho escuro que parecia sorver a pouca luz. Com um movimento poderoso e definitivo, ele o cravou no solo rochoso na entrada da caverna. O CRAC do metal encontrando pedra ecoou como um túmulo sendo fechado. A arma ficou ali, erguida como um monumento mudo.
— A partir deste instante, sua voz ecoou, clara e inquestionável, — seguimos um novo código. Seremos fortes, mas nossa força não será a força bruta do animal encurralado. Seremos temidos, mas nosso terror não virá da selvageria vazia, da violência sem propósito ou da degradação. Seus olhos dourados, agora voltados para Primal e Shivana, que permaneciam imóveis como estátuas, queimavam com uma convicção feroz. E quem ousar cruzar nosso caminho – seja humano escondido atrás de sua pretensa superioridade, seja monstro arrastado pela besta dentro de si – será aniquilado. Sem hesitação. Sem remorso.
Ele ergueu o machado, ainda pingando sangue, e o cravou no chão com força.
Glartak virou-se para Primal e Shivana.
— Partiremos ao amanhecer. Este lugar já não é nosso lar.
Glartak permaneceu ali, olhando para o machado cravado no chão. O caminho que ele escolheu seguir seria difícil, principalmente agora com somente os três, mas estava determinado a criar algo novo.
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