Dois dias haviam se passado desde que reivindicaram aquele pedaço da floresta. O trabalho fora árduo, mas a transformação já era visível. Uma área considerável havia sido limpa de galhos, pedras e vegetação rasteira. No centro, erguia-se uma estrutura rústica, porém sólida: uma cabana construída por Glartak com troncos entrelaçados, reforçada com argila e folhas largas para vedar a chuva. Era simples, mas carregava peso. Não era mais um abrigo improvisado de fuga. Era um lar. Um ponto de partida.

    Primal, como ordenado, partira em silêncio em busca de caça. Sua figura imponente desaparecera entre as árvores, ágil e mortal como um predador nato. Glartak permaneceu em frente à cabana, os braços cruzados, os olhos dourados analisando cada detalhe da clareira. Por trás da frieza prática, sua mente fervilhava em planos, estratégias e preocupações. Tinham conquistado um espaço, mas ainda eram apenas três contra um mundo inteiro.

    Então, Shivana se aproximou. Seus passos não quebraram galhos nem fizeram o chão ranger, mas Glartak sentiu sua presença antes mesmo de vê-la. Quando se virou, encontrou-a parada a poucos passos de distância. Diferente da postura desafiadora que às vezes exibia, ela baixou a cabeça em respeito e, em seguida, ajoelhou-se. Não em submissão, mas em solenidade.

    Suas mãos repousaram sobre o ventre. O olhar âmbar brilhou com firmeza.

    — Meu rei — disse, a voz grave cortando o silêncio como uma lâmina. — Há algo que precisa saber.

    Glartak franziu a testa, os músculos dos ombros se retesando. — Fale.

    Shivana ergueu o queixo e pronunciou, sem hesitar:

    — Estou grávida.

    As palavras bateram na clareira como um trovão. O coração de Glartak disparou, os dedos se fecharam em punhos involuntários. Seus olhos se arregalaram e, pela primeira vez desde que despertara naquele mundo, a máscara de tirano inquebrável se fragmentou.

    Ele deu um passo à frente, como se precisasse se aproximar para acreditar.

    — Grávida?… — murmurou, incrédulo. — Como?… Quando?… Quanto tempo até…?

    Shivana manteve a postura ereta, sem vergonha ou hesitação, apenas o orgulho silencioso de uma Matriarca.

    — Desde a noite sob as árvores, meu senhor. Nosso acasalamento foi abençoado. — Seus dedos apertaram levemente o ventre, e havia algo de sagrado em seu gesto. — Mas não será como antes. Minha biologia evoluiu. Os filhotes se desenvolvem em ritmo acelerado.

    Glartak absorveu cada palavra como um homem sedento.

    — Em poucas semanas virão ao mundo. Seus olhos já estarão abertos, e haverá entendimento em seus espíritos. Não serão animais, mas goblins. Contudo… — ela fez uma pausa, firme, como quem dita uma lei — ainda precisarão caçar, sangrar, sobreviver. A evolução é o caminho inevitável.

    Um silêncio pesado caiu sobre a clareira. O farfalhar distante das copas parecia ecoar a revelação. Então, algo mudou nele. Sua mente, antes perdida em preocupações dispersas, clareou de forma brutal. O cálculo se transformou em visão.

    Ele já não pensava em simples sobrevivência. Agora enxergava a fundação de algo maior.

    Seus olhos incendiaram-se.

    Um lampejo de memória o atravessou: um livro antigo, lido em noites de insônia na Terra. Contava a história de um rei que erguera um império do nada, partindo apenas com meia dúzia de guerreiros e uma terra inóspita. O autor dizia: “Um reino não nasce de paredes de pedra, mas de sangue que se prolonga. A continuidade é a verdadeira coroa.”

    — Semanas… — repetiu, baixo, saboreando a ideia. Em seguida, ergueu a voz, carregada de um propósito feroz. — Isso muda tudo. Precisamos de números. Precisamos de goblins que pensem, que edifiquem, que obedeçam.

    Começou a andar em círculos, gesticulando como se movesse peças de um tabuleiro invisível.

    — Primal… — disse com firmeza. — Ele é o meu braço direito. O general que moldarei à minha imagem. Quando nascerem, será ele quem os tomará. Treinará cada um, ensinará a caçar, a lutar, a sobreviver. Eu forjei Primal. Agora, ele forjará o exército.

    Parou diante de Shivana, a intensidade queimando em seu olhar.

    — E você… — continuou em tom baixo, mas carregado de certeza. — Não pode parar. Um nascimento não basta. Precisamos de uma linhagem inteira. Precisamos de um exército. Seu ventre será o alicerce do reino que quero formar.

    Shivana ergueu o queixo, o orgulho transbordando em cada traço da expressão.

    — Como ordenar, meu rei. Meu corpo é seu. Foi para isso que evoluí. É para isso que vivo.

    O horizonte já não era mais uma muralha intransponível. Agora tinha forma. Tinha sangue. Tinha nome.

    Glartak voltou os olhos para a cabana atrás de si. Pequena, tosca, mas firme. Um início. Visualizou as fileiras de guerreiros que viriam, os gritos de guerra ecoando pela floresta, inimigos esmagados um a um. Visualizou estandartes erguidos, construções crescendo, e no centro, não apenas ele — mas sua linhagem.

    O goblin monarca havia finalmente encontrado sua arma mais poderosa: o futuro.

    Ele permitiu-se um sorriso feroz, raro e genuíno. Pela primeira vez, o amanhã não era uma muralha intransponível. Era algo vivo, pulsando, crescendo dentro de seu próprio território.

    Após a conversa que mudara o rumo de seus planos, Glartak esperou Primal voltar e o deixou à frente do que agora considerava seu território. O braço direito assumiu a responsabilidade de cuidar do abrigo, organizar a clareira e fazer pequenas patrulhas ao redor, garantindo que nenhum intruso se aproximasse. A presença silenciosa de Primal transmitia segurança, permitindo que Glartak e Shivana se concentrassem no que realmente importava.

    O goblin monarca conduziu Shivana até a cabana. Lá dentro, a luz filtrada pelas folhas conferia uma tonalidade dourada às paredes de troncos. O espaço, ainda simples, mas para ele que estava acostumado a dormir entre raízes e cavernas, estava ótimo.

    — Aqui ficaremos — disse Glartak, a voz firme. — Até que os filhotes cheguem ao mundo.

    Ele queria ficar sozinho, mas Shivana agora era importante demais, e ele desejava sua proximidade.

    Shivana assentiu, compreendendo. Ele não precisava de palavras; seu olhar carregava tudo o que havia sido discutido.

    Os dias seguintes seguiram um ritmo quase ritual. Glartak se concentrou na magia que o sistema lhe havia dado, isolando-se por horas dentro da cabana, tentando novas formas de uso do campo de gravidade, buscando ganhar mais pontos de magia ou outros benefícios. Cada experimento era exaustivo, drenando energia e pontos, mas ele precisava ficar mais forte.

    Saía da cabana apenas para satisfazer necessidades básicas — caçar, beber, alimentar-se — sempre com ordens claras: não queria ser incomodado até que Shivana desse à luz. A rotina tornara-se previsível, mas não monótona; cada dia trazia uma sensação de construção e preparação.

    Shivana permanecia ao seu lado, observando, aprendendo e auxiliando quando necessário. À medida que os dias avançavam, Glartak sentia-se mais forte, não apenas fisicamente, mas mentalmente.

    Sem qualquer orientação do sistema, tudo dependia de sua própria intuição. Cada teste, cada tentativa de manipular a gravidade de formas diferentes, era um aprendizado bruto. Ele imaginava mil possibilidades, algumas funcionando apenas parcialmente, outras falhando completamente. “Se eu tentar assim… não… talvez se ajustar o ponto focal… não, ainda não,” murmurava, franzindo a testa em concentração. Era como esculpir uma técnica com marteladas cegas, confiando apenas na experiência e na paciência.

    Os dias se passaram nesse ritmo exaustivo: esvaziar os Pontos Mágicos, esperar cinco horas para que se regenerassem e então tentar de novo. Cada ativação drenava todo o seu poder, cada fracasso era um lembrete de que ainda não dominava seu potencial. Mas a cada erro, surgiam pequenas vitórias — um efeito ligeiramente mais potente, um controle levemente mais preciso — e isso era suficiente para mantê-lo focado.

    Já ponderando mudar de estratégia, uma notificação que há muito não ouvia soou em sua mente:

    < Seus Pontos de Magia aumentaram em +5 >
    < Requisitos cumpridos: o tempo de espera de sua regeneração de Pontos Mágicos diminuiu de 30 minutos por ponto para 25 minutos por ponto. >

    Glartak franziu a testa por um instante, surpreso, mas logo um sorriso se formou em seu rosto. “Então é assim… recompensa por persistir… sem atalhos, apenas esforço puro,” murmurou, sentindo a adrenalina subir.

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