Capítulo 32 - Sangue, Sorte e Submissão
O som da notificação ecoou na mente de Glartak. Não era apenas um aviso; parecia uma aprovação. Uma validação do esforço que fizera. Por um longo momento, ele permaneceu imóvel, absorvendo a sensação. Não era um presente do sistema; era uma conquista. Sua própria força de vontade transformada em números tangíveis. O cansaço que pesava em seus ossos parecia, subitamente, insignificante.
“O sistema responde ao suor, não à súplica. A chave não é pedir, é tomar.” pensou.
Glartak caminhou até a entrada da cabana, afastando a cortina de folhas largas que servia de porta. O ar da clareira entrou, fresco, carregado do aroma de terra molhada e de vida verde. Ele encheu os pulmões, sentindo a nova realidade se acomodar em seu espírito. Vinte e cinco minutos por ponto. Uma economia de tempo de quase uma hora.
Seu olhar percorreu o limite das árvores. A paciência, antes uma estratégia, agora parecia uma corrente. Ele tinha um exército por vir, um general leal e uma magia que evoluía. Esperar dentro de quatro paredes frágeis já não era suficiente.
— O mundo lá fora não esperará — murmurou. — Precisamos de mais do que esta clareira.
Virou-se para Shivana, a decisão já tomada.
— Você ficará aqui e descansará. Protegerá o que carrega. É sua única tarefa. Primal patrulha as imediações. Ele responderá a qualquer sinal de perigo. Eu… vou expandir nossos domínios.
Cruzou a clareira com passos largos e determinados. Antes de desaparecer na muralha verde, chamou:
— Primal.
Perto da pequena cabana, a figura imponente do goblin evoluído se destacou. Seus ouvidos captaram a voz do rei.
— Proteja-a. Com sua vida.
Primal não respondeu com palavras. Um grunhido baixo, quase inaudível, escapou, e suas mãos se fecharam com força. Sua postura, já alerta, tornou-se absolutamente imóvel, os sentidos expandindo-se para varrer a clareira e seus arredores com intensidade redobrada. Ele era o cão de guarda, e a matilha estava sob sua proteção.
Glartak cruzou a clareira e adentrou a floresta. Tudo ao seu redor mudou. O ar tornou-se pesado e úmido. Seus sentidos se aguçaram pelo perigo do desconhecido. Ele não caminhava; caçava. Sua presa era o futuro.
Seguiu devagar o leito de um riacho seco por algumas horas, até que um cheiro fétido de carne podre e pelo sujo atingiu suas narinas. Um rosnado baixo, mais profundo e ameaçador do que qualquer som que ouvira desde que chegara a este mundo, surgiu da penumbra.
Glartak congelou, músculos tensionados. Dois pares de olhos brilhantes, amarelos e famintos, surgiram entre as árvores. As criaturas emergiram.
Instintivamente, sentiu o impulso de recuar. Não eram lobos comuns. Eram monstros. Do chão às espáduas, atingiam a altura do peito de um homem grande. Seus corpos eram massas de músculos retesados sob uma pelagem espessa e negra, marcada por cicatrizes. Cabeças enormes, focinhos curtos e dentes amarelados do tamanho de punhos. Patas do tamanho de pratos deixavam marcas profundas no solo macio.
No mesmo instante, uma notificação fria e impessoal queimou em sua visão:
< Lobo do Terror >
Descrição: Predadores de alcateia altamente agressivos. Possuem mandíbulas capazes de esmagar ossos, sentidos aguçados e resistência superior. Caçam através de emboscadas e perseguição implacável.
O nome era apropriado. Dois lobos. A matemática era desfavorável. Mas uma centelha de excitação percorreu Glartak. Aquela era uma presa digna. Um teste para seu poder renovado.
Os lobos se separaram. Um avançou frontalmente, rosnando continuamente; o outro contornava, rápido e sinuoso, buscando flanquear.
Glartak não esperou. Pensou no Campo Gravitacional, focando-o no lobo que avançava.
O efeito foi imediato. O lobo, no salto, foi lançado contra o chão com um ‘thud’ surdo e um uivo de dor. As patas traseiras fraquejaram sob o peso súbito. Tentou se levantar, rosnando furiosamente, mas cada movimento exigia esforço enorme, como correr no fundo de um lago.
O custo foi alto: quase metade dos Pontos de Magia drenados naquele único esforço. Manter um campo tão forte em uma criatura daquele tamanho exigia um tributo brutal.
Foi a abertura que o segundo lobo precisava. Silencioso como um pesadelo, ele saltou pelo lado cego de Glartak. Girar ou se defender estava fora de questão. Restava apenas subir.
Ele ativou o Passo no Vácuo.
Seus pés impulsionaram-no para cima. Escapou por um triz das mandíbulas que se fecharam no ar onde seu pescoço estivera. A visão de cima trouxe um momento de triunfo: via os dois lobos, um preso pela gravidade, o outro confuso com o sumiço da presa.
Mas a fraqueza da habilidade se manifestou. No ápice do salto, estava suspenso no ar, sem tração, sem capacidade de manobra. Um alvo flutuante e indefeso.
O lobo que atacara, recuperando-se rapidamente, saltou novamente. Suas presas enormes fecharam-se em torno da perna esquerda de Glartak.
A dor foi excruciante, percorrendo toda a perna. Glartak gritou, mais de raiva que de agonia. Sentiu os dentes raspando o osso, o peso da criatura puxando-o para o chão.
Caíram em um amálgama de corpos, poeira e urros. O campo gravitacional falhou, a concentração foi quebrada pela dor. O primeiro lobo, agora livre, levantou-se e juntou-se à refrega.
Glartak rolou no chão, lutando para se libertar das mandíbulas. O segundo lobo mordia e rasgava, tentando atingir a garganta. O cheiro do sangue, o próprio sangue dele, enlouquecia os predadores.
A escuridão avançava pelas bordas da visão, mas não havia desespero. Um pensamento perfurava sua mente: “O campo gravitacional é amplo demais. Preciso de um ponto. Um único ponto de pressão.” Até então, usara a gravidade como martelo ou âncora, sempre espalhada. Mas e se pudesse concentrá-la, como uma agulha? Não para esmagar, mas implodir.
Seu olhar fixou-se no lobo que o mordia, apenas no olho esquerdo, pulsante e vulnerável. Concentrou toda sua vontade ali.
O que aconteceu não foi peso, foi colapso. Dentro do olho da criatura surgiu um núcleo minúsculo de pressão absoluta, comprimindo tudo ao redor como se o próprio espaço estivesse sendo sugado para dentro dele.
O resultado foi um ‘POP’ abafado, úmido — como uma fruta esmagada por dentro. O uivo morreu na garganta, e o corpo do lobo arqueou em espasmo grotesco antes de desabar. Os olhos amarelos ficaram opacos, tingidos de vermelho, e a mandíbula abriu-se involuntariamente, libertando a perna dilacerada de Glartak.
Ele ficou ali, imóvel, peito arfando, corpo coberto pelo inimigo morto. O silêncio era quase irreal, quebrado apenas pelo som do próprio coração e pelo rosnado do lobo sobrevivente, agora profundamente incerto.
O primeiro lobo fitou o corpo do companheiro. Então, seus olhos se voltaram para Glartak, que se arrastava lentamente. Os olhos dourados não demonstravam medo. O lobo farejou o ar, captando o cheiro da morte do par e o aroma metálico do sangue do goblin ferido.
Um rosnado baixo transformou-se em som quase submisso, como um gemido contido. Manteve-se de pé, abaixando a cabeça e expondo brevemente a nuca, em rendição silenciosa. O rabo, antes ereto, baixou-se entre as pernas traseiras.
Não era a pedra que impunha respeito. Era Glartak. O conquistador. O predador alfa que derrotara a sua matilha.
Mas ele sabia: não vencera por puro poder. Vencera por um fio, por um instante de hesitação da besta. A queda do Alfa foi sua salvação. O lobo agora submisso não se curvava apenas por medo, mas por respeito e instinto de preservação.
A satisfação sentida não foi de tirano esmagando inimigo, mas de guerreiro que conquistara mais um dia de vida e ganhara um aliado formidável.
Sua voz saiu rouca, cansada, carregada do peso do ocorrido:
— Você vive — disse. — E eu também. Hoje, a sorte sorriu para nós dois. Sua vida é sua… mas sua força agora será nossa. Você caçará comigo.
O lobo manteve a cabeça baixa, gemido suave confirmando entendimento. E, ao mesmo tempo, várias notificações do sistema ecoaram em sua mente.
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