O vento sussurrava entre as árvores, levantando folhas secas que dançavam ao redor deles, como se a própria floresta testemunhasse aquele encontro. Quatro pares de olhos o encaravam com medo, desconfiança ou talvez apenas desespero.

    Eles não falaram. Não sabiam falar. Apenas respiravam de forma irregular, como animais acuados.

    Glartak deu mais um passo à frente. Os goblins recuaram, trêmulos, mas não correram. Não tinham forças nem para fugir. Um deles caiu de joelhos, arfando, quase desmaiado. Glartak se agachou diante dele e o observou de perto com o cenho franzido.

    A pele estava seca, rachada em alguns pontos. Os olhos, fundos e vermelhos. O cheiro que eles exalavam era de morte lenta, de abandono.

    — Pelo que eles passaram? Por que chegaram a esse ponto? — murmurou, sem esperar resposta.

    O estômago do goblin fazia barulhos altos, implorando por qualquer coisa que pudesse saciar sua fome.

    Glartak sentiu um nó na garganta, mas não era piedade. Era raiva. Raiva por ver seres da sua raça reduzidos àquilo. Raiva por saber que, se tivesse dado um passo errado, ele estaria ali — miserável, vazio, comendo raízes e esperando a morte. Uma morte lenta e dolorosa. Sem glória, sem luta, sem chance.

    — Eu não sei o que vocês passaram… — sua voz soou baixa, mas firme — …mas isso termina agora.

    Virou-se, encarando a floresta que deixara para trás. Pegou o goblin desmaiado e o colocou sobre o ombro.

    — Vão me seguir ou não?

    Os goblins se entreolharam, confusos. Um deles deu um passo hesitante. Outro cambaleou atrás. Em poucos segundos, todos estavam em movimento. Fracos, tropeçando, mas tentando acompanhar.

    Glartak os levou de volta até onde havia matado o Verelgor. Não restava muita coisa; o chão ao redor estava manchado de sangue, e o cadáver ainda tinha um pouco de carne nas costelas.

    Colocando o goblin em seu ombro no chão, deu dois tapas no rosto dele para acordá-lo e apontou.

    — Comam.

    Eles hesitaram por um instante, mas o instinto falou mais alto. Se atiraram sobre os restos, rasgando a carne como animais famintos. Riam entre grunhidos, brigando pelos pedaços maiores. Um até tentou morder o braço do outro.

    Glartak os afastou com um empurrão firme.

    — Chega. Se querem continuar vivos, vão ter que aprender a lutar… e a pensar.

    Sentou-se perto de uma pedra e observou. Os goblins comiam, agora um pouco mais calmos. Ainda fracos, mas vivos.

    — Não é nada do que eu esperava encontrar… Será que eles evoluem? Se sim, se tornam mais inteligentes?

    Glartak observava os goblins com olhos atentos, mas a mente já estava longe dali.

    “Ainda são fracos… Sem inteligência, só instinto. Inúteis. Vão morrer na primeira emboscada…”

    A luz do sol da tarde filtrava-se pelas copas das árvores, pintando a clareira com sombras. Seus olhos âmbar acompanhavam cada movimento desajeitado dos pequenos. Mastigavam com pressa, brigavam entre si por ossos. Alguns sequer sabiam rasgar corretamente a carne.

    “Isso não é sobrevivência. É a sombra da morte fingindo vida.”

    Roçou as presas com a unha, pensativo.

    “Comer isso vai mantê-los vivos… mas não os fará evoluir. Eu precisei matar, precisei caçar, precisei sujar minhas mãos com sangue quente. Foi isso que me levou ao próximo passo. Esse é o único caminho.”

    Se levantou com um impulso. Os goblins se assustaram com o movimento repentino, recuando um pouco, mas sem soltar os ossos que tinham nas mãos.

    — Levantem. Agora.

    Sua voz era grave, firme, como um comando primitivo que seus cérebros entendiam mesmo sem compreender as palavras.

    Os cinco hesitaram, mas se ergueram, ainda mastigando. Glartak os encarou com olhar fixo, como se quisesse espremer alguma centelha de entendimento em cada um deles.

    — Vamos caçar.

    Eles o seguiram.

    Caminharam por cerca de meia hora. Glartak avançava com cuidado para não encontrar algum predador que os colocasse em perigo. Ele poderia garantir sua segurança, não a deles.

    Foi então que parou.

    — Aqui.

    À frente, no meio de uma abertura natural entre as árvores, um Verelgor farejava o chão, procurando alguma presa pequena. Glartak se abaixou, e os goblins pararam atrás dele.

    — Fiquem aqui e observem — disse num tom de comando.

    Eles não tinham inteligência, mas pareciam entender comandos básicos.

    Pulou com brutalidade. O Verelgor se virou para reagir, mas Glartak foi mais rápido. Deu um soco forte no focinho, e a criatura, sem esperar por isso, caiu com um rosnado abafado. Ele cravou as garras em seu pescoço, mas não atravessou. Imobilizou-o. Estava vivo, contorcendo-se e urrando baixo.

    Glartak se ergueu.

    — Agora… é com vocês.

    Apontou para a criatura ainda viva.

    — Matem. Isso é o que vocês precisam. Sangue quente. Coragem. Resistência.

    Mas os goblins não se moveram como ele esperava. Um deles salivava. Outro tremia, olhando a presa como se fosse uma refeição servida.

    — Não comam. Matem primeiro. Sintam.

    Deu um passo para trás.

    Mas era inútil.

    Eles avançaram. Um a um. Como ratos famintos. Se atiraram sobre o Verelgor. Rasgaram a carne. Morderam antes mesmo de o bicho morrer. O urro da criatura se perdeu nos gritos de fome.

    Glartak fechou os olhos por um instante. Frustração queimando em sua mente como brasas.

    “Idiotas… Não era isso.”

    Virou de costas, respirando fundo. Pensava em como talvez tivesse errado. Talvez fossem apenas bestas demais. Talvez nunca evoluíssem. Talvez estivessem condenados…

    Até que ouviu.

    Um grito de dor.

    Virou-se.

    Quatro goblins estavam ajoelhados, sangue na boca. O quinto… estava de pé.

    O corpo do goblin começou a se contorcer. Primeiro um espasmo violento, depois um rugido abafado que escapou de sua garganta como se algo estivesse rasgando por dentro. Músculos cresciam sob a pele esticada, fibrando e tensionando como cordas prestes a estourar. O som de ossos se rearranjando era audível, seco, como madeira quebrando.

    As mãos se alargaram, os dedos engrossaram, e as unhas começaram a enegrecer, alongando-se em garras mais espessas. A espinha se arqueou para trás antes de endireitar-se com um estalo seco. O tórax se expandiu antes de se ajustar ao novo tamanho.

    Glartak não acreditava no que via.

    — Ele… evoluiu.

    O goblin virou o rosto devagar, encarando Glartak.

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