Capítulo 20 – O Mais Falso do Continente
Enquanto caminhavam lado a lado, o silêncio parecia uma terceira pessoa entre eles, pesada e incômoda. Breck lançava olhares furtivos para Richard, que seguia cabisbaixo, os ombros relaxados em derrota. Aquele não era o Richard que ele conhecia.
Era como ver uma estrela apagada, e a visão o incomodava mais do que deveria.
— E-ei… — Breck começou, a voz saindo hesitante. Respirou fundo antes de tentar de novo. — Que cara é essa? Nem parece que acabou de receber uma confissão de uma garota bonita. Dá um jeito nisso, cara. Vai ficar tudo bem, a garota vai superar.
Por que diabos tô tentando animar esse cara?
Breck quase riu de si mesmo. Richard não era exatamente seu amigo — nem de longe. Ele era seu rival, a muralha que precisava superar, o espinho que sempre o provocava. Então, por que aquela necessidade de dizer algo para levantá-lo?
Richard ergueu o rosto e sorriu, mas era um sorriso frágil, desses que se desfazem com um sopro.
— É verdade… Só que… acho que nunca vou me acostumar com isso. — A voz dele era baixa, quase um sussurro.
Nunca vai se acostumar?
Breck franziu a testa. Havia algo ali. Algo que Richard escondia, não das outras pessoas, mas de si mesmo. Ele se lembrou da expressão de Richard quando a garota tinha dito aquela frase.
— “Eu não sou boa o suficiente para você.” — Breck soltou as palavras no ar como se fossem pedras, esperando que atingissem algo.
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Richard parou. Seus olhos fixaram-se no chão, o sorriso desmoronando como uma torre de areia.
— Você odiou cada palavra que a garota disse, não odiou? Mesmo sendo elogios. Na verdade, principalmente porque eram elogios. Por acaso você não gosta de ser elogiado? — Breck perguntou, tentando parecer casual.
Na verdade, o que ele queria perguntar era outra coisa, algo mais direto. Mas ele não era corajoso o suficiente para isso, então deixou a questão morrer ali.
— Não é que eu… não goste. — Richard hesitou, passando a mão pela nuca. — Mas também não é algo que eu… sei lá, que eu goste de verdade.
Ele não gosta de ser elogiado? Breck piscou, surpreso. Então é isso? Esse jeito irritantemente gentil é porque ele odeia que o tratem como um maldito deus?
Ele estudou o rosto de Richard, buscando algo que fosse além das palavras. E lá estava: uma expressão ligeiramente contorcida, como se a própria existência fosse um peso difícil de carregar. Então Richard voltou a andar, sem pressa, sem o sorriso habitual.
Não… tem mais coisa aí.
Breck seguiu ao lado dele, mas o incômodo permaneceu. Ele queria odiar Richard, como sempre, mas não conseguiu. Não hoje.
— Richard, sabia que eu não gosto de você? — disse Breck, com a voz carregada de desprezo.
— Hm…? — Richard murmurou, erguendo o rosto para encará-lo. Uma mistura de surpresa e curiosidade apareceu em seus olhos.
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— O que foi? Cadê a humildade de sempre? Não me diga que ficou surpreso com o que eu falei? Então você realmente acha que todo mundo gosta de você, é isso? Cara, você é mesmo um idiota metido — Breck disparou, o tom ácido enquanto continuava andando, resmungando consigo mesmo.
— Espera… o que você quis dizer com isso? — Richard perguntou, a hesitação quebrando sua voz.
Breck parou. Ficou ali, de costas para Richard, como se refletisse sobre o que diria. Então, sem se virar, começou:
— Você é patético, sabia? Um cara que todo mundo chama de gênio, mas que não entende nada do mundo ao seu redor. Demora séculos para perceber a verdadeira intenção das pessoas e confia em qualquer um que sorria para você. Ridículo. E aquele sorriso bobo que você joga para todo mundo? Dá raiva só de lembrar. — Breck soltou uma risada seca antes de continuar. — Você age como se fosse humilde, mas no fundo, no fundinho, você se acha superior. Você irrita. É insuportável. Toda vez que está perto de mim, eu tenho vontade de socar sua cara. E o pior de tudo…
Breck se virou, apontando para o topo da cabeça de Richard.
— Esse seu cabelinho vermelho. Ri-di-culo.
Richard piscou, chocado. Ninguém, em toda a sua vida, havia falado com ele daquele jeito. Era um ataque brutal, cada palavra como um soco. Mas o mais estranho era que… ele não odiou aquilo. Nem um pouco.
Pela primeira vez, desde a morte de sua mãe, alguém via quem ele realmente era. Não aquele garoto gentil e bondoso que todos adoravam, mas a versão verdadeira, quebrada e mesquinha, que ele escondia até de si mesmo. Breck, de algum modo, tinha enxergado por trás da máscara.
Por que ele agia assim? Por que continuava fingindo? Porque, em algum ponto do passado, ele decidiu que viveria para agradar os outros, que carregaria a responsabilidade de ser a pessoa perfeita que todos esperavam. Não era bondade. Era medo.
— Você é exatamente o tipo de pessoa que eu mais odeio. Não consigo suportar estar perto de você, Richard. — Breck fechou os olhos e respirou fundo, como se finalmente tivesse tirado um peso das costas. Quando abriu, ficou perplexo. — Que porra… Tu tá sorrindo? É masoquista, por acaso?
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— Hã? O quê? Como assim?! De onde você tirou essa ideia? — Richard gaguejou, assustado.
— Cara, eu acabei de te xingar de tudo quanto é coisa e você tá aí, sorrindo como se tivesse ganhado um prêmio.
— Ah…! — Richard engoliu em seco, percebendo tarde demais que o sorriso escapou antes que pudesse controlá-lo. Por dentro, ele se xingou.
Droga, idiota. Você deixou escapar.
— Desculpa… hahaha… — disse ele, tentando amenizar.
— Tá pedindo desculpa por quê, maluco? — Breck levantou uma sobrancelha. — Se tu gosta disso, é problema teu. Só não vem querer encostar em mim, beleza? Eu gosto de garotas, entendeu?
Breck virou de costas, mas murmurou para si mesmo:
— Bom… embora tenha um cara que é bonitinho.
Richard ergueu as sobrancelhas, mas não disse nada. Apenas o observou, ainda com aquele sorriso sem jeito. Pela primeira vez, ele se sentia… visto.
Depois de algumas farpas trocadas, os dois seguiram lado a lado. Richard parecia mais relaxado, como se aquele pequeno confronto verbal tivesse tirado um peso dos ombros. O silêncio era confortável, pelo menos para ele. Breck, por outro lado, resmungava baixinho sobre o tempo que levaram para chegar.
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— Finalmente — disse Breck, quando pararam em frente a uma loja. Ele enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta, encarando a porta como se fosse um desafio.
Richard segurou a maçaneta e sorriu.
— É aqui.
O sino da porta soou assim que entraram. Richard, familiarizado com o lugar, seguiu direto para o balcão. Ele conhecia o dono, sabia exatamente o que fazer. Mas algo inesperado o fez parar no meio do caminho.
De pé, em frente ao balcão, estava uma figura encapuzada. Toda coberta, até o rosto, escondido por uma máscara branca que refletia a luz do lugar. A figura o encarava diretamente, os ombros tensos, os pés posicionados como quem estava pronto para se mover a qualquer momento.
Uma atitude defensiva, mas ainda não hostil. Os braços estavam abaixados.
Richard forçou um sorriso caloroso, assumindo o papel que sabia desempenhar bem.
— Ora, ora, o senhor Gaza Shir está por aqui? — Sua voz era doce, amistosa, quase exagerada.
A figura não respondeu. Se era um alarme interno ou simples desconforto, Richard não sabia dizer, mas o encapuzado permaneceu estático, os olhos invisíveis por trás da máscara parecendo perfurá-lo.
— Ei! Ele te fez uma pergunta, vai ficar mudo? — disparou Breck, sua careta de desdém combinando perfeitamente com o tom intimidador.
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— Espere, senhor Breck. Talvez ele não consiga falar! — sugeriu Richard, erguendo uma mão para acalmá-lo. — Já encontrei pessoas que não podiam falar por diferentes razões. Devemos levar isso em consideração.
Por um momento, o encapuzado pareceu vacilar. Então, uma voz distorcida soou.
— N-Não… eu consigo falar.
A voz era estranha, como se algo a manipulasse, distorcendo-a de uma maneira que não parecia natural.
Encantamento? Pensou Breck.
Breck estreitou os olhos, avaliando o estranho como quem mede o perigo. Antes que pudesse dizer algo, uma porta se abriu atrás do balcão, e o dono da loja apareceu. Gaza Shir, um homem baixo e ligeiramente curvado, secava as mãos com um pano. Seu rosto iluminou-se ao reconhecer Richard.
— Ah! Senhor Richard! Não pensei que o senhor viria tão cedo.
— Tive que vir cedo, senhor Gaza. Mais tarde terei outros assuntos para resolver, então não poderia buscar a encomenda depois. — Richard aproximou-se do balcão com passos leves, deixando Breck perto da porta, onde o rapaz observava o lugar com uma expressão de desgosto.
Enquanto Richard conversava, Breck cruzou os braços, o olhar vagando pelas armas penduradas nas paredes. Joias não o interessavam, mas as armas? Isso era outra história.
— Ora, mas por que o senhor não enviou alguém para buscar o item? — Gaza perguntou, colocando um saco de moedas sobre o balcão. Ao lado, havia um cordão com uma bela joia azulada e uma lupa. — Uma pessoa como o senhor deve ser muito ocupada. Afinal, é o herói do nosso povo.
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Richard forçou outro sorriso, mas suas mãos fecharam-se ligeiramente ao lembrar-se da verdadeira razão daquela visita. Ele entregara a katana de sua mãe para Gaza Shir. Um item insubstituível, carregado de memórias e simbolismo. Mas contar isso ao homem? Inútil. Melhor deixar que ele pensasse que era apenas uma arma comum.
Se ele soubesse a verdade, ficaria com medo de tocar na espada, quanto mais consertá-la.
A resistência anormal da katana havia exigido uma desculpa esfarrapada. Agora, Richard apenas precisava garantir que o trabalho fosse concluído sem maiores complicações. Mesmo assim, sentia o peso de um receio oculto. Algo sobre o encapuzado, algo na distorção daquela voz…
— Não tem problema. As pessoas que trabalham para mim já têm muito o que fazer. Ficar pedindo favores extras seria abusar demais. — Richard coçou a parte de trás da cabeça, um gesto casual que contrastava com seus pensamentos mais agitados. Ele sabia, no entanto, que tanto Elber quanto Amena teriam aceitado o pedido sem questionar.
O dono da loja se virou para o homem mascarado ao lado.
— Só um momento. Vou pegar a encomenda do senhor Richard. Depois disso, gostaria de conversar com você antes de finalizar sua compra.
O mascarado fez um leve gesto com a cabeça, os olhos escuros fixos nos de Gaza.
— Ah, não se preocupe. Eu posso esperar. Afinal, ele estava aqui primeiro. — Disse Richard, tentando soar amigável.
— Tudo bem por mim. — A voz do mascarado soou baixa, quase distorcida. Richard arqueou uma sobrancelha. Algo naquela figura o fazia sentir que havia mais escondido sob o capuz do que parecia.
— Certo. Certo. Volto já. — Gaza desapareceu por uma porta que rangeu ao se fechar.
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Richard se virou para Breck, que ainda admirava as armas como uma criança diante de brinquedos novos.
— Breck. — chamou, cortando a contemplação do amigo.
— Que foi, palhaço? — Breck respondeu sem olhar para ele.
O mascarado, que permanecera imóvel até então, pareceu enrijecer. Richard percebeu o movimento periférico, mas ignorou.
— Quer comprar alguma coisa? Posso pedir pro Gaza te dar um desconto. — Richard gesticulou, simulando um “desconto” com as mãos.
— Hã? — Breck finalmente se virou para ele, analisando novamente as armas. — Tem coisa boa aqui. Dá pra ver que esse cara comprou de terceiros pra revender.
— Sério? Dá pra saber só de olhar? — Richard olhou para as espadas, mas todas pareciam iguais a seus olhos.
— Claro que dá! Diferente de você, eu vim de uma linhagem de ferreiros, não de cavaleiros sagrados. Eu sei quando uma arma é boa, só de olhar.
Richard assobiou, impressionado.
— E então, vai querer o desconto? — insistiu.
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— Passo. Já tenho uma boa arma. Tô guardando grana pra outra coisa.
— Pra quê? — Richard inclinou a cabeça, curioso.
— Quanta intromissão… — Breck resmungou antes de murmurar, quase inaudível. — Pra um encontro.
Richard congelou por um segundo, os olhos arregalados.
— O quê?! Você? Um encontro? Você namora?
— Hã?! Claro que não, seu cabaço! Se eu tivesse namorando, acha que estaria aqui, perdendo meu tempo com você?! — Breck rosnou, mas havia um leve rubor em seu rosto.
O sorriso de Richard voltou devagar. O choque inicial já se dissipava.
— Quem é a pessoa? — perguntou, um brilho de genuína curiosidade nos olhos.
— Jack. E sim, é um cara. Mas tem um jeito… diferente. Parece mais uma garota.
— Uau, que maneiro! Espero que dê certo.
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Richard só percebeu mais tarde o olhar intenso do mascarado sobre Breck. O homem estava rígido, os dedos levemente trêmulos, como se lutasse para conter algo.
Algo não estava certo.
Talvez…
— Você conhece um tal de Jack? — perguntou Richard, casual, como quem comenta o tempo.
O mascarado deu um sobressalto. Breck, que até então observava as armas nas paredes com o desinteresse de quem não tinha dinheiro no bolso, franziu o cenho e virou-se na direção do homem.
— Hã? Eu? Q-Que…? N-Não… — a voz vacilou antes de ganhar uma nota de falsa firmeza. — Não conheço.
Ele mentiu.
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