Capítulo 21 – Encurralado
Richard, como todos sabiam, era famoso não apenas pela força ou a presença inconfundível, mas pela extensão impressionante de suas habilidades. Algumas eram óbvias, outras? Nem tanto.
Uma dessas habilidades era uma benção que Richard carregava consigo desde o nascimento, algo que não se aprendia em escolas ou se comprava com ouro. Era parte de quem ele era, tão natural quanto respirar.
“Há muito, muito tempo, quando os arcanjos caminhavam entre os vivos, eles deixaram sua marca na humanidade. Dons que transcenderam gerações, habilidades singulares que os mortais chamaram de bênçãos.”
Richard havia lido isso em algum livro, talvez na academia. Ele nunca foi de dar muita atenção às aulas, mas a parte sobre as bênçãos ficou. Esses dons, dizia o texto, eram fragmentos de algo muito maior, dados pelos arcanjos a criaturas que eles julgavam dignas.
Alguns, como Richard, nasciam abençoados. Outros? Bem, alguns podiam encontrar formas de roubar aquilo que não lhes pertencia.
Richard era uma mistura dos dois casos. Ele nasceu com uma bênção, e conseguiu coletar outras ao longo da vida. Uma em especial, discreta e ininterrupta, servia como um farol na escuridão. Sempre que Richard conversava com alguém fora de seu círculo íntimo, ela se ativava, alertando-o sobre mentiras como um sino distante.
O mascarado tinha acabado de disparar o sino.
Breck cruzou os braços, semicerrando os olhos para o homem. Richard não reagiu de imediato. Ele sorriu, aquele sorriso preguiçoso que escondia tanto quanto revelava.
O mascarado continuava imóvel.
Ele mentiu.
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— Tá gaguejando por quê? — Breck pressionou, o tom irritado, como quem já perdeu a paciência. — Se conhece, é só falar. Já estudou com ele ou coisa do tipo?
— Eu já disse…! Eu não conheço essa pessoa!
Outra mentira.
Richard não tinha motivos reais para desconfiar daquele homem, pelo menos não a princípio. Estava mascarado, sim, mas isso não era exatamente raro em tempos como aquele.
O problema eram as mentiras. Cada uma soava como um sino na cabeça de Richard, despertando aquela incômoda sensação de que algo maior estava sendo escondido.
— Tá na cara que tá mentindo — resmungou Breck, cruzando os braços. — Mas, quer saber? Nem ligo.
— Eu já falei que não conheço esse Jack de quem vocês estão falando! — o mascarado rebateu, agora mais agitado. — É minha primeira vez nesta cidade, não conheço ninguém aqui, nem tenho parentes por perto.
Mais uma mentira.
Richard agora tinha uma contagem: três mentiras, todas disparadas de forma nervosa e apressada. Não precisava de muito para perceber que havia algo maior enterrado ali, algo que o mascarado parecia desesperado para manter em segredo.
E então, Richard notou.
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Sobre a mesa, repousava um pingente. Algo no objeto fisgou sua atenção, como uma faísca acendendo uma memória enterrada em sua mente. Ele já tinha visto aquele pingente antes.
Mas onde?
Os pensamentos começaram a correr, vasculhando as profundezas da memória de Richard. Fragmentos de sua vida emergiam como peças de um quebra-cabeça incompleto.
Lembrou-se do pai, gritando enquanto o forçava a treinar até a exaustão. Da mãe, cantando suavemente enquanto acariciava a barriga já arredondada, à espera de sua irmã.
E então…
As reuniões.
Mensais, formais, repletas de cavaleiros sagrados e nobres do reino. E entre esses nobres, uma mulher jovem e bonita, com presença marcante e uma mente brilhante. Ela carregava um pingente exatamente como aquele.
A lembrança agora era clara. A mulher fazia parte das pesquisas no laboratório Piuwisen, dedicada ao estudo do abismo da magia. Richard lembrava dela não apenas pelas reuniões, mas também pela tragédia que veio depois.
Ela foi assassinada.
A história havia corrido o reino como um incêndio. Um elfo negro, seu filho adotivo, era o responsável. Ele não apenas matara a nobre, mas também o pai dele. Desde então, era um homem caçado, não apenas pelos elfos, mas por qualquer um que buscasse uma recompensa.
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Richard levantou os olhos lentamente, encarando o mascarado.
— Você… é o Tiko?
⧫⧫⧫
Tiko congelou. Cada músculo do seu corpo ficou rígido, e a ideia de correr foi imediatamente descartada.
Ele sabia que qualquer movimento brusco entregaria sua culpa antes mesmo de poder pensar em negar. Mas aquilo… Aquilo tinha sido coincidência? Ou Richard realmente tinha juntado as peças?
Como ele chegou a isso? Foi minha roupa? A máscara?
Seus olhos, quase contra a própria vontade, deslizaram para o cordão sobre a mesa. Lá estava ele, o maldito pingente, exposto por tempo demais. Claro que Richard Ravens o reconheceria.
Um homem como ele, acostumado a lidar com nobres, provavelmente já havia visto aquele colar no pescoço da mulher que o usava. A mulher que, por acaso, era sua mãe.
Maldição!
O mundo parecia ter parado. Cada segundo se arrastava, e Tiko sabia que precisava responder, mas não conseguia pensar em nada que não soasse desesperado ou óbvio.
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Richard ainda o encarava, os olhos perfurando cada camada de sua alma, enquanto Breck, o outro cavaleiro, mantinha a única saída bloqueada.
— O que foi, hein, merdinha encapuzado? — Breck resmungou, a voz baixa e cheia de desprezo. — Richard fez uma pergunta. Responda. Agora.
Aquelas palavras vieram acompanhadas de algo mais — uma pressão sufocante, quase física. Uma intenção assassina tão intensa que enviou um arrepio elétrico pelo corpo de Tiko, cada nervo gritando em alerta.
Quais são minhas chances?
Escapar? Impossível. Ele estava lidando com Breck, um dos capitães dos cavaleiros sagrados, e Richard Ravens, o homem mais poderoso do reino. O tipo de lenda que faz até os reis dormirem com um olho aberto.
Mentir? Isso era ainda pior. Se Richard fez aquela pergunta, “Você é o Tiko?”, então ele tinha certeza de algo. Não era um chute. Richard não era o tipo de homem que arriscava suposições. Ele já sabia.
Então, o que restava?
Nada. Não havia saída.
Tiko amaldiçoava cada escolha que o tinha levado até ali. Não, ele amaldiçoava sua maldita falta de sorte. Como, em nome de tudo que é sagrado, um capitão dos cavaleiros sagrados e Richard Ravens, tinha entrado exatamente na mesma loja, na mesma hora que ele?
Que porcaria de coincidência é essa, hein, seu deus de merda?!
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— Ahh… voltei. Desculpem a demora. — Gaza entrou pela porta, carregando algo envolto em um pano. Ele parou abruptamente, franzindo o cenho. — Hm?! O que…
A mudança na atmosfera era palpável. Antes de cruzar a porta, tudo parecia normal. Agora, o ar ao redor dos três homens estava denso, carregado. Gaza olhou de relance para Breck, que fixava os olhos no homem mascarado como se quisesse rasgá-lo em pedaços.
— Aconteceu alguma coisa aqui? — ele perguntou, hesitante.
— Ah, não, não. Tudo tranquilo. — Richard respondeu com um sorriso fácil, virando-se para Breck. — Não é?
A mensagem foi clara. Breck abaixou a cabeça, ainda de braços cruzados, e o peso opressor de sua intenção assassina se dissipou no mesmo instante.
— Essa é minha katana? — Richard perguntou, apontando para o objeto envolto no pano.
— Isso mesmo. Aqui está.
Richard desembrulhou o tecido com cuidado, segurando a arma em suas mãos. Ele a inspecionou por alguns segundos antes de abrir um sorriso satisfeito.
— Perfeito. Exatamente o que eu queria. Hahaha. Muito obrigado, Gaza.
— Não há de quê. Volte sempre, senhor Richard.
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Com o mesmo sorriso descontraído de quem não tinha feito absolutamente nada, Richard se virou e saiu pela porta. Breck o seguiu logo atrás, mas não antes de lançar a Tiko um olhar penetrante, que embora desprovido de intenção assassina, fez o rapaz engolir em seco.
— Bom, que tal voltarmos aos nossos neg—
Tiko quase desabou. Sua visão escureceu por um momento, e ele só não foi ao chão porque conseguiu se agarrar à bancada. Suas pernas tremiam como se tivessem suportado um peso insuportável.
— Haaa… haa… haa… — ele respirava com dificuldade, lutando para recobrar o controle.
— Ei, você está bem? Quer um copo de água?
Tiko queria, mais do que tudo. Mas a máscara tornava isso impossível. Ele fechou os olhos, inspirando fundo, tentando se acalmar, e balançou a cabeça lentamente.
— V-Vamos terminar logo… Preciso ir. Rápido.
— H-Hum… certo… — Gaza respondeu, ainda lançando olhares preocupados.
Com as moedas guardadas na pequena bolsa de couro, o negócio estava encerrado. Mas a sensação de alívio não vinha.
Droga… será que é seguro voltar para casa agora? E se aqueles caras ainda estiverem me observando? Talvez seja melhor ficar na cidade por mais alguns dias, despistar. Mas… e se eles usarem esse tempo pra mandar alguém atrás de mim?
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Os pensamentos vinham em turbilhão, cada um mais sufocante que o outro.
Não… não… que estupidez! Eles não precisam mandar ninguém. Estamos falando de um capitão de divisão e de Richard Ravens, pelo amor dos deuses! Se quisessem, já teriam me prendido aqui mesmo, sem motivo, e ninguém questionaria absolutamente nada!
A ansiedade subia como uma maré implacável, trazendo junto uma dor de cabeça que latejava em sua têmpora.
— Só por curiosidade… você tem outros itens de valor iguais a este que gostaria de vender? — Gaza perguntou, puxando-o de volta para a realidade.
— Hã…? — Tiko murmurou, ainda perdido no redemoinho de pensamentos.
— Ah, não me leve a mal. É que, sabe, você mencionou algo sobre “um item da sua coleção”. Pensei que talvez tivesse mais coisas que quisesse vender.
— N-Não… não tenho mais nada. Só esse mesmo.
— Entendo. Que pena, seria interessante ver mais peças assim.
Com um leve aceno de cabeça, Tiko fez uma reverência rápida e saiu da loja.
Ele percebeu imediatamente. Alguém o seguia.
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