1.

    Sua arma foi rápida. O gatilho, ainda mais.

    O tempo parou em descrença.

    Num momento, risadas. No outro: a cabeça do líder risonho explodindo, se espalhando para todos os lados — respingos manchando os sorrisos pálidos e uniformes negros daqueles a frente da vítima.

    As cores combinavam, e a escuridão concordava.

    O líder do grupo dos teocratas sorria em satisfação ao matar seu adversário.

    A batalha começou sem nenhuma palavra ser proferida.

    Caio se afastou no mesmo instante e se escondeu atrás de um equipamento de montagem daquela fábrica estranha.

    — Que porcaria… claro que isso tinha que acontecer — murmurou Caio, enquanto o som oco das balas penetrava nas paredes.

    Bravo se pôs rapidamente à frente de Helena e Melissa, escudo erguido, ele o segurava com tanta força que as veias saltavam no antebraço. Helena o viu engolir seco, o suor escorrendo sob a máscara de coragem. Ela quis falar algo, mas o som morria na garganta.  

    Os três correram até uma parede quebrada e se agacharam ali.  

    Melissa tremia — não de medo, raiva. 

    — Que inferno, Caio! Maldito! Eu sabia que isso ia dar errado! — gritou, os olhos faiscando entre os clarões.

    Um feixe de balas cruzou o ar, atingindo as colunas de metal e fazendo fagulhas saltarem como fogos de artifício.

    Melissa se assustou.

    O barulho ecoava em ondas, cada estampido abafado pelo próximo.

    O caolho, sorridente, despertou de sua ilusão após ser alvejado; cambaleou e se jogou atrás de um pilar.  Gritou para um soldado logo em seguida — seu imediato, ao que tudo indicava: — Matem todos! Não tem mais negócio! — exclamou, e então outro disparo estourou uma lamparina em sua frente, espalhando óleo em chamas.  

    A claridade piscou, iluminando brevemente os rostos de todos. 

    O líder riu, e o som se perdeu entre o estalar das armas.  

    Helena sentiu o chão vibrar sob as botas dos que corriam.  

    Poeira desceu do teto.

    Os soldados do rei louco, em desvantagem por terem sido alvejados primeiro, reagiram de forma desesperada. Atiraram nas lamparinas e nas fontes de luz, quebrando-as uma a uma.  

    O brilho amarelo foi sendo extinguindo aos poucos, restando apenas o clarão intermitente dos disparos e o som apressado das botas ecoando pela fábrica.  

    O breu engoliu tudo uma vez mais.

    Poeira e fumaça se misturavam ao ar quente, e o chão vibrava sob o peso dos combatentes.

    — Qual a rota de fuga? — gritou Bravo, agachado atrás da parede.  

    — Saída três da fábrica! — respondeu Melissa, ainda tentando se situar.

    — Era a mais rápida? — questionou, com a voz tensa e um pouco destoante.

    — Não me inferniza, Bravo! É óbvio que era, não sou imbecil! — retrucou. Virou-se de repente, os olhos faiscando — Por que a gente não joga a garota rys lá no meio e foge? — sugeriu.

    Helena fechou a cara — Eu não fiz nada para você! Por que vive me importunando?

    — Porque você traz azar, sua fedelha! Não era para ter um rys aqui! — bradou Melissa, cravando o dedo acusador no peito da garota.

    Uma rajada cruzou o ar, atingindo o maquinário ao lado delas e fazendo estilhaços voarem.  

    Bravo girou o corpo, tentando erguer o escudo, mas do outro lado das máquinas, as sombras se moveram rápido demais. Soldados do grupo dos teocratas emergiram, fardas brancas iluminadas pelos clarões.  

    O primeiro disparo atingiu o escudo.  

    O segundo, o chão.  

    O terceiro — Helena ouviu o estalo seco e o grito de Melissa.  

    Ela reagiu por instinto: Melissa agarrou Helena, rolou com ela pelo chão, empurrando-a para longe — Corre! — gritou, se separando da menina raposa. 

    Helena caiu entre alguns panos velhos espalhados, tossindo.  

    Quando ergueu a cabeça, Melissa já não estava mais lá, nem Bravo, todos haviam se separado.  

    Bravo se levantou mancando, o escudo à frente, recuando para dentro da escuridão.

    2.

    Melissa corria. A dor ardia no ombro, mas o ódio queimava mais.

    Rolou atrás de um maquinário, sentindo o ferro frio rasgar a lateral do corpo.

    Pegou uma arma caída da mão de alguém — ainda quente — e recarregou com maestria.

    — Inferno de vida, inferno de fenda, inferno de cidade… — murmurou, cuspindo poeira.

    Antes que pudesse concluir o monólogo infernal, uma sombra cruzou sua frente e ela atirou sem pensar.

    O corpo caiu, inerte — um soldado. Ou talvez dois.

    O teto gemeu acima. Telhas, fagulhas e cinzas caíam como chuva.

    Melissa apertou os dentes e correu em meio à fumaça, puxando uma lamparina caída com seu braço ferido.

    — Saída três… — lembrava em voz alta — Saída três, saída três…

    O breu parecia se fechar mais sobre ela a cada passo.

    Bravo ainda persistia firme.

    O escudo vibrava a cada impacto.

    Uma, duas, dez balas ricochetearam até que o braço começou a ceder.

    — Respira, idiota… respira — sussurrou, sentindo o eco da própria voz dentro de si.

    Uma explosão à direita o arremessou no chão.

    A lateral do escudo pegou fogo, o metal gritando.

    Bravo cambaleou, tossindo fuligem.

    O calor queimava o rosto, mas ele ainda via — distorcido, entre clarões e sombras — três teocratas avançando pelos pilares.

    O primeiro caiu com um golpe seco do escudo.

    Bravo, em seguida, agarrou uma lâmina improvisada no chão e a afundou na carne do segundo.

    O terceiro atirou. O impacto acertou-lhe o peito, empurrando-o um passo para trás.

    Ele então pegou um pedaço longo de metal quebrado e o lançou da direção do último, atravessando-o a cabeça.

    Bravo tombou de joelhos. O escudo ainda à frente, as mãos trêmulas tentando sustentá-lo.

    O som das armas se espalhava, dissolvendo-se em ecos.

    Ele respirou fundo.

    O gosto de ferro e fumaça encheu-lhe a boca.

    Mas ainda respirava.

    Ainda.

    Caio se encontrava estático, escondido atrás de um tambor enferrujado. O estômago apertado, o suor frio escorrendo pelo pescoço — Claro que os teocratas tinham que chegar mais cedo… — falou para si, meio rindo, meio odiando.  

    Cada explosão fazia as engrenagens rangerem, cada grito o lembrava que não era herói.

    Nem traidor. Só um desgraçado tentando não morrer.

    Espiou por uma brecha.

    Viu Helena rastejando entre as sombras. Bravo, caído. Melissa, sumindo.

    E os teocratas avançando como um enxame.

    — Consigo ir… tem que ser agora — disse determinado.

    Engoliu seco.

    Mas quando se moveu, um disparo atingiu o chão a poucos centímetros do pé.

    — Merda! — xingou, e saiu correndo na direção contrária.

    O destino parecia rir dele.

    E continuaria.

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