Capítulo 07 - Negociação (3)
1.
A poeira ainda caía do teto, e cada respiração lhe deixava ainda mais ansiosa. Helena rastejava, arrastando-se por entre destroços, sentindo o frio do chão grudar na pele. Quando enfim encontrou um enorme cilindro de madeira, apoiou-se nele, tentando respirar.
Foi então que algo surgiu à distância — um borrão em meio a escuridão, e dentro dele, uma cor hipnotizante.
Um vulto vermelho, que se misturava à escuridão com naturalidade.
O formato daquele mesmo ser que a perseguia nos pensamentos e devaneios — agora, materializado.
Conseguia ver sua brutalidade.
Atirando. Correndo. Matando.
Partindo uma pessoa, duas.
“Aquela coisa está viva? Como…?”, internalizou, sua respiração acelerou, curta e irregular.
De repente, um dos soldados de preto avistou Helena em seu devaneio e atirou na sua direção, acertando na madeira em que estava escorada.
Lascas voaram.
No susto, Helena fugiu, tropeçando, e se escondendo atrás de prateleiras e máquinas quebradas enquanto corria. Ainda assim, seus olhos seguiam aquela coisa — o vulto vermelho — mesmo em sua evasão.
“Isso é real? Ela está viva afinal…”, repetiu para si enquanto a observava e escutava o grito dos desafortunados que se esbarravam com aquilo.
Uma curva errada e a perdeu de vista.
Desapareceu, como se nunca estivesse a princípio.
E então um barulho correu de seu lado, um inimigo surgiu no meio do corredor: o soldado que a perseguia.
Helena sentiu um resquício de medo com aquela arma apontada para si.
O dedo dele já quase concluía o movimento no gatilho — mas não houve tempo. Com um estalo seco, o corpo desabou como um peso morto antes que pudesse reagir.
*BANG!*
Sua cabeça perfurada por um projétil preciso.
O sangue espirrou no rosto de Helena — quente, fresco.
Atrás dele, sob a luz fraca de uma lamparina, estava aquela coisa.
Segurava uma arma com uma lâmina acoplada à ponta.
Sorria — um sorriso inocente como o de uma criança, ou uma princesa, ou um demônio.
[“Pegue-a”, disse a criatura, “Meu presente para ti.”]
Helena olhou para o chão: uma arma, caída, esperando.
Mas antes que pudesse decidir, um disparo ecoou — atingindo a fonte de luz acima daquela coisa.
Mesmo envolta pela escuridão, Helena ainda podia ver o sorriso.
Um sorriso escarlate.
“Péssimo momento para isso voltar…”, pensou, levando uma das mãos à têmpora.
De repente, um vento cortante passou sob seu braço. Alvejada novamente.
Rapidamente voltou-lhe a percepção de que nenhum lugar ali era seguro.
Abaixou-se, pegou a arma e correu.
Do outro lado, Melissa ainda tateava o caminho com sua fonte de luz quase morta, até esbarrar em Bravo.
— Bravo! — chamou, aliviada.
— Olá, Melissa — dizia meio ofegante.
Ele ainda estava de joelhos, debilitado.
Melissa arrancou o escudo da mão dele e o jogou no chão com estrondo. Depois deixou sua luz hesitante de lado e o ajudou a se levantar: — Vamos! — disse, apoiando-o no ombro. — Me deve uma, grandão.
— Sabe onde está o Caio? — perguntou Bravo, arfando.
— Não. Aquele infeliz deve estar longe daqui.
— E a rys?
— Me separei dela.
Um disparo os interrompeu — cheiro de pólvora vindo de cima.
— Merda! — gritou Melissa, exausta da confusão.
As balas ricocheteavam no chão enquanto corriam em zigue-zague. Se jogaram atrás de um separador metálico.
No teto, uma passarela de ferro vibrava sob o peso de botas.
A escuridão tomava tudo — quase todas as luzes já haviam sido destruídas. Algumas mínimas fagulhas restavam se espalhando pelo chão.
— Gente covarde! — vociferou Melissa.
— A morte é a nossa clemência! — zombou uma voz entre as sombras.
Então, uma figura surgiu do breu: era Caio.
Melissa, por reflexo, quase atirou.
— Graças a Deus estão vivos — disse ele, ainda ofegante.
— Ow, Caio! Não assusta! Quer me matar?! — retrucou ela.
Bravo permanecia em silêncio, atento ao som dos passos ao redor.
— Sabem onde está a raposinha? — perguntou Caio, aflito.
— Sério que tá mais preocupado com ela do que com a gente? — Melissa bufou.
— Não é is—
Uma rajada adentrou a conversa. O som reverberante dos projéteis penetrava a estrutura.
Melissa puxou Bravo pelo braço, e os dois se jogaram para o lado, Caio se voltou para trás.
Correram desordenados e se abrigaram atrás de outro maquinário, tentando recuperar o fôlego e entender de onde vinham os novos disparos.
— Inferno, Caio! A gente precisa sair daqui! Esquece a rys! — gritou Melissa, segurando o braço machucado.
— Melissa, você não está entendendo. Ela não é uma rys qualquer.
— Se não é uma rys qualquer oque é? Uma borboleta?
— Escuta só uma vez.
— Então fala!
— Os rys têm muito lumem, mas não o suficiente pra deixar uma plutonita em vibrância — disse, gaguejando entre as palavras.
O teto gemeu novamente. Poeira e pequenas telhas começaram a cair ainda mais que o normal.
Bravo foi o primeiro a perceber — olhou para cima e gritou empurrando-os: — Sai!
Eles correram, mesmo cansados, empurrando-se uns aos outros.
Parte do teto da fábrica cedeu.
Escaparam por pouco e buscaram refúgio sob uma cortina de separação. Seus corpos estavam se cansando.
— Eu concordo com a Melissa, vamos deixar a rys. Isso tudo foi culpa sua, Caio, para começar — disse Bravo, o tom de voz exacerbado.
— Não, não, gente, aquela rys, ela é amnésica — Caio ainda tentava.
— Isso não é da nossa conta — continuou Bravo.
— Não, escuta, ela tem três caudas, ela mesmo disse, mas não acreditei — complementou Caio na esperança que alguém compreendesse.
Melissa arregalou os olhos, um lampejo de entendimento atravessando o seu ser — Isso… Eu achei que era um truque dela, você acha que—…
Antes de Melissa completar a frase, Caio assentiu com a cabeça — Ela é uma bomba, completamente — disse, concluindo.
Melissa ia continuar, mas foi interrompida.
Disparos vindo de um ponto cego.
O grupo dos soldados do rei louco emergiram por de trás da cortina. Sem aviso prévio.
Atiraram sem confirmar oque exatamente estava na frente deles.
Um dos projéteis acertou a perna de Caio — o grito foi imediato, seguido por outra rajada ainda mais intensa.
Eles correram.
— Aparece logo e morre! — suplicou um dos soldados.
— Cala a boca, seu rato! — berrou Melissa.
Em meio a fuga, perceberam que um beco havia se armado.
Os teocratas apareceram.
Outro ciclo, se refugiaram com a última esperança atrás de caixas de reposição.
Os dois grupos se matavam à distância e eles eram apenas o colateral no meio daquela digladiação.
Bravo, com a sua força, derrubou e arrastou máquinas para retardar o avanço dos homens de preto, logo em seguida se prostrou no chão, segurando seu peito.
Melissa buscou cobertura e pôs sua visão no alto, seu reflexo foi acurado, derrubou dois teocratas que andavam nas passarelas em poucos segundos. Outros que ousaram avançar por cima recuaram.
— A gente não vai aguentar mais, não conseguimos nem andar direito — expressou Melissa em desespero.
Caio se virou até o ponto cego de Melissa, mirou e atirou em uma pilha velha de peças que caiu sobre a passagem, tampando o corredor.
— Não desiste! — exclamou Caio.
Estavam cercados.
Completamente.
A mercê do destino.
A esperança negava o matrimônio.
E a insistência era a única coisa que restava.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.