1.

    — Falta só o Tridente de Lizume e aquela pessoa que estava com eles — uma sombra comentava.

    — Os peões do rei louco se foram? — outra sombra questionava.

    — Nem todos, o importante é acabar com aqueles quatro — afirmava a primeira sombra.

    — Por quê? — a segunda sombra permanecia com dúvidas.

    — Ordens de última hora do general, pergunta lá para ele.

    — Nem morto… — desistia de seus pensamentos.

    A primeira sombra riu. E uma troca incessante de tiros começou em outro lugar acompanhando a risada.

    — Vamos, antes que sobre para a gente — afirmou a primeira sombra quando o barulho chegou em seus ouvidos.

    Helena escutava tudo por trás de uma prateleira.

    “O tridente, escutei Caio falar isso antes”, pensou, seguindo-os com passos cautelosos, “Se eu seguir eles, posso chegar até onde Caio está.”

    Enquanto os seguia a fábrica inteira começou a vibrar, o fogo das lamparinas que derrubaram no chão já estava afetando a fundação.

    Mais alguns passos e sentiu na pele, não era possível mais andar, tudo balançava. No desespero se apoiou em um tanque para não cair no chão, “Isso não pode ser bom…”

    As vigas tremiam como cordas prestes a se romper. 

    Então o primeiro estalo veio. 

    Uma parte se soltou, depois outra e outra. A parede gemeu, rachando. 

    Helena tentou gritar, mas o som se perdeu em meio a confusão.

    O chão cedeu sob seus pés. 

    O mundo virou uma mistura de poeira, destroços e gravidade desgovernada. 

    Ela sentiu o corpo ricochetear entre estruturas, o impacto amassando cada parte de si até ser engolida pelos escombros. 

    Quando despertou, havia um silêncio pesado, quebrado apenas por goteiras. 

    Havia luzes para todos os lados, aquela luz que despertou quando chegou na fábrica, só que agora, descoberta.

    A plutonita havia se espalhado por todo lugar.

    O calor subia do chão rachado. Ela tentou se levantar, tonta, a pele coberta de cinzas e fragmentos de pedra. 

    A guerra continuava em algum lugar lá em cima, mas ali, entre destroços, parecia que o mundo já tinha acabado.

    — Está tudo se despedaçando e eles continuam lutando entre si… — murmurou, indignada com a voz dolorida.

    A parte da construção em que estava desabou em cima de outra.

    Por sorte aquela cidade era vertical

    Helena andou cambaleando por um corredor inclinado, sem seu manto, mostrando sua verdadeira forma, as marcas de estrelas presente em todo seu corpo, acompanhavam aquela atmosfera.

    Uma sensação ruim.

    O cheiro de ferro e óleo queimado a fazia ficar enjoada. 

    Então, entre as ruínas, uma forma caída chamou sua atenção. 

    Parou. Um corpo — roupa rasgada, o cabelo escuro, a mesma postura rígida de Alice. 

    O sangue secava em torno da cabeça, formando um halo marrom. 

    Helena se ajoelhou, a voz trêmula: — Não, por favor, não… — tocou o ombro, frio. 

    Um detalhe brilhou entre a fuligem — o pingente prateado que Alice usava. A garganta de Helena se fechou. Ela recuou, tropeçando, a mente girando como se o ar tivesse sido arrancado do corpo.

    [“Viu só?”, a voz surgiu suave, quase carinhosa.]

    Helena congelou. A criatura estava ali outra vez, de pé entre as sombras, os seis olhos rubros flutuando.

    [“Você destrói tudo que toca.”]

    Ela balançou a cabeça, recuando — Não! Não é real. Você não é real!

    [“Sou a parte que sobra quando todo o resto morre.”]

    — NÃO! — Helena gritou, chutou o corpo sem querer, e o som oco ecoou. 

    O pingente rolou e caiu em um buraco. Ela se jogou atrás, os dedos tentando alcançar, e viu o reflexo dos próprios olhos — agora escarlates — em uma superfície metálica. Por um instante, sentiu que a criatura e ela respiravam no mesmo ritmo.

    Ela colocou os dedos no próprio rosto, lágrimas começaram a descer — Eu não sou assim — disse em soluços.

    [“Sempre foi, só negava”]

    — Me deixe em paz!

    [“Aqueles que estavam contigo, estão provavelmente mortos também.”]

    — Não! Eles estão bem!

    [“Negação.”]

    — Porque você está fazendo isso comigo? — questionou, seu choro se tornou mais constante. Helena começou a bater em sua própria cabeça.

    [“Porque você faz isso contigo mesma…”, ao final da fala ela desapareceu.]

    De repente mais poeira começou a cair e de novo um estalo, mais grave.

    A construção que ainda restava acima desabou por completo.

    E então tudo estava em destroços.

    O silêncio veio.

    Helena tossiu, e cada respiração parecia arranhar por dentro, um sorriso começou a se formar, desespero, um sorriso enlouquecido.

    O lugar inteiro havia mudado — o teto sumira, as paredes inclinadas formavam um labirinto de destroços. Feixes de luz da plutonita que haviam se espalhado passavam pelas brechas, revelando todo o caminho. Ela se arrastou até uma abertura e parou.

    Tiros voltaram a ser disparados. Mesmo depois de toda essa destruição e confusão, a batalha ainda continuava.

    Não havia empatia. Trégua. Nada.

    Só acabaria quando um deles voltasse vivo.

    O sorriso de Helena se abriu ainda mais.

    Por entre os destroços ela andou, rindo.

    Refletindo.

    Não há esperança para eles.

    Ela pegou uma das armas que encontrou no chão, partes da arma começaram a brilhar.

    A plutonita reagiu — agora tudo se tornou claro como o dia. Todos podiam se ver, a batalha se tornou mais frenética.

    Helena correu em meio aos destroços.

    Em êxtase, como se nunca tivesse sentido essa felicidade antes.

    A primeira pessoa que viu atirou em questão de milésimos, o corpo se desfez em pedaços. Parte do sangue daquele pobre homem voltou à arma e se fundiu.

    Um prazer adentrou a atiradora, seus olhos se reviraram.

    Ela continuava, igual como em uma brincadeira.

    A segunda vítima foi um teocrata, que apontou em uma encruzilhada.

    Seus rostos quase se chocaram. 

    Com um giro rápido, Helena tomou a arma pelo cano e, num golpe só, fez a coronha encontrar o crânio do homem contra a parede, destruindo a parede por completo. O sangue se espalhou e aderiu ao metal da arma.

    O prazer foi eletrizante.

    O brilho aumentou.

    Helena continuou — apunhalando, atirando, matando. A diversão em seu rosto era indecente.

    Uma brincadeira que não perdurou — interrompida por sádicos.

    Monstros sem almas na visão de Helena.

    Três silhuetas, pessoas que ela conhecia, seu sorriso sumiu, seus olhos estáticos.

    Três pessoas ajoelhadas, com as mãos para o alto. Rendidas. Armas em suas cabeças. 

    Uma pessoa piscava em sua visão, se transformava constantemente naquilo que amava, alguém que lhe causava um estar angustiado.

    *Crick*

    Todos os gatilhos puxados em sincronia.

    O coração de Helena parou.

    Antes do tic se encontrar com o tac, um vulto vermelho e ela estava entre eles e as armas.

    Os projéteis falharam.

    Um domo vermelho surgiu ao redor das três figuras — Bravo, Caio e Melissa — as caudas de Helena vibravam, seus cabelos ganharam mais algumas mechas vermelhas.

    Sua respiração descompassada expressava ódio. Expressava morte.

    Teocratas e os soldados de roupas negras. Todos olhavam com temor.

    — O Sol… — disse Melissa, vendo-a de costas, sua voz mansa.

    O caolho se levantava dos destroços de um lugar mais acima, movendo seu olho em direção à luz vermelha que acabará de surgir — Que coisa é essa? — se perguntou ainda em descrença.

    A luz expelida pela plutonita se fortaleceu, intensa, quase ganhava forma. Ela se misturava com o vermelho. Transformando todo o cenário com uma paleta roxa.

    O brilho se tornou sufocante, até se moldar impossível. Uma a uma elas foram se partindo. Até não restar nenhuma fonte de luz.

    Tudo desapareceu.

    De volta a escuridão.

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