Capítulo 71
Os tiros dos capangas, acompanhados pelos gritos de medo e terror das pessoas que estavam fora do colégio, atravessavam violentamente aquela fumaça.
Os mafiosos avançavam aos poucos, aproveitando ao máximo todas as janelas de fogo livre, recarregando periodicamente entre si; impedindo assim, que Slezzy e Sanches não pudessem usufruir de nenhuma brecha da situação.
A cerca de trinta metros; os agentes se escondiam atrás dos armários laterais, junto com os garotos. Sanches protegia Rainn no armário à esquerda do corredor, enquanto Slezzy protegia o garoto de cabelos vermelhos, logo a direita, atrás de outro armário similar.
Sanches percebeu que as pupilas de Rainn estavam dilatadas; e que também, o garoto estava completamente fora de si.
— ELE ESTÁ APAVORADO! — gritou Harvim em meio ao grande tiroteio.
A distância entre as duas duplas era cerca de aproximadamente três metros e meio.
— AVANÇEM! SEM EXITAR! — berrava Kayber para os outros mafiosos, que não cessavam os tiros a nenhum momento.
Slezzy ousou ao tentar ver qual era a distância real daqueles mafiosos, mas foi impedido com uma sequência veloz de disparos, que quase acertou seu crânio.
Àquele ponto, o jovem se sentia tão frio e confortável naquele tipo de situação, que a passagem da sua vida perante seus próprios olhos não era mais um grande problema.
Sanches não hesitou, e ao perceber que a maioria dos tiros de repente foram direcionados à posição de Slezzy; apontou rapidamente sua clássica pistola às escuras, apenas com o seu braço direito, descarregando todas as seis balas que ocupavam o compartimento daquela arma.
Logo, eles escutaram gritos de dois ou três dentre os capangas, que cessaram o fogo imediatamente após o ocorrido.
Durante aquele intervalo de tempo, enquanto recarregava sua arma, Sanches alertou o jovem ao seu lado, em baixo tom, mesmo que os capangas estivessem consideravelmente longe dali:
— Ouça, Slezzy! Rainn e Harvim já estão a salvo! Você precisa conter o homem mascarado! Eu ficarei aqui… e protegerei os garotos, enquanto lido com aqueles fracotes! — concluiu, sorridente.
Slezzy cogitou a tal ideia, pensativo; porém, foi interceptado pela fala de um de seus demônios:
— Ele é extremamente perigoso! Vocês precisam considerar que ele se enfiou por completo nesse plano suicida; e que não se importaria a esse ponto… de usar todas as suas forças para lhe matar, Slezzy; mesmo que isso custe a própria vida.
Sanches retrucou o demônio:
— Com a certeza de que tenho agora, ele não está contando com reforços do restante da Asa Negra ou qualquer outra organização. Além disso, não nos resta outra escolha! As vidas de todas aquelas pessoas lá fora, estão em jogo!
De repente, tiroteios começaram a ser disparados do lado de fora do colégio, em meio aos gritos de muitas pessoas.
O barulho de carros-fortes e helicópteros militares ecoavam dentre o tiroteio. Os agentes se preocuparam amargamente.
Do lado de dentro, os capangas tornaram a disparar na direção do grupo inimigo, desta vez, avançando rapidamente. Eles estavam a apenas quinze metros daqueles armários de aço.
— Eu… irei atrás de Salvador! — exclamou Slezzy, com convicção, atraindo a atenção dos três demônios que o cercava.
Sanches sorriu. Posteriormente, o agente retirou uma granada de luz de sua cintura tática, enquanto Slezzy alertava os garotos, em alto tom para que sua voz se sobressaísse mediante o barulho dos tiros:
— Ouçam, meninos! Não saiam de trás desse homem! Ele os protegerá daqui em diante! Vocês podem confiar nele… como confiam em mim!
Harvim encarou o jovem, com extrema frieza, levantando sua cabeça. Logo, Slezzy o indagou:
— Eu sei que vocês devem estar cheios de dúvidas sobre tudo isso que está acontecendo…, mas… eu prometo que quando tudo se resolver, vocês entenderão. Agora… apenas foquem em sobreviver! — Ele concluiu aquela fala, cedendo a sua submetralhadora para Harvim. No momento em que o garoto a pegou, Slezzy segurou a mão de Harvim com muita força. — Sei que você é muito inteligente, então, use isso… apenas em último caso…!
Em seguida, Slezzy soltou a mão de Harvim, que agora estava armada.
O barulho dos tiros que vinham de fora começou a ficar estrondoso e impactante. Aquilo foi o estopim para que Sanches berrasse:
— VÁ, SLEZZY! NÃO HÁ MAIS TEMPO A PERDER! NÃO SE PREOCUPE!
VOU TE DAR COBERTURA!
O Agente retirou o pino da granada de luz, e a arremessou na direção daqueles mafiosos, enquanto os mesmos ainda atiravam.
— SE PROTEJAM!!! — gritou Kayber, desesperadamente.
Após o forte efeito da granada, os capangas da Asa Negra, incapacitados de enxergarem qualquer coisa devido à cegueira temporária, cessaram o fogo mais uma vez; ainda que estivessem a apenas dez metros de seus inimigos.
Logo, Slezzy aproveitou daquela oportunidade única e avançou em direção a janela do final do corredor, a qual havia utilizado para adentrar o local há minutos atrás.
Kayber e alguns capangas tentaram impedir tal avanço, mas foram contidos por Sanches, que disparou por longos segundos com o seu fuzil na direção daqueles homens, descarregando um pente completo da arma; permitindo então, que Slezzy abandonasse a construção.
O jovem saltou; e rapidamente utilizou a sua arma de gancho sobre a grande estrutura externa do colégio, com objetivo de chegar ao topo da construção; e alcançar o homem mascarado.
No corredor, Harvim e Sanches, armados, estavam apenas a cinco metros de Kayber e os outros capangas. Estes que não atiravam continuamente desta vez, mas apenas se aproximavam o máximo daqueles três.
— Saiam da toca, coelhinhos! — provocou Kayber.
— Você não precisa fazer isso… — afirmou Sanches, olhando para sua frente à diagonal. Porém, Harvim percebeu que não havia nada lá.
Sanches dialogava com Rayrack, e somente esse poderia ouvir o demônio. Mas o garoto não compreendeu.
Há poucos segundos de serem abordados pelos mafiosos, Kayber, confundido pela fala de Sanches, o afrontou:
— Acho que é tarde demais para implorar pela sua vida, desgraçado!
Sanches encarou Harvim e o alertou, ignorando a fala daquele mafioso.
— Garoto, você não precisa ver isso…
Sanches colocou a mão esquerda sobre os olhos de Rainn, cobrindo toda a sua visão.
Logo depois, Rayrack, seu demônio, assumiu sua forma física, provocando um grande susto em Harvim.
Os mafiosos, tomados de adrenalina, dispararam violentamente contra a carcaça daquele demônio. Porém, à medida que os capangas descarregavam os pentes de suas armas, perceberam algo sobrenatural: uma auréola transparente em torno de Rayrack fazia com que todos os projéteis fossem revidados.
Sanches e Harvim, não mais encurralados, apenas observaram o sorriso maléfico de Rayrack. Era como se a criatura estivesse aliviada.
O som dos projéteis revidados na direção dos capangas, se misturaram em meio aos gemidos de dor dos mesmos.
*
Sobre o telhado do colégio, Slezzy corria enquanto observava toda a situação ao seu redor. Pessoas gritavam em meio aos tiros, entre agentes das tropas militares e franco-atiradores posicionados em diferentes prédios.
Alguns dos atiradores, aliados de Salvador, conseguiram visualizar a passagem de Slezzy sobre o telhado, mas foram impedidos de contê-lo por causa da pressão causada pelos policiais do térreo, que naquele momento já começavam a invadir tais prédios.
O jovem percebeu sinais de passos sobre os telhados brancos do colégio; e assim os seguiu, com objetivo de rastrear o mascarado.
Slezzy atravessou toda a escola, caminhando sobre o telhado. No final da trilha de rastros, o jovem chegou ao que parecia ser a parte mais afastada de toda a área estudantil, mas que ainda fazia parte do colégio. A seguir, ele desceu do topo da estrutura com auxílio de sua arma de gancho.
O jovem estava diante de uma grande quadra de futebol americano, cercada de árvores e uma repleta natureza em sua volta. Aquele local estava relativamente sujo. Havia pequenos lixos como latas de refrigerante e pedaços de papel sobre as cadeiras da arquibancada de torcida.
O acesso para a tal quadra era finalizado em um grande mural feito de tijolo, que se conectava com o resto do colégio. Todo o entorno do extenso campo era rodeado de grandes iluminadores, que estavam desligados devido ao horário e também desuso do local.
Os rastros de Salvador haviam acabado, porém, Slezzy confiou em sua intuição de que o mascarado ainda estava naquela área. Assim, o jovem adentrou o campo e começou a procurar por mais rastros, mas logo foi surpreendido.
O homem mascarado se revelou por trás do jovem:
— Você está pronto, garoto? — disse com um tom traiçoeiro.
Slezzy se virou rapidamente, encarando Salvador. Seus olhares foram tomados por uma extrema raiva.
Raios alaranjados começaram a dominar as envoltas do corpo do garoto.
— Ei! Você não achou mesmo que eu faria tudo isso, para te matar de uma forma tão covarde, não é!? — indagou Salvador. — Apesar de que… isso é bem comum para os seus colegas de trabalho. Mas é uma pena que eu não seja um deles.
Os dois estavam a apenas dez metros de distância um do outro.
Salvador pisava sobre uma linha branca que delimitava a área do campo.
As duas figuras de vestimentas negras, se encararam por mais alguns segundos.
Os cabelos de Slezzy já caíam sobre o seu rosto, devido ao suor, enquanto eram rebatidos pelo forte vento que começou a dominar o campo repentinamente. Ele assumiu uma posição de batalha após ser confrontado pelo mascarado:
— Espero que você tenha realmente aprendido algo… após todos esses meses… sabe… não faz parte da minha índole, acabar com um pequeno…
A fala de Salvador foi interrompida, devido a um rápido avanço de Slezzy, que o surpreendeu.
Aquele avanço ocorreu em questão de milissegundos; e o mascarado escapou por conta de seu rápido reflexo, desviando para o lado direito do campo.
— Que falta de educação, moleque! Atacar durante a fala de seu oponente não é algo muito respeitoso! — afirmou Salvador, sarcasticamente.
Slezzy, um pouco ofegante, percebeu logo após o seu rápido golpe, que havia acertado em cheio uma das lentes dos óculos de seu inimigo.
Pequenos pedaços de vidro, o material que compunha tal lente circular, estavam espalhados sobre o gramado do campo que compreendia a distância entre os dois rivais.
O jovem de rosto pintado não perdeu mais nenhum segundo, após concluir que havia ferido a figura do mascarado, partindo para cima novamente, em meio aos seus berros, enquanto desferia socos rodeados de raios alaranjados, providos de sua manipulação de Arché Superior.
Os rivais começaram a trilhar sobre todo o campo enquanto batalhavam.
Mesmo que Slezzy estivesse sob liderança de pressão de ataque, a partir dali; todos os seus golpes começaram a ser anulados pelas pequenas paredes de matéria escura, criadas por Salvador, ao longo da luta.
O jovem pressionou o mascarado por bastante tempo, forçando-o a recuar cada vez mais até a outra parte do campo, aonde ficava a grande arquibancada.
Ao chegarem perto daquela área, Salvador surpreendeu o jovem, finalmente realizando um rápido contra-ataque, a partir de uma de suas paredes criadas para se proteger dos fortes golpes do garoto. O mascarado a quebrou instantaneamente, segurando o braço largado do jovem, com extrema força:
— HAN? — gritou Slezzy, assustado por tal iniciativa.
Logo depois, tendo o controle sobre o corpo do jovem, Salvador o arremessou até a grande arquibancada, assim, colocando fim sobre toda a série contínua de socos que recebera no último minuto.
Slezzy se colidiu violentamente com as barras de ferro que formavam tal local.
Atordoado, sobre os destroços das cadeiras da arquibancada, o garoto gemia de dor; enquanto o homem mascarado se aproximava, o provocando:
— Não me diga que isso vai ser como da última vez! Ah! Espera… o Capitão Roy vai estar aqui para lhe salvar de novo!?
Surpreendentemente, Slezzy encarou aquela provocação com uma risada.
Sem esboçar mais qualquer reação, Salvador, ainda no gramado, observava o corpo do jovem à apenas cinco metros de altura, sob a arquibancada.
A pintura branca estampada sobre a face de Slezzy estava coberta por pequenos traços de sangue.
O jovem, ainda deitado sobre os destroços, cuspiu na direção de Salvador.
O mascarado ficou desentendido. Porém, ele percebeu a tempo que tudo aquilo era uma pequena distração: disfarçadamente, Slezzy retirava o pino de uma granada de fumaça.
Quando o jovem percebeu que havia sido descoberto, agilizou o seu plano, arremessando por fim, aquela bomba a sua frente.
Salvador e Slezzy estavam mais uma vez separados por uma grande cortina de fumaça, e os futuros golpes um do outro se tornaram surpresas novamente.
O que mascarado não esperava, era que logo após a ativação da grande fumaça, o jovem realizasse um ataque desbravador, atravessando a mesma.
“O que!? Mas você… O seu corpo… estava completamente debilitado! Como!?” pensou Salvador, sem esboçar qualquer reação física, antes que recebesse o golpe surpresa de Slezzy: um rápido avanço com sua espada, atravessando todo o vapor.
Slezzy, seguido de um alto grito de dor do seu próprio corpo, com todas as suas forças restantes, naquele mesmo avanço, acertou em cheio a face daquele homem.
O jovem finalmente havia quebrado a máscara de Salvador, em três pedaços quase que iguais, com um único golpe; sem posse de qualquer contrato do seu demônio, Haram.
Após o golpe surpreendente, Slezzy caiu sobre uma parte do gramado. Seu corpo estava muito debilitado após toda sua sequência de socos anulados e o golpe de Salvador. Porém, ele havia ganho algum tempo.
Ao se ajoelhar, com a tentativa de se reerguer, Slezzy virou seu rosto para trás após ouvir um pequeno gemido de dor. Sobre a fumaça que se esvaía lentamente, Salvador, ainda de pé, estava atordoado.
Por pouco, o golpe do garoto não havia sido fatal.
— Você… — comentou Slezzy após visualizar a figura de Salvador, agora sem nenhuma máscara ou óculos circulares em seu rosto.
Ao esvair completo da cortina de fumaça, os dois finalmente se encararam.
O jovem visualizou a imagem completa e nítida da face de Salvador, que não se importou em escondê-la, nem mesmo com os seus próprios braços.
Slezzy se atentou a cada detalhe do rosto daquele homem.
Salvador possuía cabelos pretos e lisos, que se destacavam pelo seu penteado social e espetado, além de uma franja disfarçada.
Em meio ao tom de pele branco, a boca daquele homem, vermelha até demais, chamava bastante atenção devido a um piercing no seu lábio inferior.
Dois momentos icônicos vieram à tona na mente de Slezzy, ainda ajoelhado: A metade do rosto de Salvador que fora revelada no dia da invasão a prisão antiga, além da lembrança do novo funcionário que havia ocupado o seu cargo no NCC.
“Bom trabalho! Tenho certeza de que se dará muito bem aqui!” Foi a sua única frase dita para o homem que havia tomado posse de seu cargo, curiosamente, no mesmo dia em que a Operação Caos fora criada.
— Seu desgraçado… você é a merda… do meu substituto! — comentou Slezzy, em pausas, completamente desacreditado; e ofegante.
Salvador o encarou seriamente.
Logo, os dois tornaram a se encarar sobre os ventos cada vez mais fortes, que atravessavam suas roupas e cabelos.
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