Capítulo 76
Após a grande colisão entre a Chama de Gamashi, conjurada por Salvador, e a Barreira de Défteros, conjurada por Slezzy; um silêncio profundo dominou a área da batalha.
Slezzy estava com os braços posicionados defensivamente, em frente ao seu rosto, protegendo-se ainda no mesmo lugar onde havia realizado tal manipulação.
Lentamente, o garoto começou a abrir seus olhos.
Seu rosto estava repleto da poeira que havia se espalhado pelo ar, no momento da colisão. Sua visão estava um pouco embaçada.
Impressionantemente, o corpo de Slezzy estava intacto. Nenhuma parte de suas vestes estavam rasgadas. Não havia nenhum machucado em qualquer membro de seu corpo. Ele havia defendido todo o poder de Salvador.
Os Irmãos Sam, que estavam lado a lado de seu mentoreado, não o abandonaram a qualquer momento. Eles observaram que à medida que a fumaça formada por resquícios de Arché Superior se esvaía, uma imagem negra se formava a frente.
Com os olhos totalmente abertos e a consciência recuperada, não demorou muito para que Slezzy percebesse que aquilo, era na verdade o braço direito de Salvador.
A mão do mafioso, aberta, se aproximava lentamente do rosto do jovem.
Slezzy não hesitou e avançou bruscamente, realizando uma sequência de socos no rosto de Salvador, mesmo não lhe restando muita força em seus músculos; em meio a gritos de raiva.
Conforme a cada soco acertado na face sangrenta de Salvador, o mesmo perdia a estabilidade sobre o chão. Até chegar um ponto em que, sobre o esvair completo da fumaça, seu corpo não conseguia mais se manter de pé; devido a sua extrema fraqueza.
Com a atmosfera completamente limpa desta vez, Salvador estava prestes a cair sobre o piso de concreto, mas foi impedido por Slezzy, que agarrou seu pescoço, com a mão direita.
Sem forças, só restava a Salvador observar os olhares raivosos de seu inimigo.
Os ossos do vilão estavam em sua maioria quebrados. A beira da morte, o seu corpo se perdurava sobre a mão de Slezzy, que o sufocava lentamente.
O jovem o provocou:
— Esse seu rosto… Todas as vidas que você e o seu miserável bando tiraram ao longo desses anos… aquelas pessoas… elas expressaram essa mesma face… que não possui nenhum fio de esperança. Mas… eu as vingarei… eu vingarei todos aqueles que foram alvo de vocês… malditos criminosos…
— Como!?… — refutou Salvador, em seus últimos suspiros, interrompendo a fala de Slezzy. Os olhos daquele homem estavam fixados em seu rosto.
O jovem apertou o pescoço daquele homem, cuspindo na sua face em seguida.
— Você se lembra daquele dia… A invasão à prisão antiga…? O dia em que você matou Niash. Sabe, o maior sonho daquele garoto, era dar ao menos algum tipo de conforto para a própria mãe, tirando ela dos cercos de mafiosos. Porém, tudo simplesmente acabou ali! Sua morte foi instantânea! Ele morreu sem compreender o que era aquele maldito raio! Sem saber o que se escondia pelas entranhas dessa maldita cidade!
— Como…!? — Salvador voltou a suspirar.
— Han? — disse Slezzy, indignado.
— Por que… você não está… morto…!? — falava o vilão, com as últimas forças de suas cordas vocais.
— O que?… Você… não se importa!? — respondeu Slezzy, raivosamente. Uma pequena lágrima escorreu sobre seu rosto. — VOCÊ… NÃO SE LEMBRA AO MENOS… DAS MALDITAS FACES DELES…!
Em um rápido impulso, Slezzy levantou o corpo de Salvador, ainda o segurando pelo pescoço. A seguir, girou-se e o arremessou contra o poste de luz que estava atrás de si, berrando:
—…DESGRAÇADO!
Ao chocar suas costas com o poste de luz outra vez, Salvador, ao tentar se apoiar, pisou em falso devido ao cansaço.
Seu corpo se desmoronou por completo sobre o concreto.
Os Irmãos Sam perceberam que aquele choque havia causado algumas trincas no poste.
Rapidamente, Slezzy começou a conjurar, outra vez, o seu novo poder de tom dourado e perfeito, enquanto caminhava em lentos passos até Salvador. Desta vez, aquela magia começou a se disseminar por todo o resto de seu corpo.
— Ainda lhe resta forças… para conjurar o Raio de Éktos? — perguntou Hiram, preocupado. — Você pode sofrer duras consequências caso isso dê errado!
— Nem que todos os ossos do meu corpo quebrem… nada impedirá que eu mate esse homem, hoje… aqui… e agora…
Seus demônios se encararam posteriormente, com um pequeno sorriso.
— Ei! Salvador! Eu vou lhe explicar por que não estou morto! E na verdade… é por um motivo bem simples! — provocou.
Slezzy se disparou em direção ao poste de luz, que estava ao lado de seu inimigo.
O vilão, praticamente inconsciente, resmungava à medida que ouvia os rápidos passos de Slezzy, observando os céus.
— O motivo a qual eu não estou morto agora… Salvador… É POR QUÊ…
Em uma velocidade surpreendente, Slezzy alcançou o poste, e com auxílio de seu mais novo poder, começou a escalar apenas com os pés, sobre aquela mesma estrutura. Salvador estranhou aquele movimento.
Antes que seu impulso fosse zerado, o jovem utilizou de suas pernas para pular o mais alto possível, saltando daquela coluna.
A mais de quinze metros do chão, Slezzy, cercado por uma áurea dourada, provinda de todo aquele poder, finalmente conjurou seu golpe final em direção ao vilão, completando as últimas palavras que aquele homem estava prestes a ouvir, aos berros:
—…VOCÊ NUNCA DEVERIA… TER ME SUBESTIMADO!
Um grande raio se dissipou da mão direita de Slezzy, ainda sobre o ar, fazendo com que todo o céu a sua volta brilhasse. O Raio de Éktos se cursou retamente até o corpo de Salvador, destruindo-o por completo e o afundando sobre as pedras de concreto que se formaram após tal feito.
Sobre o ar, Slezzy teve a impressão de que algum vulto havia pairado acima de seu corpo durante aqueles últimos segundos. Aquilo o desconcentrou, forçando-o a interromper o seu poder, para verificar com mais atenção aquela figura estranha. No final das contas, ele apenas se encheu de confusão, pois tinha certeza de que tinha visto algo. Logo depois, com o fim de toda a sua conjuração, começou a cair.
O susto dominou a mente do jovem por um momento. Ele não havia se dado conta que estava sem sua arma de gancho.
Próximo do chão, Hiram voou em direção a Slezzy, agarrando-o fortemente em seus braços. Haram os acompanhou.
Após soltá-lo em completa segurança, o demônio o alertou:
— É sério que você não havia pensado em como desceria, depois de tudo aquilo? — Hiram deu um leve peteleco na testa de Slezzy.
— Au! — resmungou, com uma cara feia.
— É impressionante o fato de como você estava empenhado para derrotar este homem, a ponto de ignorar os riscos de sua própria vida, Slezzy… — comentou Haram.
“Aquela figura… Eu tenho certeza… de que era algum ser humano…, mas por que ali? Por que naquele momento?… Não é possível que eu esteja ficando louco”
Slezzy passava o dedo indicador sobre sua testa.
A área por volta do mentoreado e de seus demônios estava irreconhecível.
Havia pedras espalhadas por todo o local, além de buracos enormes sobre as construções dali. Toda a parte verde do local já não existia.
Um verdadeiro clima de morte se instaurou ali, depois da “chuva de cinzas”, causada pelas fumaças.
Após alguns segundos de constante reflexão, Slezzy caminhou até o local onde havia desferido aquele poderoso raio.
Hiram ousou em dar um passo à frente, com intuito de acompanhar o jovem, mas foi interrompido por seu irmão:
— Deixe o garoto. Ele precisa de um tempo sozinho, pra digerir tudo isso…
Fortes ventos começaram a remoer a sujeira que assolava o local.
Ao chegar próximo das pedras que rodeavam o poste de luz, Slezzy percebeu que um objeto cinzento e brilhante, estava sobre uma delas.
Pisando sobre aqueles blocos de concreto, que por sinal estavam extremamente frios, Slezzy alcançou o lugar onde estava atirado o objeto brilhante: o Medalhão Lunar.
O medalhão estava sobre a mão de Salvador, a única parte do corpo do vilão à mostra em meio as pedras. Aquele objeto se encontrava em um estado radiante.
Disfarçadamente, o jovem recolheu o objeto daquela mão e retirou o cordão que a suportava, guardando apenas o amuleto em um bolso interno de sua roupa negra. Em seguida, jogou o cordão sobre uma pedra avermelhada, tingida pelo sangue de Salvador.
— Quer um conselho? — era a voz de Haram, que surpreendeu seu mentoreado.
Slezzy se virou, se deparando com a criatura de cabelos claros atrás de si. Ele se encheu de vergonha, pois pensou que havia escondido tal objeto de seus demônios.
— Guarde e proteja isso, em total segredo de todos os outros seres humanos. Isso… pode ser facilmente um motivo para uma guerra… e não apenas entre a sua espécie…, mas também entre todos os demônios, que em sua maioria alvejam tal.
— Slezzy Kaliman… não concordo que exista segredos entre nós… — comentou Hiram, lado a lado de seu irmão. — Já que o acompanharemos até o seu último dia de vida. Então, gostaríamos que tivéssemos uma relação saudável… e sincera.
O demônio sorriu em seguida.
— Claro — respondeu Slezzy. Ele girou seu corpo em seguida e encarou o corpo dificilmente visível de Salvador, entre as pedras, mais uma vez.
Os sons de carros de emergência e helicópteros começaram a ecoar sobre a área. Os passos dos soldados que adentravam a área estudantil eram facilmente audíveis naquele momento. Eles a averiguavam de ponta a ponta, entre todos os cantos das construções externas ao colégio.
— Fico feliz que tudo tenha dado certo no final… mesmo que ainda tenha muita coisa para acontecer… — afirmou Hiram.
— Pode apostar que ainda estamos bem longe do final! — disse a outra criatura.
Distorcendo por completo o assunto, Slezzy, com seus olhares fixados naquelas pedras tingidas de sangue, discursou em voz alta:
— Você cometeu uma série de erros. Tenho certeza de que o caminho que tomou não foi a melhor decisão de sua vida, mas… talvez tenha valido a pena por algum motivo, a qual nunca saberei. Agora… só lhe resta descansar. Seja lá o que você considerava como arte… espero que ninguém a siga… embora acho que ninguém jamais a compreendeu… ou irá compreender.
Após um breve momento, Hiram alertou seu mentoreado:
— Vamos, Slezzy! Acho que você precisa averiguar como as coisas se saíram no colégio. Deixe que os mortos… cuidem dos mortos.
O jovem aceitou o conselho da criatura e desviou seu olhar; caminhando em seguida para fora daquela área, sem qualquer pressa.
Enquanto trilhava, as palavras peçonhentas ditas por Salvador a minutos atrás, no colégio, dominaram sua mente momentaneamente:
“— Pela sua família ou por todos aqueles ingratos lá fora?…”
“—Todos esses meses dedicados exclusivamente ao seu corpo e controle de seus poderes, ignorando a existência e vulnerabilidade de sua família…”
“…Você não se importa nem um pouco com sua família…”
Longe da área, em frente ao colégio novamente, Slezzy interrompeu seus passos, de repente. Seus demônios estranharam aquela atitude.
O jovem fechou os olhos; e apertou as mãos com força, refletindo em seguida:
“Pelo que realmente… estou lutando?”
*
Alguns soldados se aproximaram e apontaram suas armas na direção de Slezzy, que ainda refletia consigo mesmo. Porém, rapidamente o reconheceram; e logo abaixaram as mesmas.
O som barulhento de todos os carros policiais e outros serviços de emergência, como bombeiros e prestadores de primeiros socorros, não permitiam uma limpa comunicação à longa distância.
Slezzy percebeu que alguém surgiu a sua frente, dentre as fortes colunas que sustentavam os andares superiores do colégio.
Era seu parceiro que havia lhe acompanhado durante as horas iniciais e mais duras de todo aquele incidente terrorista.
Sanches se aproximou lentamente do jovem.
Ele estava com a mão sobre sua barriga. Em seu rosto, havia alguns ferimentos, porém nada muito grave.
— Salvador está morto… enterrado sobre as pedras, no meio do pátio! — disse Slezzy com firmeza.
O agente mais velho se impressionou com o estado do corpo daquele jovem, que estava sem qualquer arranhão; além de sua fala convicta.
Slezzy não sentiu a mesma confiança ao encarar os olhares de Sanches. Parecia que estavam dominados por medo e pavor. Ele nunca havia encarado seu mentor daquela forma.
— Sanches!? Está tudo bem? — perguntou o jovem, preocupado.
— Han? Mas é claro!… — respondeu o agente, com tom estranho. — Kayber e todos os outros capangas… estão completamente neutralizados. Além disso, os garotos estão a salvo! Mas… acho que Rainn precisará de tratamentos médicos.
— Como assim!? — perguntou assustado.
— Fique tranquilo! Ele apenas desmaiou. Tudo aquilo foi extremamente pesado.
Slezzy aliviou-se ao ouvir aquela resposta.
— E então? Como você derrotou aquele homem… aparentemente… sem sofrer qualquer dano? — perguntou Sanches.
— Na verdade, eu estive bem próximo da morte. Mesmo sabendo de todos os pontos fracos de Salvador, o combate não foi nada fácil. Tive que utilizar de todos os meus recursos… e ainda assim, não foi o suficiente.
— Droga… você assinou mais daqueles contratos?
— Assinar ou morrer… eram as minhas únicas opções. E ainda assim, mesmo adquirindo novos poderes e os conjurando sabiamente, eu fui surpreendido pela última tentativa de Salvador. Ele carregava algum tipo de cicatriz, que ia de seu pescoço até seu peitoral…
— Cicatriz?
— Exatamente. Era como se fosse sua carta final, para caso tudo desse errado. Aquela cicatriz brilhava; e aparentemente cedia novas forças para ele. Porém, eu resisti ao seu golpe final. Depois daquilo, seu corpo se quebrou por completo. Ele praticamente se matou ao tentar conjurar o que chamava de “Chama de Gamashi” ou algo do tipo…
— O poder dos legados… — comentou.
— Poder dos legados? Ele disse que era algo que… jamais nenhum demônio poderia ceder a qualquer mentoreado.
— Existem diversas formas de entrar para o Mundo dos Demônios: seja através dos contratos oferecidos pelas criaturas que ali habitam, do encontro de uma arma lendária ou ao tocar de qualquer objeto místico. Porém, existe uma única, que a torna parte desse mundo desde o seu primeiro dia na terra: os legados.
— Como uma maldição de família?
— Exato. Esse poder é extremamente raro; sendo assim, é provável que aquele mafioso fosse o último de toda a sua linhagem com posse de tal. Existem vários registrados no Coração das Sombras. Acho que você devia dar uma lida naquele livro, depois.
— Pois é….
— Espera… você encontrou aquele medalhão? — perguntou firmemente.
O jovem não queria revelar aquela informação.
Por sorte, alguém lhe rogou:
— Slezzy!? — Era uma voz feminina, repleta de surpresa, que vinha de apenas alguns metros dali, no meio das fortes colunas.
Sanches se virou para identificar aquela pessoa, permitindo que Slezzy também pudesse enxergá-la.
Era Emmeline.
Slezzy disparou em direção àquela garota, ignorando a pergunta de Sanches.
Se aproximando o suficiente, ele a agarrou fortemente, com um abraço quente e reconfortante. Emmeline retribuiu aquele gesto.
O jovem percebeu que Harvim e Rainn estavam perto dali, em um canto do que parecia ser uma cantina do colégio.
O menino de cabelos avermelhados cobria seu melhor amigo com uma manta cedida pelos enfermeiros, que ali já estavam reunidos.
Enquanto lacrimejava, Emmeline se desculpava:
— Slezzy… Eu não sei onde eu estava com a cabeça… para voltar tão cedo para o centro da cidade…
— Emmy! — Slezzy interrompeu a fala da garota, distanciando-se em alguns centímetros, interrompendo aquele abraço. — Você não precisa dizer mais nada… querida…! Tudo já está acabado… todos estão bem… E você não tem culpa de absolutamente nada!
Emmeline sorriu enquanto confirmava aquelas palavras, com o balanceio de sua cabeça.
Slezzy devolveu o sorriso, após enxugar algumas lágrimas que escorriam pelo rosto da garota.
Logo depois, o jovem caminhou até onde estavam os garotos, cercados de alguns enfermeiros que prestavam socorro ao menino desmaiado, mas que logo saíram de perto, após a sua chegada.
Slezzy se ajoelhou perante Rainn, que estava deitado e completamente aquecido abaixo daquela manta.
Harvim aproveitou aquele momento para devolver a arma que o jovem o havia cedido mais cedo, enquanto encarava-o com um estranho olhar. O menino estava claramente curioso, já que havia presenciado todas aquelas cenas pesadas, dentre demônios e assassinatos. Ele manteve um controle emocional invejável, mediante aquela situação.
Slezzy se apoiou no chão; e acariciou o rosto do garoto.
Por fim, ele se aproximou da orelha direita de Rainn, para lhe confessar algumas palavras, em completo sussurro:
— Apenas… me perdoe… irmão.
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