🚨 Maratona de capítulos! Publiquei do 12 ao 15 de uma vez. Se você caiu direto neste, volte um pouquinho para não perder detalhes importantes.

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    O artífice não desvia o olhar. Com um movimento preciso, seu segundo dedo se junta ao primeiro, e a luz holográfica muda, adquirindo um tom dourado que me faz pensar em ouro derretido banhado em sangue fresco, em promessas que custam mais do que valem.

    — Segunda opção, Zéric: mentoria permanente. Nesta, eu assumo sua formação onde Axion parou, você trabalha exclusivamente comigo até que um de nós dois morra. 

    — PLAM! — o som da colisão metálica me faz olhar imediatamente. 

    O robô flutua, porém, sua trajetória vacila. Ele esbarra numa mesa próxima. Paro, incomodado. Sendo uma ferramenta, ele não deveria apresentar falhas. Quando sua voz sintetizada preenche o ambiente, percebo algo inesperado. Uma inflexão que soa quase… nostálgica:

    — ELE NÃO ESTÁ DESCREVENDO ESCRAVIDÃO. ESTÁ OFERECENDO DINASTIA. A DIFERENÇA É SUTIL, MAS SIGNIFICATIVA. ESCRAVOS SÃO PROPRIEDADES TEMPORÁRIAS, SUCESSORES SÃO INVESTIMENTOS PERMANENTES.   

    A voz sintética emudece, todavia, o eco da sentença ainda vibra no meu crânio feito uma doutrina maldita. Eu respiro fundo, não porque preciso, mas porque é isso que humanos fazem antes de explodir.

    Que merda essa pilha de circuitos sabe sobre dinastia? Sobre escolhas humanas que importam mais que eficiência calculada? Deve estar repetindo informações padronizadas. Uma encenação quase natural. Meus dentes rangem. Forço o maxilar a relaxar. Não posso me dar ao luxo de demonstrar raiva quando ela é a única coisa honesta que me resta.

    Talvez eu o despreze tanto porque vejo nele um reflexo. Inocente demais para entender o peso de uma promessa. Disposto demais a seguir ordens que não compreende. Como… quando aceitei viver.

    Isso me faz pensar no prolongamento da vida tal qual Axion fez comigo. Ao me arrancar da morte, me deu uma dívida maior do que minha alma inteira poderia pagar em mil vidas. O ciclo se repete, com correntes forjadas com o metal das antigas, sempre com novos credores que aprenderam a cobrar juros em pedaços de identidade.

    Um zunido grave e constante vibra no ar, chamando minha atenção antes que o pensamento se afogue em memórias demais. A projeção muda, revelando anexos do laboratório que fazem os dispositivos do meu antigo lar parecerem ensaios primitivos de tortura elegante.

    Sinto o cheiro de ozônio: tecnologia além dos limites entre ciência e blasfêmia. É tentador. Poderia aprender mais em um ano do que aprendi até o momento em minha existência subsidiada.

    Minha fome por conhecimento se agita tal qual um animal enjaulado. Antiga, inquieta, sempre à espreita. Essa sede me consome desde que descobri que a tecnologia podia melhorar a vida. Afastar a escuridão física, e até as sombras do medo… mas nunca a culpa.

    Agora ela pulsa mais forte. Exige respostas. Exige entender cada detalhe daquilo que me é oferecido.

    — E o escambo desta opção? — Pergunto, apropriando-me da terminologia deles com a naturalidade de quem sempre viveu sob ordens alheias. Já fiz. Farei de novo. Sobreviventes aprendem o idioma necessário.

    O artífice finalmente responde. Não com pressa, contudo, com a segurança de quem vê no escambo algo maior que uma simples troca, algo inevitável.

    — Eu recebo um sucessor promissor, com habilidades únicas. Você ganha conhecimento e respostas que ninguém mais pode lhe dar. Ambos ganhamos! Mas você nunca será independente. Nunca questionará.

    A proposta é sedutora, tal qual veneno misturado com mel. Mata devagar, todavia, o sabor doce engana. Seria feito trocar uma prisão sufocante por uma prisão mais refinada, onde as correntes são feitas de conhecimento, e a chave da liberdade é uma ilusão cuidadosamente manipulada.

    O artífice ergue o terceiro dedo com precisão ritual, e o silêncio que se instala parece suspenso à espera da minha resposta. O dedo se junta aos outros, e a luz começa a distorcer, pulsando entre cores tão intensas que minha visão modificada lacrimeja. Meu olhar, instintivo e direto, serve tal qual um sinal para que ele prossiga.

    Uma pausa. O olhar fixo, sondando minha reação antes de revelar a última opção:

    — Terceira opção: acordo de exploração temporário. Cinco anos de trabalho exclusivo recuperando tecnologia na Zona Morta. Você receberá ordens e cumprirá missões sem questionar, porém, no final, se sobreviver, receberá algo que nenhum de nós pode oferecer nas outras opções: a chance de descobrir se você é realmente capaz de viver sem correntes.

    Me pego curioso. Zona Morta!? O que diabos significa isso? Algo me diz que essa zona é algo além do que qualquer um poderia compreender de imediato. Olho para o artífice, contudo, ele não parece disposto a explicar.

    — Zona Morta? — as palavras escapam da minha boca, antes que eu possa censurá-las ou engoli-las de volta.

    Engulo em seco, a curiosidade cresce dentro de mim. O artífice não me dá tempo para digerir as palavras anteriores, e sem sequer me olhar, ele já continua a explicação. A sua voz parece vir de um lugar distante, repetindo algo que já dissera milhares de vezes.

    — Todo pedaço da superfície que precisa ser catalogado antes que devore a si mesmo. — ele faz um gesto amplo, e as imagens projetadas se intensificam, tão vívidas que ameaçam transbordar da tela, dando forma às suas explicações — Este complexo subterrâneo é a última colônia humana conhecida. Fora daqui, existem as zonas moribundas, regiões que conhecemos, mas que ainda não conseguimos controlar. E além delas, há as fraturas na realidade. Lugares onde o tecido da existência foi rasgado de forma irreparável, ainda ardendo com um fogo imortal, que parece nunca se apagar. E são essas zonas que você terá de atravessar.

    A projeção final muda, e o que vejo faz minha respiração parar completamente. Uma parede de fogo, todavia, não é fogo comum. É algo que parece chama, que se move e queima igual a uma, porém, tem uma qualidade que minha mente se recusa a processar completamente. 

    As labaredas têm textura sólida, feitas de vidro derretido que nunca esfria, e se estendem para cima até desaparecerem na escuridão, formando uma barreira impenetrável que separa dois mundos.

    Através das chamas translúcidas, posso ver sombras se movendo. Formas que podem ser estruturas, que podem ser criaturas, que podem ser algo completamente diferente. Mas não dá para identificar. 

    O fogo em si emite um som baixo, tal qual a respiração de algo gigantesco que nunca dorme, e mesmo através da projeção holográfica posso sentir o calor úmido que emana dele, carregado de um cheiro que é metálico e orgânico ao mesmo tempo.

    E então, meu olhar retorna involuntariamente para os corpos nas mesas de análise. A pele cristalizada, os órgãos transformados em vidro orgânico, as marcas geométricas que agora se encaixam em um padrão terrível. Eles atravessaram essa barreira. Encontraram o que estava do outro lado. É isso que restou: tortura congelada, o preço pago.

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