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    Elas estão certas. A precisão brutal da observação me deixa completamente exposto. Desde a fuga do laboratório de Axion, sou puxado por uma força subterrânea, implacável, como se o chão sob meus pés estivesse se movendo. Posso sentir suas emoções também, reverberando em mim feito ecos de um abismo sem fim.

    Através da conexão estranha que pulsa entre nós, percebo que elas fazem uma pergunta silenciosa. Uma pergunta que não vem em palavras, e sim em imagem projetada diretamente na substância do meu cérebro:

    Quem te fez?

    A resposta surge automaticamente, não em palavras, e sim em visualização: vejo Axion em sua oficina, suas mãos trabalhando nos cadáveres e sua voz me ensinando a catalogar mortes com a mesma precisão com que outros catalogam borboletas.

    Elas processam a informação e me devolvem suas próprias respostas.

    A primeira me mostra o homem de múltiplos olhos através da conexão.

    A segunda me mostra… Korvak.

    O mundo ao meu redor congela. Não é surpresa: é reconhecimento. É a constatação de uma verdade que se materializa. Uma peça do quebra-cabeças que finalmente encontra seu lugar, completando uma imagem que preferia não ver.

    Através da nossa conexão, informações fragmentadas da barreira vazam para mim. Imagens de temperatura que pode derreter ossos, pressão capaz de esmagar aço, e uma resistência ativa que só pode ser descrita dessa forma: como se o ambiente que vamos atravessar fosse uma criatura viva e furiosa.

    — Quantos iguais a nós existem? — pergunto.

    Ela me olha demoradamente e sua honestidade é assustadora: 

    — Não sabemos.

    Não desvio o olhar e insisto: 

    — Quantos morreram tentando?

    A criança-soldado faz uma pausa, os olhos endurecendo antes que ela responda com uma calma desconcertante:

    — Todos que conheci!

    Engulo em seco.

    — Três minutos! Todos os sistemas operacionais!

    Korvak fala, e sua voz penetra nossa interação com a força de um impacto brutal, e toda a minha percepção se volta brutalmente para a realidade física. Olho o painel de controle da broca à minha frente.

    E então acontece o impossível.

    Mas quando coloco as mãos nos controles da broca, sei exatamente o que fazer.

    Não é memória consciente. É memória muscular implantada diretamente no sistema nervoso.

    Meus dedos navegam pelos controles com precisão que deveria ser impossível, ativando novamente sistemas que nunca vi antes, e que reconheço intimamente.

    — Dois minutos! Preparando para perfuração dimensional!

    Mas há um preço por essa perfeição. Minha coordenação está falhando para tudo o mais. Quando tento fazer movimentos simples, coçar o rosto, ajustar a posição, minhas mãos tremem tal qual folhas secas.

    Estou me tornando duas coisas ao mesmo tempo: uma máquina que funciona perfeitamente para sua função especializada, e uma pessoa, com apenas seis meses de vida, que está morrendo célula por célula, segundo por segundo.

    — Cinquenta segundos para partida!

    Tento esfregar os olhos, contudo, três gotas de sangue caem no painel, semelhantes a lágrimas vermelhas. Os instrumentos se acendem imediatamente, reconhecendo meu DNA como uma chave biológica.

    O olhar da segunda criança-soldado se fixa nas gotas que escorrem pelos controles.

    — Você está sangrando!? 

    Limpo o rosto com as costas da mão, deixando um rastro de sangue na pele pálida.

    — Sempre estou. — murmuro, e a naturalidade da minha resposta me assusta — É parte do processo.

    A primeira criança-soldado se inclina para frente,  seus olhos fixos nas manchas vermelhas que se espalham pelos controles.

    — Que processo?

    Minha voz sai mais rouca que o normal, carregada de uma exaustão que vai além do físico.

    — O de morrer devagar enquanto, funciono perfeitamente.

    — Vinte segundos! Sistema de ancoragem ativado! Sistemas biológicos sincronizados!

    Através da nossa ligação neural, as crianças-soldado me fazem uma pergunta que não é pergunta. É um lamento compartilhado.

    — Vocês também são descartáveis? 

    As crianças se entreolham por um momento, uma comunicação silenciosa passando entre elas antes de responderem.

    — Tanto quanto você. — dizem em uníssono, e suas vozes formam uma harmonia sinistra — Mas fomos feitos para não morrer. Ainda.

    Franjo a testa, tentando processar o paradoxo.

    — Como assim?

    A primeira criança-soldado ajusta os controles à sua frente com movimentos precisos, sem desviar o olhar dos instrumentos.

    — Fomos programados para durar mais que as versões anteriores — explica, com a mesma frieza com que falaria de máquinas quebradas.

    A implicação me deixa inquieto.

    — Quanto mais?

    A segunda criança-soldado me olha diretamente, e há algo terrível na simplicidade de sua resposta.

    — Pelo menos o tempo suficiente para trazer os exploradores de volta.

    A frase me atinge feito uma sentença de morte.

    — Quinze segundos! Ignição autorizada!

    Uma das crianças-soldado estende a mão para o painel de controle. Seus dedos são pequenos, porém, precisos.

    — Zéric!? — ela fala meu nome em voz alta pela primeira vez. 

    Olho para ele e percebo que seu chamado não é uma identificação, e sim um lamento silencioso, ecoando mais fundo do que qualquer palavra.

    — Sim? — respondo. 

    Ela levanta os olhos, procurando algo além das paredes de aço que nos cercam. A limitação física não impede sua mente, que se estende para além da estrutura metálica da broca, alcançando lugares onde o metal não pode tocar.

    — Eu gostaria de ver o sol.

    A frase cai sobre mim com o peso de uma pedra lançada, esmagando algo dentro de mim que eu não sabia que ainda estava vivo. Durante todo o tempo que passei no laboratório subterrâneo, nunca pensei no sol. Ele sempre foi uma fantasia, registrada em livros e relatos que eu nunca acreditei totalmente. 

    Mas agora, prestes a descer ainda mais fundo na terra, percebo que gostaria de vê-lo. Desesperadamente.

    Acabo de passar pela superfície. E mais uma vez, não vi o sol. A fumaça densa envolvia o ar, uma névoa espessa que cobria tudo, tornando o céu irreconhecível. Só havia um vazio cinza, uma tela nublada que se estendia até onde os olhos podiam alcançar. 

    O olhar fixo sobre mim me puxa de volta para o presente, quebrando a corrente de pensamentos com a urgência de uma resposta.

    — Vamos ver! — minto, embora seja uma mentira gentil, uma mentira necessária e finalizo — Quando voltarmos.

    Ela sorri. É o primeiro sorriso que vejo em seu rosto, e é devastador na sua inocência frágil.

    — Quando voltarmos… — repete, expressando cada palavra com a intensidade de uma oração desesperada.

    Através da nossa conexão, sinto que ela sabe que é mentira. Sinto que eu sei que é mentira. Sinto que nenhum de nós se importa, porque às vezes uma mentira compartilhada é a única verdade que conseguimos suportar.

    A criança-soldado toca uma alavanca.

    A broca desperta com um rugido. Não é som mecânico nem orgânico, mas algo entre os dois, evocando a sensação de uma besta de metal tentando respirar.

    — Dez segundos!

    — Cinco!

    — Quatro!

    — Três!

    — Dois!

    — Um!

    — PARTIDA!

    E descemos em direção ao centro da terra, três crianças feitas para morrer, fingindo que acreditamos em amanhãs.

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