Capítulo 103: O Mausoléu do Rei Sem Nome
O sino de vigília noturna tocou três vezes.
Mas, antes que o terceiro toque soasse, Vanna já havia chegado à Grande Catedral.
O Bispo Valentine já a aguardava.
O ancião, respeitado por todos, usava sua túnica negra sacerdotal e permanecia silencioso, em oração diante da estátua da Deusa da Tempestade, Gomona.
Ele ouviu os passos de Vanna ecoando no salão, mas não precisou olhar para trás para saber que era ela.
“Inquisidora Vanna.”
A voz de Valentine era grave e calma.
“A Catedral da Tempestade enviou uma convocação direta para os ouvintes.”
Vanna arregalou os olhos.
“A Catedral da Tempestade, diretamente?!”
Ela avançou rapidamente, posicionando-se dentro da luz das lâmpadas.
“Então isso não tem a ver com uma nova anomalia ou fenômeno?”
“Se fosse apenas isso, o sino não teria soado três vezes consecutivas.” Valentine sacudiu a cabeça lentamente. “A mensagem veio diretamente dos guardiões do mausoléu. Houve uma perturbação no corpo do Rei Sem Nome. Ainda não sabemos que tipo de mensagem está sendo transmitida, mas parece que… a lista está mudando.”
Enquanto falava, o bispo virou-se lentamente, seus olhos profundos e firmes encontrando os de Vanna.
“Precisamos enviar um ouvinte ao interior da câmara sepulcral para obter a mensagem diretamente do corpo do Rei Sem Nome. Os sacerdotes da Igreja do Mar Profundo estão de vigília no mausoléu, então o ouvinte deve ser escolhido entre os seguidores da Deusa da Tempestade. A seleção ainda não foi feita. Tanto você quanto eu estamos na lista de candidatos.”
Vanna respirou fundo, recuperando rapidamente sua compostura.
“Quando partimos?”
“Agora.”
Valentine assentiu e fez um gesto para que ela o seguisse.
Ele começou a caminhar em direção à estátua da deusa, onde uma porta esculpida com símbolos sagrados já estava entreaberta, revelando um corredor estreito e profundo.
“O canal espiritual já está preparado.”
Vanna inclinou-se diante da estátua de Gomona, fazendo uma breve reverência.
Então, virou-se e seguiu Valentine para dentro do corredor.
Eles avançaram através do caminho sombrio e estreito, iluminados apenas pelas chamas trêmulas das lâmpadas.
Finalmente, os dois chegaram ao coração da catedral—
Um cômodo oculto, uma câmara isolada do tempo, localizada nas profundezas da estrutura sagrada.
O espaço não era grande, mas sua aparência destoava do resto da catedral.
Diferente do concreto e tijolos usados na construção principal, essa pequena câmara fora erguida inteiramente de pedra bruta.
Paredes e teto formados por blocos de pedra irregulares, encaixados com perfeição, como se tivessem sido esculpidos por uma força antiga e paciente.
No centro da sala, o chão afundava em um fosso—
E dentro desse fosso, chamas ardiam intensamente, crepitando de forma sobrenatural.
Mas não havia lenha, nem óleo.
O fogo simplesmente existia, alimentado por nada além do próprio ar.
Nenhum móvel, nenhum ornamento—
Apenas o fogo e um som misterioso.
Por todo o ambiente, um ruído sutil de água corrente ecoava das paredes.
Era impossível dizer de onde vinha o som, mas dava a sensação inquietante de que o cômodo inteiro estava submerso—
Como se, em vez de estarem nas profundezas da catedral, estivessem dentro de uma caverna esquecida no fundo do oceano.
Vanna não estava pisando nesse recinto pela primeira vez.
Como Inquisidora, uma posição tão alta quanto a de um bispo, ela tinha acesso ao local sempre que necessário.
Aquela pequena câmara, com sua aparência modesta, era na verdade um terminal do ‘Canal Espiritual’.
Cada cidade-estado possuía uma estrutura semelhante dentro de suas catedrais centrais, e cada igreja desenvolveu suas próprias variações desse sistema.
Os sacerdotes da Deusa da Tempestade usavam cavernas inundadas como essa.
Os devotos do Deus da Morte operavam em ‘Câmaras Sepulcrais Pálidas’.
Embora sombrias e opressivas, essas câmaras serviam a um propósito fundamental—desvincular a consciência de um indivíduo de seu corpo físico e enviá-la para um vasto espaço espiritual interconectado.
Não importava quão distantes estivessem as cidades-estado, nem quão traiçoeiras fossem as marés do Mar Infinito—essas câmaras garantiam que as igrejas pudessem se comunicar instantaneamente.
Nos tempos antigos, antes de os navios oceânicos se tornarem mais confiáveis, esse método era a única forma de manter contato entre reinos distantes, garantindo que as civilizações soubessem que não estavam sozinhas.
A porta da câmara começou a se fechar lentamente.
O metal negro e pesado da estrutura emitiu um som profundo e reverberante ao se selar.
Imediatamente, os símbolos sagrados esculpidos na porta começaram a se mover, como criaturas vivas, entrelaçando-se em um padrão complexo que bloqueou completamente o espaço.
Vanna e Valentine avançaram até a fogueira no centro da sala.
Eles baixaram a cabeça, olhando para as chamas puras e sagradas, e começaram a recitar o nome da Deusa da Tempestade, Gomona.
O som suave da água ecoava constantemente ao redor—
Mas, conforme o cântico continuava, o som cresceu.
Tornou-se um murmúrio.
Então, um rugido.
O cheiro da maresia ficou cada vez mais intenso.
E então—
O pequeno fluxo d’água no chão da câmara subitamente se transformou em ondas agitadas.
A água subiu com violência, como uma maré avassaladora.
Vanna focou seu olhar no fogo central.
As chamas permaneciam firmes, ardendo mesmo enquanto eram engolidas pelo mar ilusório.
Ela fechou os olhos, entregando-se à correnteza crescente.
Quando os abriu novamente, já não estava mais na câmara subterrânea.
Agora, ela se encontrava em um vasto espaço caótico—
Uma praça imensa, antiga e solene, que se estendia até onde os olhos alcançavam.
Colunas colossais sustentavam os limites da visão, mas seus topos estavam quebrados, dissipando-se em uma névoa luminosa que obscurecia os céus.
Rios de luz fluíam acima, ocultando algo inexplicável além do alcance dos mortais.
Vanna se recompôs rapidamente e examinou a praça.
Ela não estava sozinha.
Muitas figuras sombrias já estavam reunidas ali.
Eram apenas silhuetas, sem feições visíveis—mas suas auras eram familiares.
Vanna sabia quem eram.
Sacerdotes. Paladinos. Inquisidores.
Eram os devotos da Deusa da Tempestade.
Vindos de várias cidades-estado.
De templos nômades.
E até mesmo da Catedral da Tempestade.
Apenas aqueles que haviam sido abençoados pela divindade podiam se tornar ouvintes selecionáveis.
Pois algumas vozes não podiam ser ouvidas por mortais comuns.
Somente aqueles com espíritos fortalecidos poderiam escutar sem perder a sanidade.
“Parece que fomos os últimos a chegar.” Uma sombra indistinta flutuou na direção de Vanna. Ela reconheceu a voz antes mesmo de ele terminar a frase—era o Bispo Valentine. Havia um tom ligeiramente embaraçado em sua voz. “Na última reunião também fui o último a chegar…”
Vanna resmungou:
“Os outros santos vivem dentro das câmaras de convocação? Sempre que há um chamado, metade deles aparece em menos de dez minutos.”
Valentine sacudiu a cabeça.
“Há vinte anos, um santo chamado Folson escreveu ‘primeiro’ no livro de registros da praça de reunião. Desde então, todos começaram a competir para chegar mais cedo.”
Ele suspirou.
“Não entendo a lógica. A deusa não vai abençoar ninguém só porque chegou por último.”
Vanna não respondeu, mas antes que pudesse refletir mais sobre o assunto, um estrondo interrompeu a conversa.
O barulho ressoou pelo espaço, e todas as sombras sussurrantes se calaram instantaneamente.
Vanna e Valentine levantaram os olhos ao mesmo tempo.
No centro da praça, o chão de pedra começou a se elevar—
As antigas lajes de pedra tremulavam como ondas, pulsando em camadas.
Algo colossal estava emergindo.
Primeiro, um topo pálido perfurou a superfície.
Depois, paredes inclinadas e colunas monolíticas se ergueram.
Em apenas um instante, a estrutura estava completamente visível.
Uma vasta construção feita de pedras brancas.
Um palácio sombrio—um resquício de uma era esquecida.
Era uma pirâmide monumental, cercada por obeliscos e torres.
Nenhuma cidade-estado conhecida usava esse tipo de arquitetura.
E sua presença opressiva não transmitia a sensação de ser um lugar feito para vivos.
Não era um palácio.
Era um mausoléu.
E, de fato—
Era o mausoléu de uma entidade antiga e poderosa.
Os olhos de Vanna e de todos os outros presentes foram imediatamente atraídos para a base da pirâmide.
Sob o olhar de incontáveis sombras, as portas maciças da tumba se abriram lentamente.
A pedra branca deslizou para os lados, revelando o vazio obscuro dentro do monumento.
E então—
Uma figura imponente emergiu.
O Guardião da Tumba do Rei Sem Nome.
Vanna prendeu a respiração. Era difícil chamar “aquilo” de humano.
Ele estava envolto em grossas camadas de mortalhas, seu corpo coberto por faixas de tecido funerário desgastado.
Metade de seu corpo e das mortalhas estava queimada, enegrecida como carvão.
A outra metade estava presa a pesadas correntes repletas de runas, algumas das quais pareciam brotar diretamente de sua carne.
As extremidades das correntes estavam enroladas em nervos e veias pulsantes.
O Guardião da Tumba era um ser híbrido de carne, aço e maldição—uma criatura moldada pelo tempo e pelo peso da morte.
Ele caminhou com passos pesados, dirigindo-se aos espectadores na praça.
Vanna sentiu seu corpo se contrair involuntariamente. Mesmo não sendo a primeira vez que o via, a presença dele ainda era avassaladora.
E então, para sua surpresa—
O Guardião caminhou diretamente em sua direção.
A escolha já havia sido feita. Sem hesitação, ele atravessou a multidão, ignorando todos os outros ouvintes. Ele parou bem na frente de Vanna. Seu rosto estava quase inteiramente coberto pelas mortalhas e correntes. A única coisa visível era um único olho, que a fitava com frieza.
Mesmo sendo uma mulher alta, o Guardião ainda era uma cabeça inteira mais alto que ela.
E então, ele falou.
“Você pode entrar na tumba.”
A voz dele era áspera e cavernosa, como se viesse de uma garganta ressequida pela morte.
Ele ergueu a mão direita enegrecida, que parecia ter sido queimada até os ossos.
Naquela mão carbonizada, ele segurava uma pena e um pergaminho de pele.
“Anote o que ouvir.”
Era uma ordem.
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