Capítulo 11 - Teste de Categorização
O ruído estridente foi ao máximo. O giro da corrente tornou-se praticamente impossível de acompanhar pela grande velocidade. Madallen firmou um pé adiante e focou seu olhar nas rochas.
— Quilionodora — proclamando o nome da deidade, foi circundada por uma aura vermelha intensa.
Com um movimento certeiro, desferiu um corte utilizando o Elemento Vento. Uma rajada concentrada de ventos revoltos desmanchou as rochas como se fossem manteiga. Os fragmentos se espalharam no espaço, atingindo as paredes com violência.
Girando o quadril a cada ataque, repetiu o movimento dezenas de vezes, terraplanando por completo o solo adiante. O ar afiado levava tudo perante as rajadas esverdeadas. Parou ao sentir sua energia perto do esgotamento.
— Você falou mesmo a verdade…
— Te disse cara, só me saí mal na primeira pela falta da minha arma. Fazer isso aqui só no soco não é algo do meu nível. — Madallen voltou a passos largos até o resto do grupo e deitou no chão, caindo no sono de repente.
Yunneh ficou um tanto desacreditada e começou a observar atentamente.
“Ela… adormeceu tão rápido assim mesmo?”
Num gesto quase inconsciente, Yunneh levou a mão à própria bochecha, os dedos tremendo levemente contra a pele. Seus olhos permaneciam fixos no rosto tranquilo de Madallen. A luminosidade do sol, vinda das partes de vidro do espaço, ressaltava a serenidade naquela expressão, tão calma que parecia alheia aos arredores.
Os longos cabelos laranjas espalhavam pelo chão, alguns fios delicadamente caídos sobre o rosto, descendo pela bochecha e chegando ao pescoço. A respiração dela era tão leve que mal parecia se mover.
A feição suave fez Yunneh perder a noção do tempo, que pareceu desacelerar. O barulho ao redor, os ruídos da cidade e dos outros testes, tudo desapareceu em um segundo, abafados por um silêncio repentino em sua mente.
“Ela é linda…”
O pensamento veio, involuntário, tão intenso que a fez dar um passo para trás. E então, uma perguntou surgiu em sua cabeça:
“Ai… por que eu estou pensando isso por uma pessoa que eu conheço há menos de vinte minutos?!”
O coração acelerou, e ela percebeu as palmas das mãos um pouco suadas, e um calor estranho subiu pelo pescoço. Não via sentido em sentir algo tão intenso por alguém que mal conhecia, mas não conseguia desviar o olhar.
— Certo… Consegui reconhecer melhor o fluxo da energia e potencial da Madallen. — Victor olhou para Yunneh. — Você é a próxima para o teste?
— …
“Acho que eu…”
— Yunneh?
— Ahhh… Oi, oi! — Um suspiro trêmulo escapou de seus lábios e ela viu Verion, em sua visão periférica, dando um sorriso de canto de boca.
“…Hmmm, infernooo!”
A Velgo segurou a risada que quis dar e logo andou rapidinho até Victor para fazer uma pergunta importante e pertinente. Questionou o avaliador da resistência do espaço, tinha medo de fazer a esfera colapsar ou ferir alguém por acidente.
Tendo sido assegurada da firmeza das paredes, ela deu um passo adiante para mostrar todo o potencial que cabia naquele lugar. Victor olhava curioso pelo o que ela faria, pois Lorellai aparentava muito ânimo.
Formando duas espadas com o Elemento Gelo, perfurou o próprio corpo com força. O vermelho respingou pelo gramado e, em instantes, expandiu adiante numa intrincada série de agulhas pontiagudas de sangue congelado. A parede estremeceu ao ser tocada por elas.
Dando seguimento, formou e disparou centenas de espadas de gelo contra o solo e a parede. As armas cravadas infestaram tudo na linha de visão dela. Para completar, utilizou a Revelação, concentrando ela à frente, congelando tudo e recobrindo com camadas grossas de pergelissolo — permafrost.
— Foi isso… Tem mais coisas, mas ainda fiquei com medo de explodir o lugar. — Acenou para o avaliador após fechar as feridas que abriu.
— Não esperava ver alguém forte e com uma Revelação hoje! — Entusiasmado, puxou a manga da jaqueta de Lorellai, como quem pedia uma explicação.
— Resumindo: quando ela descobriu a Revelação, ganhou resistência à Quilis e se entupiu disso até ficar forte assim. Ela sempre teve um bom potencial, mas essa capacidade bizarra só abriu caminho para que ela evoluísse muito rápido.
— Pera aí, o consumo disso por gente da idade dela é crime, você sabe, né? — Victor a fitou com desaprovação.
— Tanto faz, sou eu quem crio a maior parte das leis. Só falar que ela pode — retrucou a conselheira.
Yunneh pensou: “Esse é o ponto mais válido e mais canalha que eu já vi”.
— De toda forma, o desempenho dela foi um dos melhores desse mês. Consigo sentir como o Roha flui pelo corpo dela, é muito agressivo.
Ela andou um pouquinho para o lado, bem sorridente, e voltou a observar Madallen fixamente.
“Acho que eu sou meio maluca da cabeça de talvez estar apaixonada só de ver alguém dormir…”
“…Espero continuar maluca assim então! Que lindinha.”
“Hahahahah…”
O próximo a se apresentar foi Jeremiah, portando a máscara branca com detalhes dourados e a espada escarlate. Tudo que poderia fazer dependia daqueles dois itens, e ele sabia muito bem disso. Enquanto não pudesse contornar seu problema de nascença sozinho, aceitava de bom grado utilizar aqueles presentes.
— Quilionodora — proclamou o nome da deidade e foi envolto por uma fraca aura vermelha.
Concentrou a energia na ponta da lâmina e realizou uma série de golpes que liberou explosões. As espadas de gelo foram arrebentadas e derretidas em poucos segundos.
Surgiu, na extremidade da espada, uma chama estranha, queimava apontando para baixo. Contraintuitivamente, a labareda desceu em vez de subir. Essa era uma das características do Elemento Fogo de Jeremiah, suas chamas queimavam de ponta cabeça quando muito intensas.
O loiro caminhou sobre as próprias chamas sem se queimar. A razão de poder fazê-lo com tamanha trivialidade era um conhecimento basilar sobre a magia: nenhuma pessoa era afetada pelas próprias criações elementais — com exceção daqueles que escolhiam serem afetados.
Não tendo muito mais a demonstrar, o espadachim voltou ao seu lugar e enfincou a arma, ainda incandescente, no chão. Victor pensou um pouco sobre o que viu, mas logo chamou Verion para terminar o processo de vez.
O garoto de cabelos castanhos mostrou a capacidade de compressão das partículas do ar. Um brilho entre as palmas da mão pôde ser identificado, uma onda de calor também, porém nada expressivo. Finalizou com o Vento para criar rajadas esverdeadas; cortes superficiais.
— Então é isso… — disse o avaliador, um pouco decepcionado com aquele desempenho tão sem sal.
— Agora vamos fazer algumas perguntas para vocês e depois entregaremos os resultados. — Lorellai os chamou com um movimento de mão.
O grupo se acomodou em uma das mesas de obsidiana da sala de entrada. Madallen havia ido embora após receber a resposta, e agora era a vez do trio recebê-la. Victor voltou trazendo alguns papéis. Verion foi o primeiro a receber.
Nome: Verion Velgo.
Idade: 8 Anos.
Elementos: Vento e Imaginário.
Deidades: Vegarten.
Categoria: Grau Básico I.
Informativo: Verion possui um controle muito mínimo do processo de transformação de Roha em uma força elemental. Foi constatada uma perda de 95% de energia.
— Ai, peguei o segundo menor grau possível! — Ficou cabisbaixo.
— Não se preocupa, você só é muito novo. Lembra que uma vez o Elta disse que sofrimento nos faz mais fortes? Não era ele filosofando sobre obviedades como se estivesse dizendo algo muito profundo, era literal mesmo — frisou Yunneh.
— Verver, treinamento é o principal, mas isso aí que a chata falou também é um meio de acelerar sua evolução — complementou o loiro.
— Por isso você é mais forte do que eu?
— É, eu tive muitos problemas… Só precisava desses equipamentos pra ser acessar meu potencial! — Colocou a mão na máscara, fazendo uma pose que achou ser irada.
“Que boboca…”
A jovem olhou as informações do documento recebido e mostrou para eles.
Nome: Yunneh Velgo.
Idade: 16 Anos.
Elementos: Gelo e Imaginário.
Deidades: Vegarten.
Categoria: Grau Intermediário III.
Informativo: Yunneh possui um controle considerável do processo de transformação de Roha em uma força elemental. Foi constatada uma perda de 50% de energia.
— Se deu melhor do que eu pelo menos — disse, pensativo. — E você Jeremiah?
— Nada de incrível. — Mostrou sem fazer muito caso.
Nome: Jeremiah Glyonart.
Idade: 12 Anos.
Elementos: Fogo.
Deidades: Quilionodora.
Categoria: Grau Intermediário I.
A perda de energia era só um pouco maior que a de Yunneh, porém o suficiente para ficar atrás dela por 2 níveis inteiros. A diferença também dizia respeito a quantidade bruta de Roha.
O loiro levantou para olhar um infográfico que se encontrava na parede, no quadro de avisos. Queria dar uma boa olhada em cada estimativa.
— Tem muita gente absurda acima de nós.
Os graus eram divididos entre Nulo, Básico, Intermediário, Avançado, Especial e Calamidade; cada um com varições de I a III. Essa era a escala de forças oficial do mundo.
Aquele pequeno grupo era minúsculo não apenas na quantidade, mas também em potencial bélico. Existiam figuras que poderiam aniquilá-los em frações de segundos. Essa noção reforçava o caminho pela busca de poder que os irmãos precisavam trilhar.
Enfrentar a Aniquilação e o deus misterioso exigiria muito mais do que aquela força irrelevante que detinham. Yunneh se perdeu nesses devaneios por minutos a fio, até pensar em algo para responder o comentário do mascarado.
— Eu quero me esforçar até ultrapassar tudo que possa me atrapalhar. — Ela olhou para o lado e percebeu a ausência total deles. — Ei, cadê vocês?!
Verion e Jeremiah caminhavam dentre becos e vielas escuras da cidade de Sirius. Latas de lixo sendo reviradas por gatos de rua não eram incomuns nesses espaços. Bêbados perdidos também.
— Onde nós vamos?
— Verver, precisa pensar grande se quiser ficar forte de verdade! Foi bem chato ter sido taxado de fraco pelo teste, não é?!
— Foi, mas… O que andar em becos tem a ver com ser forte? Nesse ritmo vamos encontrar um assalto e não o segredo da força.
Jeremiah o segurou pelo braço com firmeza e falou com convicção: — O melhor jeito de aprender é lutando com um inimigo real!
— O inimigo real vai ser um bêbado?
— Nananinanão! — Ele observou os arredores, avistando uma pessoa caminhar pelas sombras na direção deles. — Que tal aquela estranha?
A estranha em questão era Lisbeth Pfaltzgraff em carne e osso, a Semideusa da Aniquilação e líder da nação.
— Beleza, acho que dá pra ganhar! — Verion entrou em pose de luta… escondido atrás de Jeremiah.
A mulher parda, trajando um uniforme militar preto de gola alta por cima de uma camisa de mesma cor, vinha calmamente. O uniforme preto tinha detalhes em ciano vibrante nas ombreiras e em linhas que seguiam pelas mangas longas. O cinto que segurava suas calças tinha alguns pedaços de ouro e prata pendurados.
Ela ocultava um sorriso irônico por trás de uma grande e espessa máscara de obsidiana no rosto. Seus volumosos cabelos castanhos escuros, cacheados, emolduravam a feição encoberta.
— Velgo? — A voz imponente, forte como um soco, fez a dupla pensar duas vezes na tentativa de lutar contra ela.
— C-como você sabe quem eu sou?!
“Isso é um mau sinal!”
Verion correu para se esconder atrás de uma lata de lixo.
— Talvez eu devesse espalhar artes e quadros meus pelo país, é irritante comandar esse território há décadas e nem ser reconhecida. — A semideusa removeu a máscara obsidiana e encarou a lata de lixo.
Seu rosto era belo, estonteante. Porém, para além dessas características, um detalhe conquistava a atenção de qualquer um de imediato. Os olhos castanhos, revelados por ela, ganharam a tonalidade de um ciano intenso.
A lixeira metálica levitou e, de repente, foi lançada tão forte que desapareceu do campo de visão deles. Mascarou-se novamente, aguardando uma reação.
— Nossa… você é tipo uma super coletadora de lixo secreta do governo? — questionou Verion, empolgado.
“Que roupa maneira…”
— Idiota, é o magnetismo que a Lorellai falou! É a Lisbeth essa aí! — Jeremiah chacoalhou o garoto como um pano velho.
— Vish, deeesculpa!
Lisbeth, em um piscar de olhos, colocou a mão no ombro do Velgo e perguntou: — Onde está sua irmã e a minha conselheira?
— Na… na zona de testes que fica aqui perto!
— Agradeço pela informação.
A figura desapareceu por completo daquele lugar. Verion caiu sentado, sentindo o suor escorrer por seu rosto.
— Jeremiah, eu achei que ela também ia me tacar longe!
— Tu não é de ferro, besta.
“Como ela sabia de mim e da minha irmã aqui? Nem daria tempo dessa informação circular.”
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