Yunneh e Lorellai, na sala de entrada da esfera, debatiam o que precisavam fazer naquele momento. O resultado do teste já tinham, informações que poderiam ser usadas pela conselheira para talvez colocá-la no exército nacional, dando-lhe certas regalias. Entretanto, ainda restava solucionar o fato mais imediato.

    — Podemos ir atrás da Lisbeth agora, mas primeiro preciso achar meu irmão e o isqueirinho.

    — Não devem ter ido muito longe. Vamos encontrar eles e ir direto até a minha chefinha… — Suspirou. — Ai, ai, espero que ela não se irrite por eu ter enrolado tanto ela…

    Escutaram um som de batida vindo de cima.

    “Ué?”

    Quando olharam para o teto da sala, avistaram Lisbeth de pé lá, observando e acenando. Yunneh logo soube de quem se tratava pela reação desconsertada da conselheira. A mulher travou e, com um balançar de cabeça para se recompor, levantou-se da cadeira.

    — Lorellai, quem disse que estava enrolando mesmo?

    — Olha só! Férias pra mim é raridade, desculpa, mas o mundo podia acabar que eu não aparecia por aqui!

    — Ora…

    Ela despencou do teto, caindo de pé num movimento perfeito ao lado da ruiva. Com os braços cruzados, apenas manteve-se calada, encarando-a. Mascarada, dificultava ainda mais entender suas intenções.

    O silêncio consumiu o ambiente por completo. Trêmula, a conselheira deu passos para trás, receosa. O coração doeu com o tanto que acelerou, e o suor que passou a escorrer por seu rosto pingou sobre o chão.

    — P-peço perdão… — Abaixou a cabeça.

    — Hahaha… Tudo bem, dessa vez deixarei passar, minha querida. — Deu um soquinho leve no ombro de sua funcionária.

    Yunneh ficou completamente embasbacada ao vê-la cara a cara. Demorou a notar que estava a observando há muito tempo, perdida na espantosa máscara de obsidiana. Não era capaz de ver o rosto da semideusa, mas teve certeza de que ela retribuía o ato.

    Por reflexo, desviou o olhar, afetada por uma sensação ruim. Pensar em afrontá-la era mais fácil quando estava a uma distância segura. Mas, agora, perante o julgo da maior seguidora de Quilionodora, sentia certa aflição ao rememorar esse pensamento.

    Ainda que estivesse convicta de que poderia derrubar até mesmo o grande dragão, tinha plena noção de que não era hora de se envolver negativamente contra figuras tão proeminentes. Crescer nas sombras, fora do radar dos deuses, seria o melhor.

    “Ela parece forte. Não, ela com certeza é forte. A Lore lidou comigo como se eu fosse uma criancinha, mas ainda tem medo dela… O quão grande é esse abismo que nos separa?”

    A ruiva decidiu perguntar algo para cortar o clima estranho.

    — O que era o tal problema de segurança nacional? As pessoas que vieram falar comigo não chegaram a dar detalhes… porque eu açoitava elas antes, mas isso aí é só um detalhezinho.

    — Vamos até a torre, quero conversar com a Velgo lá — disse com a voz mansa.


    Estar aos pés da torre causava um sentimento imediato de pequenez. Sua estrutura pedregosa, rígida e colossal, trazia ao âmago de Yunneh a exata mesma coisa que sentiu ao ver a semideusa, como se tal construção e magnitude representassem a exata força de Lisbeth.

    Tinha noção de que era grande quando chegou na cidade com seu grupo, mas estar em sua frente, cara a cara, trouxe uma certeza de que aquela coisa tinha mais de 1 quilômetro de altura. Era surpreendente uma coisa assim manter-se de pé. Só de largura, tinha a extensão de ao menos 10 das largas ruas na qual passou.

    “O magnetismo dela deve ter algum papel nessa coisa… Será que existe algo maior pelo mundo?”

    Sentia na pele um calor terrível, a luz solar refletida pela estátua de Quilionodora no topo da torre. Atuava como um espelho gigante, uma lupa, por conta da pedra branca reflexiva da qual era feita. Suando, seguiu as duas em silêncio.

    Uma longa, extensa e cansativa escadaria levou-as até o topo. O interior do último andar, repleto de pessoas lidando com documentação, era um tanto caótico. Existiam até mesmo pessoas dormindo no chão abaixo das longa mesas retangulares.

    “Aquela parada ali é um barril de cerveja?”

    — Isso aqui tá meio bagunçado. Não esperava isso da morada de uma rainha. Nos livros que li e retratavam a realeza parecia tudo tão majestoso… Ver gente largada por aí não estava nas minhas expectativas. Não tem nada de ouro, um tapetezinho vermelho sequer!

    — Nah, não me encaixo com essas firulas de gente chique. Quando era criança fui rejeitada e ameaçada por esse tipo de gente, a última coisa que eu poderia querer é me tornar essa escória. Meu pessoal trabalha aqui como quiserem, o que importa são os resultados. — Guiou-as até um corredor, a luz solar perceptível em seu fim.

    Na varanda do último andar, atrás do parapeito, conseguiam enxergar a cidade de Sirius por completo. Os aquedutos obsidianos, que serpenteavam pela capital, podiam ser observados em sua extensão completa.

    O padrão das ruas, vistas de cima, formavam hexágonos ao longo dos quilômetros. A sombra projetada pela morada da semideusa mergulhava na escuridão parte dos pequenos prédios de três andares.

    “Esse lugar é muito bonito… Nem parece que Aludra faz parte da mesma nação que isso.”

    “Aaaaaahhh, não é hora de me sentir intimidada ou ficar pensando em arquitetura. Preciso ser firme!”

    Yunneh ponderava sobre cada questão de olhos fechados, coçando a bochecha. Quando tomou coragem para falar com Lisbeth e os abriu, deu um passo para trás com um susto. Uma taça com uma bebida escura estava levantada para ela.

    — Pega.

    — Isso aí é vinho?

    — Claro que não, é suco de uva — assegurou enquanto pegava uma taça para si com a mão livre.

    — T-tá bom então — disse ao segurá-la cuidadosamente.

    A jovem bebeu, constatando que era exatamente o que a anfitriã garantiu. Tentou pensar em como abordar o assunto, um tanto receosa, mas não teve tempo de se planejar.

    — Sei que pediu para ter uma reunião comigo. Fale logo suas ideias, e seja honesta. — O tom de voz presunçoso fez soar um alerta na cabeça de Yuuneh.

    “Essa desgraçada… Entendi, ela consegue saber de conversas a grandes distâncias… Eu não falei disso com ninguém além da Lorellai, e tenho certeza de que ela não falou do meu pedido a mais ninguém.”

    “Falamos sobre isso perto de Aludra, no outro canto do país… Magnetismo, isso é o poder dela, mas como ela usaria essa porcaria de força pra conseguir ouvir de tão longe?”

    “Droga, não posso pensar nisso agora. Ela pediu honestidade, então vou entregar isso a ela!”

    — Lisbeth, fui rejeitada por Quilionodora e recebi uma ameaça de morte por parte dele. Eu quero que você vá ao Domínio Divino desse maldito e diga, em meu nome, que estou declarando guerra.

    E, de repente, quando menos percebeu, viu-se segurada pela perna na beirada da construção. De cabeça para baixo, viu seu chapéu cinza cair em direção às ruas próximas naquela altura vertiginosa. No tempo de seu cérebro processar o acontecido, escutou a anfitriã, séria, dizer:

    — Belos cabelos brancos.

    — Meu chapéu! — Colou a mão sobre, tentando esconder.

    — Acredita de fato que pode vir até aqui pedir esse absurdo? Sua blasfêmia é de causar nojo, pirralha.

    Yunneh franziu as sobrancelhas na hora.

    “Ela tá de sacanagem comigo?”

    — Você já sabia dessa minha intenção, qual é a desse teatro? Chega de drama! — retrucou, a voz trêmula e indignada.

    “Eu devo sobreviver a essa queda caso ela me solte, mas cacete, isso vai dooooer!”

    — Me dê um único bom motivo para que eu atenda seu pedido. É filha do maior gênio contemporâneo, deveria ser inteligente como ele. — Um sorriso alegre surgiu em seus lábios ocultados pela máscara.

    Yunneh teve um calafrio ao notar o afrouxar da mão da semideusa. Pouco a impedia de cair por centenas de metros e se espatifar no chão.

    — Ah, é? Me escuta então, sua imbecil! Teu deuszinho não é tão incrível e poderoso? Esse merda de pedra quer me matar e eu quero esfarelar ele de tanta porrada! — O ar esfriou na proximidade. — Eu duvido que ele ganhe de mim se me der tempo de treinar! Quero uma luta justa com ele, resolvo isso com minhas próprias mãos!

    “Será que essa maluca sabe que eu sou idiota?”

    Lisbeth pensou: “Será que essa idiota sabe que eu sou maluca?”.

    A seguidora do Deus da Aniquilação caiu na gargalhada, e não era a reação que Yunneh esperava ocorrer.

    Ela removeu a máscara usando a mão livre, revelando sua bela face com um semblante calmo. A expressão foi o suficiente para fazer a jovem acalmar os ânimos. Entendeu que não era mais necessário se preocupar.

    — Velgo, pedi inteligência, mas me entregou inconsequência pura. Gosto disso. — Voltou a segurar a perna dela com força. — Tem sorte por minhas filosofias de vida serem diferentes das do antigo líder dessa nação.

    — Então… Cê vai aceitar meu pedido?

    — Vou, mas terei que impôr duas condições, garotinha.

    “Isso tá tomando rumos muito estranhos, mas parece que tá dando certo…”

    — Ei, ma-mas me tira daqui, na boa! — Via os próprios pés juntos da imensidão do céu azul ao olhá-la.

    Um par de pedidos era tudo que separava Yunneh de sua simbólica declaração de guerra contra Quilionodora.

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