Capítulo 14 - O Plano Radical de Yunneh
Verion, John e Jeremiah foram para um restaurante cujas cadeiras ficavam próximas da agitada rua. O som dos comerciantes, gritaria, risadas e carruagens permanecia uma constante. A novidade era o barulho suave de uma colher misturando o açúcar no conteúdo de uma xícara.
John adoçava o café que pediu. Tinha certeza que o sabor seria infinitamente inferior ao do feito por ele, então jogava colheres e mais colheres de açúcar sem qualquer piedade.
Verion observou e pensou: “Eu consigo curar diabetes? Acho que mais um pouquinho e eu posso testar…”.
Um pano branco cobria a mesa de madeira carmesim em que estavam. Sobre ela, nada além da xícara e um pequeno pote de açúcar.
— Ainda é meio doido pensar que esbarramos com a rainha aleatoriamente pelos becos — disse Jeremiah, lendo o cardápio do lugar.
— Achei que ela ia me jogar longe, mas o Jeremiah disse que não sou de ferro, então tá tudo bem!
— Não é um impeditivo, ela ainda poderia te jogar com as mãos. — John deu um gole no café e sentiu como se estivesse mastigando açúcar, tamanha a quantidade. — Quando aconteceu a guerra com a nação vizinha, ela lutou praticamente sozinha contra milhões em um dos frontes do campo de batalha. Jogar uma criança para o alto não seria difícil.
O homem barbado de bigode fino continuou bebendo aquele horror enquanto lutava para não fazer caretas. Jeremiah percebeu os esforços dele e sorriu, um tanto avoado ao pensar no resultado do teste.
Aquilo que lhe foi pedido por Charlotte parecia distante, muito distante. Apenas a máscara e a espada não dariam a ele poder o suficiente para matar o pai dela tal como desejava. Sabia da disparidade de forças, lembrava do dia em que viu o que ele era capaz de fazer.
“Até a Yunneh teria problemas… Não, problemas é pouco, ela morreria rápido.”
“Que inferno, eu preciso ficar mais forte logo! Pode demorar, mas vou ultrapassar essa… Essa?”
Jeremiah percebeu a Velgo caminhando do outro lado da rua, com os cabelos brancos amostra. Caminhava com um maço de dinheiro em uma mão e uma adaga de gelo na outra, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
— Ow, galera, a Yunneh tá aqui. — Apontou na direção dela, atraindo o olhar dos dois.
— Deve ter terminado de falar com a Lisbeth.
— Sim, mas o que ela está fazendo sozinha por aqui? — John levantou para olhar melhor.
A jovem entrou em uma loja de roupas e maquiagem do outro lado da rua. No interior do ambiente, ela se dirigiu de imediato até uma das atendentes que circulavam pelo espaço.
— Olá garota, gostaria de ajuda com algo? — disse uma mulher de óculos redondos vestida com o uniforme do lugar, um azul e preto.
— Posso ser muito honesta e direta? — Mostrou a quantia de dinheiro, fazendo os olhos da moça brilharem com empolgação.
— Claro, claro!
A vendedora pensou: “Vou ganhar muito dinheiro de comissão, que perfeição, era exatamente o que eu precisava!”.
Yunneh ponderou profundamente em como dizer aquilo, mas logo deixou de lado a civilidade da qual já não era a maior das adeptas. Respirou fundo, deu um passo para frente e a segurou pelos ombros.
— Qual a roupa mais de otária rica que seria vítima de sequestro que vocês têm?!
— A roupa mais O QUÊ?!
Saiu da loja passando a mão nos cabelos. Balançavam ao vento com suavidade. De nariz empinado e com um sorriso maléfico no rosto, seguiu entre as carruagens na rua, atrapalhando o curso das pessoas e quase causando vários acidentes.
— Cuidado menina!
— Tá maluca?!
— Abraço pra vocês também! — respondeu, espirituosa.
Utilizava um vestido branco, de algodão, com mangas bufantes e um cuidadosamente costurado bordado floral na cintura. Com sapatilhas brancas em seus pés, uma presilha de girassol no cabelo e uma maquiagem que realçava sua beleza. Acelerava o passo com confiança no seu plano.
“É isso, se os encapuzados estão sequestrando pessoas, eu só preciso ser o alvo de sequestro perfeito para encontrar eles!”
“Aí vou eu bairro de Wallose, que suas ruas mais insalubres e escuras me aguardem! Vou ficar segurando meu dinheiro por aí igual uma trouxa!”
O restante do grupo assistia à cena do outro lado, ainda no restaurante. O homem havia bebido todo o tenebroso açúcar com pitadas de café — o que era a descrição mais apropriada para o que aquela coisa havia se tornado —, mas a que custo?
— Quando minha irmã sorri daquele jeito é porque ela vai fazer alguma coisa perigosa…
— Querem seguir ela? — questionou Jeremiah, o interesse estampado em sua face.
— Não sei se deveríamos.
— Temos que ficar de olho nela. — John correu para pagar a conta e voltou como um relâmpago. — Anda, anda!
— Eu nem comi ainda! — reclamou o mascarado.
O azul do céu dava lugar aos tons alaranjados, rosas, roxos e à escuridão. O véu noturno cobria lentamente a cidade que, iluminada por tochas e outras formas arcaicas de iluminação, lutava contra tal evento cotidiano.
Naquele horário passava a ser difícil ver pessoas do lado de fora, perambulando por aí. A ausência do som das carruagens causava estranhamento, pois, após ouvir tantas e tantas horas daquilo em todo canto, sua falta era impactante e inquietante; tudo soava morto.
Os únicos ruídos eram das longínquas vozes abafadas dentro das casas na área, o miado de alguns gatos que decidiram se aventurar pelos telhados das residências e uma série de passos lentos. Quem dava tais passos era Yunneh, sorridente.
Fingindo uma feição inocente e boba, seguia pelas ruas, ocasionalmente entrando em becos e esperando que algo acontecesse. Com dinheiro em mãos, passou muito tempo repetindo o processo de entrar e sair dos becos e vielas. Horas andando sem qualquer resultado.
“Será que eu fui óbvia demais?”
“Não queria precisar ficar andando por aí igual uma tonta vestida assim… Meu jaleco é a única coisa que me serve.”
“Essa fofura não combina comigo. Ou talvez combine… Ai, tanto faz, que infeeeerno, cadê esses caras?”
Rodeada de latas de lixo, um contraste gritante com suas vestimentas, batia o pé no chão, impaciente. Sua raiva com a demora atraiu um gato preto que, saído de uma lata de lixo, a observou bem quieto.
— E você?
O felino apenas miou e se aproximou, permitindo que ela o acariciasse.
“Ele sim pode ser fofo, um jaleco não combinaria com ele.”
Enquanto fazia carinho no pequeno, com um sorriso no rosto, uma batida metálica ao longe ecoou até seus ouvidos. O gato correu assustado, sumindo nas sombras.
Com a atenção atraída, acelerou em direção à fonte do barulho. Virando em uma das esquinas, esgueirou-se no primeiro beco que viu para observar com calma.
“Quanta gente…”
Mais de duzentas figuras encapuzados estavam no meio da larga rua, de costas para ela, olhando algo brilhante. Os clarões e feixes de luz cortavam os céus, iluminando tudo por instantes como durante a queda de um raio.
“Não é possível que eu não tenha visto esse negócio aí de longe. Me recurso a achar que fiquei tão distraída assim, devem ter começado isso agora.”
Formou suas duas espadas de gelo, concentrando o Roha sobre elas.
“Nossa, que vontade de pegar eles pelas costas, desse jeito até parece que tão pedindo pra morrer. O que é tão interessante nesse brilho que não ficou umzinho olhando pra trás?”
Enquanto Yunneh decidia suas ações, Verion, John e Jeremiah observavam do topo de um dos prédios próximos. No telhado do terceiro andar, o homem de bigode preparava café com um sorriso orgulhoso no rosto.
— Esse brilha brilha psicodélico me lembrou de uma festa em que a Lorellai me levou. — Ele colocou as mãos na cafeteira metálica, sentindo o calor da água fervente. — Vão querer uma xícara?
— Não bebo café — disse o baixinho.
— Isso aí bagunça meu estômago na hora. Pode ficar pra você.
— Certo, mais para mim então.
A estranha luminosidade se expandiu e logo desapareceu. As centenas de figuras começaram a andar, indo na direção do beco em que a Velgo havia se escondido. Vozes se elevaram dizendo uma exata mesma coisa.
— Levem até Bel! Levem até Bel! — repetiam freneticamente, o eco nas ruas vazias espalhando a mensagem.
Dentre o grupo, revelou-se um corpo preso num cristal dourado. Carregavam-no nos braços com cuidado, enquanto repetiam aqueles mesmos dizeres.
No beco, Yunneh desfez suas espadas e caminhou para fora daquele espaço escuro. Tendo parado diante do grupo, fingiu estar surpresa e com medo.
“Esse tal Bel desse ser o líder deles. Já que ele não tá aqui, é melhor deixar que eles me levem embora.”
— Q-quem são vocês? — perguntou, forçando a voz para dar uma ideia de pavor.
A multidão logo correu em sua direção. Ela não fez nada contra nenhum deles, apenas se deixou ser levada. A carregaram e sumiram junto dela em poucos minutos. Os encapuzados se dispersaram por completo, deixando a tarefa de localizá-los ainda mais difícil na escuridão.
Verion tinha notado que a ideia dela era ser levada. Lutar para escapar seria fácil para a irmã, então não fazia sentido que ela estivesse correndo perigo ou que estivesse mesmo amedrontada como aparentava.
— A Yunneh tentando bancar a fofinha e inocente me assusta mais do que quando ela quase arrebentou a minha perna — confessou Jeremiah, tremendo de medo.
— Isso deve ter alguma relação com a reunião dela com a Lisbeth. É melhor não nos intrometermos. — John deu um gole no café. — Se ela não nos chamou, deve ter um bom motivo. Caso ela não volte antes do amanhecer, vamos procurar.
O homem olhou seu relógio de pulso. Era meia-noite.
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