Índice de Capítulo

    A pedra e terra do subsolo ficaram expostas acima após o desabamento do teto. Carvão, ferro e outros minerais ficaram à vista de todos. A poeira ainda reinava no ar e o frio se esvaía, deixando o local na temperatura ambiente.

    De braços cruzados no vestido branco manchado de sangue — que apresentava poucos rasgos porque o Roha também protegia as vestimentas — estava Yunneh, aguardando Bel ir até ela.

    Os novos cabelos brancos, ainda mais aparentes, tomaram uma área considerável. Usar um chapéu não seria o suficiente para ocultar o fato de estar tecnicamente amaldiçoada. No entanto, não se importava com esse detalhe no momento; tinha uma prioridade maior.

    — Tudo bem, contarei o segredo — disse Bel, carregando Darian no braço como se fosse um saco de cimento.

    — O que era?

    O imortal criou, a partir de sua memória e imaginação, uma cópia do diário de Elta. Segurava entre os dedos da mão, com uma expressão tranquila. Entregou para ela, aberto nas páginas finais.

    — Releia as partes que sublinhei e me diga se nota o pequeno problema que está aí dentro, nesse trecho. Você é esperta, não me decepcione.

    Não esperava que meu cabelo ficaria branco por conta de uma maldição, achei que a idade que faria isso comigo. A dor que sinto está atenuada, mas não posso fazer nada além disso.

    É estranho pensar que agora, olhando minhas anotações mais antigas, eu não consiga reconhecer de onde vinham aqueles meus pensamentos de quando eu surgi. Textos podem guardar informações, mas sentimentos perdem-se nas linhas.

    “Humm…”

    Eu fico imaginando o que eles dois vão se tornar quando forem mais velhos. Bem, não devo me deixar levar, essa tarefa fica para mãe deles.

    — Olha, tirando a parte do meu pai não achar que minha mãe é uma vagabunda, eu não sei se tem algo errado aqui… — Lia as palavras com os olhos bem estreitados.

    — Ah… Eu nem sublinhei isso! — Bel arrancou o diário da mão dela, claramente frustrado. — Sério que não notou?!

    Yunneh apenas balançou a cabeça em negativa.

    — Picolé, quem em sã consciência se refere ao próprio nascimento como surgi? — Ele fechou o diário e suspirou. — Não é uma palavra comum para se referir ao próprio nascimento. Entende a peculiaridade da situação?

    — Tá, mas o que que tem com isso? Meu pai era meio estranho com umas coisas, tipo os documentos dele. Não seria impossível ele só jogar isso aí desse jeito por nada.

    — Mas não é o caso aqui — disse enquanto gesticulava. — Layla Zayn ocultou muita informação depois de ter criado a Zona Neutra Internacional e expandido sua influência ao redor do mundo. É um fato conhecido por pouquíssimas figuras atualmente, mas certas bibliotecas inteiras foram destruídas e dezenas de milhares de pessoas sofreram queima de arquivo por contrariar os ideais dela.

    Continuou: — Não vou te dar essa informação de mão beijada, mas o surgi, usado pelo seu pai, é parte de um conceito que foi apagado por Zayn. Seu pai era um dos Surgidos.

    — Uh? E o que que isso quer dizer?! — Ela murchou como uma rosa, curiosa e decepcionada pela informação inconclusiva. — Desembucha periquito!

    — Não vooou! — Sorridente, colocou Darian no chão. — Beeeem, minha única dica é que procure alguém muito inteligente que não tenha medo da morte. Assim que descobrir o que esse termo significa, vai ter uma peça importante para descobrir a origem dessa coisa que acreditava ser um humano.

    “Espera aí…”

    Yuuneh sentiu seu mundo se inverter por um momento. Bel não parecia estar mentindo. Seu semblante, de elevada calmaria, demonstrava uma gritante honestidade que não dava margem para qualquer interpretação além daquela: era um fato.

    — Surgidos não envelhecem, eles sabem que não envelhecem…

    Seus olhos azuis se arregalaram, fixos nos dourados de Bel. Quando o coração acelerou pelos questionamentos inerentes à humanidade de seu pai, uma parte do trecho voltou como um relâmpago em sua mente:

    Não esperava que meu cabelo ficaria branco por conta de uma maldição, achei que a idade que faria isso comigo.

    — Elta pensando sobre envelhecer também foi uma informação manipulado por você? — Ela avançou, cravando as unhas na túnica branca e puxando.

    A serenidade no rosto dele se transformou em uma expressão incerta, indecifrável. O homem recriou seu revólver e passou a girá-lo na mão direita, silencioso. Não havia chance de resistência contra ele, e sabiam que o ressurgimento do revólver significava o fim da situação.

    — Essa memória voltará na sua cabeça dentro de algumas semanas, mas não meu nome e nosso encontro. Não quero atrapalhar o show que irá se desenrolar. — Engatilhou. — Nada mudará o destino que estou tecendo com minhas mãos para meu querido e amável mestre.

    Dois disparos foram efetuados.


    Durante a fria ventania da madrugada, o trio continuava aguardando qualquer sinal de Yunneh no topo do prédio. John, com as mãos trêmulas, continuava preparando mais e mais café.

    “Que chato… Ele nem coloca açúcar que nem antes! Como eu vou testar se consigo curar diabetes desse jeito?”

    “Mas ele tá na trigésima xícara, né? Acho que posso testar com algum outro problema…”

    Jeremiah, sonolento, segurava a máscara branca e dourada em suas mãos pálidas. Mal conseguia manter os olhos abertos, mas permanecia pensativo sobre sua relação de forças para com Yunneh e o resto do mundo.

    “Quero ver aquela esquisita de novo… Acho que posso pedir uma revanche daqui um tempo.”

    — Verver, não gosto da sua irmã, mas tô começando a ficar preocupado…

    — Que bonitinho você preocupado com ela! — Verion disse com o mesmo tom de inocência que surgia às vezes.

    — Ô, não enche! — Deu um empurrão nele, virando o rosto para ocultar o pequeno sorriso inconformado que surgiu em seus lábios.

    John olhou para lua enquanto balançava a bebida quente, vendo seu vapor subir e ser levado pela brisa noturna.

    — Jeremiah, confia na garota, ela não teria um fim como esse — disse antes de dar mais um gole.

    Não demorou um segundo após essas palavras para ouvirem um estardalhaço nas ruas próximas.

    — AAAAHHH! Para de me segurar tão forte!

    — Cala a boca e continua andando! — berrou Yunneh.

    — Até que eu tô tentando, mas tem uma MALUCA quase quebrando o meu braço!

    John apenas ergueu as sobrancelhas e disse: — Não falei?

    Eles se reuniram pouco tempo depois.

    Verion perguntou sobre os novos cabelos brancos e a irmã disse que nem havia os notado. Era preocupante de certa forma, mas afirmou que estava se sentindo bem.

    Yunneh os explicou a aparente situação. Contou que havia recebido, por parte de Lisbeth Pfaltzgraff, a missão de encontrar o líder de um grupo de homens encapuzados, figuras de túnica branca, que estavam realizando sequestros na região.

    Contou que conseguiu derrotar todos os membros sozinha e que tinha capturado o líder do grupo, Darian Mussiola, um jovem que, apesar de parecer inofensivo, confessou ser culpado e o mandatário dos sequestradores.

    A Velgo os deixou para trás, dizendo que iria retornar à hospedagem assim que entregasse Darian para Lisbeth pessoalmente. Verion e o restante deles voltaram até o quarto alugado para dormirem pelo restante da noite.

    “Meu treinamento especial tá garantido!”


    A lua brilhava intensamente no céu. Sob sua luz suave, Lorellai e Lisbeth bebiam juntas, sentadas lado a lado na varanda da torre. A semideusa se escorava no ombro da conselheira, tranquila.

    Havia deixado seu uniforme militar de lado naquele horário. Uma camisa branca e uma calça preta tomaram o lugar das vestimentas imponentes. Tinha um ar mais casual daquela forma.

    — Quem diria que aquela Madallen ia conseguir tirar tanto tempo nosso por causa de uma única pessoa — disse Lorellai.

    — Admito que me segurei para não matá-la. É tão mal educada quanto a filha do antigo Anjo, mas não tem o mesmo charme. — Virou a taça de uma só vez. — Aliás, fez o que eu pedi?

    — Sim, despachei alguém para ir conversar com o prefeito da vila dela em seu nome. Acho que vai ser o suficiente para solucionar a questão de vez.

    — Espero que sim…

    Uma série de passos no corredor para a varanda fizeram as duas olharem para trás. Yunneh surgiu sorridente, jogando Darian no chão com tudo.

    — Ai…

    — Peguei o cara! Já podemos começar nosso treinamento?!

    — Como você entrou na torre? Eu lembro de ter trancado tudo!

    — Tudo bem Lorellai, deixa ela. — Lisbeth levantou e olhou para Darian de perto. — É sério que era esse patético aqui o tempo todo?

    — Não precisa me ofender também, a garota aí quase quebrou meus braços no caminho até aqui! Já chega de maus-tratos, né?

    — Por mim não.

    Lisbeth o desacordou com um chute na cabeça e agradeceu Yunneh pela busca dela. No entanto, precisariam fazer um julgamento e o interrogar para descobrir se de fato poderiam ligá-lo aos casos de sequestro.

    Afinal de contas, apesar de terem o encontrado, o suposto culpado, ela não foi capaz de resgatar nenhum dos desaparecidos da região. Faltava algo para ser crível que aquele jovem simplório fosse a cabeça de uma esquema como aquele.

    Pela manhã, um julgamento foi anunciado publicamente. Milhares de pessoas planejavam comparecer. Era um evento um tanto raro Lisbeth pessoalmente ir observar um caso como esses em tribunal.

    O destino de Darian seria decidido naquele dia.

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