Capítulo 24 - Sete Anos de Preparo
Quando tudo em Sirius, na capital de Quilionodora, foi resolvido, voltaram para casa. Verion, Yunneh e Karina passaram a morar juntos e conviverem tentando ao máximo entender todo o volume massivo de informações deixadas pelo Anjo, e o significado de Surgido — memória retornada quando chegaram à Aludra.
Yunneh precisava ficar um mês fora para seus treinos durante os tempo seguintes. Voltava sempre exausta, mas também mais forte. Os métodos de Lisbeth eram assustadores para ela, porém mantinha-se firme para cumprir com sua palavra de que mataria o dragão.
Ano 23 do Calendário da Calamidade, 2 anos após a morte do Anjo.
O avançado técnico que tiveram foi vultuoso. Yunneh finalmente havia conseguido concluir o Experimento Sinérgico de Quilis-Jooguni, conseguindo combinar perfeitamente o extrato de duas ervas.
Essa nova substância teorizada por Elta Velgo mostrou-se ainda mais eficiente para o aumento de Roha, e mais perigosa. Contudo, ela bebia inconsequentemente, suportando todos os efeitos colaterais e dores excruciantes.
— Se é pra morrer, quero morrer forte! — Era o que sempre repetia quando alguém se preocupava com ela.
Durante essa época, Jeremiah passou a evitar Verion como se nunca tivesse o conhecido. O garoto deduziu que era por pressão de Quilionodora e aceitou o fato sem relutar. Sentiu-se triste, mas não queria dificultar uma situação que já era amarga.
Ano 24 do Calendário da Calamidade, 3 anos após a morte do Anjo.
Yunneh nesse ano terminou de ler o grande diário de seu pai e um monte de documentação. Descobriu novas informações sobre várias pessoas que tiveram contato com o pai, até semideusas e deusas num passado não muito distante.
Uma certa discrepância sobre a idade de Elta apareceu, mas não tinham como confirmar nada sobre o assunto.
Em certo ponto, Yunneh decidiu visitar uma vila chamada Harlon para tentar encontrar Madallen. A garota permanecia presa em seus pensamentos, mas nunca teve antes coragem de ir atrás. Durante a visita, acabou não a encontrando e decidiu erroneamente deixar para depois.
Verion tirou esse ano para estudar a história da região, coisa que nunca havia feito. Com seu cérebro modificado pela Definição do Conhecimento, por conta de seu pai, conseguiu entender tudo com uma enorme facilidade.
Descobriu em maiores detalhes a razão de sua nação ter sofrido um bloqueio tecnológico. Durante a guerra entre as nações de Quilionodora e Etinova, a Terra dos Elfos, Lisbeth respondeu ao ataque invadindo a nação adversária e utilizando todo seu potencial destrutivo até contra civis.
Lisbeth foi classificada como uma criminosa de guerra por ter levado milhões daquele povo à morte. Como resultado, sua nação foi fechada para a tecnologia moderna. Entretanto, era uma grande hipocrisia o governo de Layla Zayn dizer isso como um grande bastião da ética e moral, pois a governante da ZNI fez algo pior.
A lei de Zayn, o Expurgo Rubro, proibia completamente o início de conflitos entre nações e deuses. Por não achar os motivos de Etinova justos, varreu praticamente todas as formas de vida daquele território com um único ataque, a chamada Lança da Calamidade.
“Que assustador…”
Da Terra dos Elfos, restou uma única sobrevivente registrada, a Semideusa do Equilíbrio, Nisha Verrat.
Contudo, aquele país estranhamente voltou a ter milhões de habitantes em poucos anos. Juravam que tal nação iria ruir por completo, mas logo a viram ser repopulada. Devido ao mistério por trás da aparição de tantos indivíduos, foi recomendado pelo governo de Zayn que todos evitassem entrar naquele país, já que a origem daqueles novos elfos era incerta e inexplicável.
Verion pensava na atuação de Elta durante esse período e ficava ainda mais admirado pela coragem do pai para salvar tantas pessoas em um conflito tão avassalador.
“Será que algum dia vou ser tão forte assim?”
Ano 25 do Calendário da Calamidade, 4 anos após a morte do Anjo.
Yunneh finalmente havia sido oficializada no Grau Avançado I. Suas capacidades e técnicas de combate ficaram muito melhores. Igualou-se a Lorellai em três anos de treinamento.
Notava o fortalecimento de seus músculos e do limite Roha, mas tinha noção de que aquela evolução não seria suficiente. Faltava um novo grande salto adiante para alcançar outro patamar de força.
Enquanto ela revirava mais papelada de Elta em busca de ideias para amplificar o efeito das ervas que a fortaleciam, Verion estudava novas coisas.
O garoto, naquele ano, passou a pesquisar sobre os deuses, as palavras e os conceitos que representavam. Existiam alguns desaparecidos, mas era útil que soubesse sobre todos os mais relevantes que estavam vivos naquele momento, para deduzir quem era o deus da espada de lâmina serrada.
Aniquilação, Astral, Caça, Calamidade, Conhecimento, Desconhecido, Enigma, Equilíbrio, Vazio, Vitalidade e Vingança. Acreditava que algum desses, tirando Benten e Vegarten, era o culpado. Existiam também os semideuses, mas pareciam não ser figuras de interesse.
Apesar de estar listado nos textos, o Deus do Tormento, Zhemo, havia sido morto há pouco tempo. E outra coisa chamava atenção:
“Astral… A antiga deusa, Zorya, foi morta e uma nova nasceu representando esse mesmo conceito tempos depois. Isso é interessante.”
Uma certa ideia começou a crescer na cabeça dele durante esses estudos, uma idealização megalomaníaca do futuro.
Ano 26 do Calendário da Calamidade, 5 anos após a morte do Anjo.
Karina achou na grande pilha de papéis do Elta um texto extremamente importante. Apenas Verion e ela ficaram sabendo sobre seu conteúdo por completo. Era mais um texto escrito à mão pelo Anjo.
Existem aqueles poucos que tornam-se semideuses e deus naturalmente como resultados de uma série de fatores que nem mesmo Benten tem completa compreensão. Porém, descobri há muito tempo que existe uma forma de qualquer ser vivo no mundo virar um semideus.
Muito antes de Layla Zayn sequer ter nascido para assumir o poder, o Deus da Calamidade roubou e decidiu ocultar do mundo um chamado: Ritual de Transcendência. Há centenas de anos deixou de ser tão comum ver novos semideuses por aí.
Esse método ritualístico pode ignorar todos os fatores e fazer até mesmo uma criança ou um gato tornar-se um ser divino. Mas, agora, o ritual está protegido pela mulher mais forte do mundo. No subsolo da ZNI está esse símbolo misterioso, que foi considerado perigoso demais para estar ao alcance de qualquer pessoa.
Consideraram o ritual algo que poderia afetar a continuidade da profecia de Arthur Vogrinter. Sendo assim, um fator a ser evitado com veemência.
Karina recomendou que deixassem essa verdade fora do alcance de Yunneh, pois era fácil de imaginar que ela tentaria roubar esse ritual e acabaria morta antes mesmo de levantar suas espadas.
No decorrer dos meses, Verion pensava profundamente na ideia do surgimento natural das deidades. Era uma questão interessante para se conjecturar.
“A maioria dos nossos deuses atuais surgiu através desses rituais ou chegaram onde estão naturalmente?”
Perto do fim do ano, fez algo que já deveriam ter feito há muito tempo. Com o resultado das novas pesquisas, conseguiram vender suas descobertas para arrecadar dinheiro. Verion fez questão de direcionar parte disso para caridade, tal como seu pai fez no passado.
Ano 27 do Calendário da Calamidade, 6 anos após a morte do Anjo.
Enquanto Yunneh beirava o Grau Avançado II, Verion passava por um verdadeiro surto.
O galpão de pesquisas estava absolutamente organizado. As mesas para experimentos e as cadeiras que as acompanhavam brilhavam de tão limpas. Os recipientes e livros acima delas todos separados por cores e ordem alfabética.
Algo era preparado na fornalha enquanto a figura de jaleco branco lia um livro nas proximidades. O calor das chamas era confortável, porém nem ele lembrava do que havia colocado para esquentar.
Não aguentava o peso das próprias pálpebras, um sono forte, mas mesmo assim continuava suas leituras. Outra enciclopédia sobre deuses e alguns textos de seu pai. Apontava com o dedo cada linha que lia em voz alta.
“Preciso saber tudo sobre eles, cada aspecto…”
“O que a Yunneh tá fazendo não é o suficiente. Preciso pensar em algo muito além de só um treinamento e de força bruta.”
“Tenho que dar um jeito logo, preciso dar um jeito de resolver essa merda!”
A cada dia e noite que caia no sono por lá, acordava coberto ou com alguma refeição ao seu lado. Karina se preocupava com a saúde dele, mas nunca interferia em seus horários de pesquisa por saber o quão importantes eram para ele.
“Karina… me desculpa, me desculpa por favor, por favor…”
“Se eu não puder cumprir a promessa que te fiz no túmulo do Darian, não mereço continuar respirando…”
Mais e mais afogou-se nesse sentimento com o decorrer do ano. Sabia que Karina só aceitava continuar viva porque queria vê-lo alcançar o ato inconcebível de matar uma deidade e trazer justiça ao nome de seu neto. A busca dessas verdades não cabia na mera força humana.
Foi então que, em uma noite fria, ele chegou na conclusão final. Havia caído no chão do galpão após uma crise, cortado com o vidro dos frascos. Seu sangue fluía e manchava os papéis caídos pelo chão.
Teve uma epifania, tinha certeza de que precisava fazer aquilo. O texto de seu pai sobre o Ritual de Transcendência era segurado com firmeza em suas mãos enquanto ainda ofegante pelas feridas que não havia fechado.
— Não é justo, não é justo que os humanos estejam à mercê dessas crueldades ilógicas! — disse para si, começando a tossir violentamente. — Eu preciso desse ritual, eu preciso dar um jeito de passar por cima de Layla Zayn e pegar essa coisa!
“Perdão Karina, sei que escondeu esse fato de Yunneh por medo de que ela tentasse essa loucura, mas serei eu a buscar isso!”
O sentimento megalomaníaco de Verion cresceu à medida em que pensava sobre as deidades e conhecia seus detalhes. Repetidamente imaginou-se virando um semideus para conseguir alcançar seus objetivos mais facilmente. Entretanto, isso não bastava.
“Só eu sozinho não posso matar uma deidade, mesmo que seja um semideus! Eu sei, eu sei, eu sei!”
— Hahahahahah!
“Mas não precisa ser só eu! Bilhões aceitariam me ajudar contra esse desgraçado se soubessem a verdade por trás da morte do Anjo… É isso, essa é a chave para matar deus!”
— DEUS MISTERIOSO! EU FAREI TODOS OS HUMANOS SE TRANSFORMAR EM SEMIDEUSES! EM NOME DA FAMÍLIA VELGO E DA HUMANIDADE, DAREI UM JEITO DE ALCANÇAR ESSE RITUAL!
“Preciso invadir a fortaleza de Layla Zayn e distribuir a transcendência por cada canto da terra! Essa é única real chance de vitória! A humanidade precisa nivelar o jogo!”
Ano 28 do Calendário da Calamidade, 7 anos após a morte do Anjo.
Verion não compartilhou com a irmã sua resolução extrema para o caso, queria fazer isso sozinho. Reconhecia as grandes chances de morrer em sua empreitada descabida e recusava-se a envolvê-la nisso.
Nesse ano, Yunneh havia sido oficializada no Grau Avançado II e ainda assim não estava satisfeita de forma alguma com aquilo. Por conta disso, conversou com o irmão em uma das vezes que voltou para casa.
— Se só ficarmos parados aqui, não vamos evoluir de verdade. — Yunneh estendeu a mão para ele. — Quilionodora, esse país, é só uma fração de tudo que podemos ver com nossos próprios olhos e aprender. No próximo ano, vou pedir para Lisbeth me liberar do treino, quero viajar pelo mundo e descobrir novas coisas!
— Tem alguma ideia de lugar para ir? — Segurou a mão dela.
— Quero descobrir o que é um Surgido, e acho que só a Deusa do Conhecimento pode me responder essa questão. Além disso, quero os poderes dela pra mim!
— Benten…
Perto do ano novo, Verion acordou em seu quarto com um pequeno caderno desconhecido em seu peito. Perguntou para Karina se ela havia o deixado lá, mas não era o caso.
“Deve ser coisa do deus misterioso… Nem tá tentando ser sútil dessa vez com as informações que joga na nossa cara de propósito.”
Foi ao galpão para examiná-lo melhor. O rádio continuava captando sinal de Raptra como sempre. Admirava a capa enquanto ouvia as notícias.
Houve uma infestação de fungos no bairro mais nobre da capital. São mais de 400 mortos! Parece que Vincent voltou a ativa após alguns anos escondido!
“Que estranho ouvir sobre esse cara desde que eu tinha 8 anos de idade… Ele realmente deve ser muito habilidoso pra fugir por tantos anos.”
— Que ótimo que não tenho nada a ver com esse doido aí — balbuciou com tranquilidade.
Abriu o pequeno caderno de capa branca, sentindo o primeiro parágrafo como uma pancada. Seus olhos se arregalaram e ele começou a rir de nervoso.
Verion, você tem um irmão. Mirya Velgo teve um filho em Raptra antes de se mudar e vir viver em Quilionodora. Seu nome é Vincent Velgo. Deve estar lembrado dos noticiários sobre um Vicent.
Não gostaria de conhecê-lo?
— Tá de sacanagem com a minha cara?! — Arremessou o caderno na parede e logo foi pegar de volta para saber se tinham mais coisas. Apenas páginas em branco. — Ai, ai, ai, como minha mãe conseguiu esconder uma coisa dessas?
As dúvidas sobre ter um irmão que era um assassino perigoso o tomaram rapidamente. A relação entre ele e Mirya, precisava saber a todo custo.
Seu plano de viagem havia mudado. Não seguiria Yunneh até o oriente, até a nação nomeada como Benten, queria ir para Raptra descobrir toda a verdade. Preferiu não contar a ninguém esse fato pela considerável possibilidade de que iriam ser contra ele ir atrás de alguém tão controverso.
“Ele é forte, talvez eu possa convencer ele a me ajudar na invasão à fortaleza da Layla Zayn…”
Restou aguardar o ano vindouro.
24/04/029, 8 anos após a morte do Anjo.
— Acorda Verion! É hoje! — Yunneh chutou a cama dele várias vezes.
— Arrmm… Calma, me deixa acordar em paz…
Sentiu a luminosidade do sol queimar seus olhos quando ela abriu a cortina do quarto dele. Esfregou os olhos e sentou-se na beirada, ainda sonolento.
— Quer um copo de café pra acordar essa cabecinha aí?
Yunneh com 23 anos e Verion com 15, as idades em que iniciariam a maior jornada de suas vidas. O mundo tinha muito a oferecer, e buscariam cada uma dessas belezas.
A verdadeira história da família Velgo acabava de começar.

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