Capítulo 30 - O Retorno do Mascarado
No topo de uma das montanhas próximas, Jeremiah encarava uma das criaturas bizarras que atacou a vila. Sua máscara branca com detalhes dourados ocultava sua feição irreverente perante a situação. Apoiava a espada carmesim no ombro e balançava a cabeça com o único propósito de exibir seu longo cabelo dourado.
— Eeeeehh coisinha feia da desgrama… — Olhava diretamente para o buraco no crânio infestado de girassóis negros.
O fétido líquido interminável caía mais rápido que o normal por conta de ataques anteriores. A aberração tremulava, gravemente ferida e queimada. O manto de carne que a recobria havia derretido e o interior ficado exposto, como uma crisálida rachada, revelando uma pulsante camada branca e áspera.
A coisa avançou contra o loiro, atravessando as duas longas mãos no peito dele. A armadura leve que utilizava por cima de vestes brancas foi varada, assim como sua carne.
“Que cara chato…”
— Bichão, tá me dando prejuízo! Sabe o quão caro foi comprar essa porra aqui? — Cutucou o buraco da ferida e o braço da coisa em silêncio por alguns segundos com cara de idiota. — Achei que você seria bem mais lento.
O monstro mal entendeu o que aconteceu, no segundo seguinte estava no chão. Jeremiah regenerou a ferida por completo e assoviou, chamando pelo inimigo. Uma nova batida na armadura nada causou, apenas fez os punhos daquilo retorcerem. A resistência proporcionada pelo Roha acabava de entrar em jogo.
— Quilionodora! — gritando o nome do Deus da Aniquilação, foi envolto por uma violenta aura vermelha.
Ele avançou, dando um chute no alvo que o ergueu no ar. Em seguida, saltou e agarrou pelo pescoço antes que tocasse o chão, arrastando-o alucinadamente encosta da montanha abaixo. A brutalidade exercida foi suficiente para arrebentar pedra e causar um deslizamento.
No fim das centenas de metros, em meio a uma chuva de detritos, a criatura de carne e tinta estava empalada em uma árvore que apresentava galhos cinzas.
O loiro, sentado na outra extremidade da árvore, ficou de pé em um galho e resmungou: — Cara, tu é muito fraquinho, nem precisei usar a minha espada.
A árvore voltou à coloração natural. Socou seu inimigo, jogando-o na plantação de trigo a centenas de metros de distância. A coisa se assustou quando viu Jeremiah de pé naquele lugar. Ele havia chegado primeiro.
Jeremiah saltou e chutou com tanta violência que o fez voar até a vila, cruzando aqueles seis quilômetros. Nas ruas de brita, Verion e Jon viram algo atingir em cheio o terceiro andar do casarão do prefeito.
— Jeremiah foi alguém que você reconheceu, isso que acabou de acontecer foi causado por um amigo seu?
— Amigo? Hahaha… J-jamais, jamais! Nunca ouvi falar nesse aí… Ahamm, continua correndo Jon! — Gesticulou de forma exagerada, quase perdendo o equilíbrio.
“Só pode ser sacanagem!”
A dupla seguiu e pulou por cima do alto muro que cercava o casarão, aterrissando num jardim repleto de margaridas. A residência de pedra e madeira era robusta, a mais alta da vila inteira. Verion olhou para o andar destruído e exclamou:
— Tá todo mundo inteiro aí dentro?!
Um homem de cabelos grisalhos, usando paletó, apareceu no buraco do terceiro andar, olhando para baixo com uma feição entediada. Segurava um charuto aceso entre os dedos.
— Por incrível que pareça, sim. E quem é você?
— Desculpa aí pela parte da invasão domiciliar! Vim ajudar, sou da família Velgo, quero curar sua filha e levar o médico pra ajudar os outros! — afirmou com uma confiança transbordante.
— Oh… Tomem mais cuidado na próxima, se meu guarda estivesse aqui vocês dois estariam mortos. — Suspirou e deu as costas para eles. — De toda forma, subam aqui logo.
Estava silencioso no quarto em que entraram. Uma garota de longos cabelos castanhos repousava em uma grande cama branca. Respirava de forma errática por medo.
Mark, com seu semblante exausto, olhou para Verion, torcendo os lábios por um estranho sentimento. Ele ajeitou o par de óculos antes de ironizar:
— Agora que eu fico desempregado mesmo…
A filha do líder da vila olhava assustada para a maleta médica e suas ferramentas ao lado. Seu ferimento, um corte no braço, havia sido limpo e apropriadamente tratado com antibióticos. O processo de sutura sem anestesia começaria em instantes. Porém, nada disso seria necessário.
Verion foi até ela e fechou aquela laceração com simples toque de alguns segundos. O brilho dourado reconstruiu a carne e a pele, livrando-a da dor rapidamente. A expressão chorosa dela ficou alegre de um segundo para o outro.
“O cabelo dela parece o da minha irmã…”
— Resolvido — disse ao se afastar da cama.
— Muito obrigada! — A garota começou a passar a mão no braço. — Mark! Nunca mais chega perto de mim com essas agulhas!
A figura, que estava sendo tratada tal como um açougueiro pela garota, ficou com a cara ainda mais fechada. Guardou suas coisas sem dizer uma única palavra e se dirigiu à porta para ir embora.
Verion o segurou pela manga da roupa, fazendo que olhasse para trás. Notou que um de seus olhos estava ferido e o curou, prontamente removendo a bandagem que o cobria sob os óculos.
A visão que teve dos olhos de Mark, agora de perto, exprimia muito mais do que mero cansaço. Parecia perdido, totalmente perdido.
— Você que é o médico da vila, certo? — perguntou o Velgo, apressado.
O homem de óculos balançou sua maleta com o simbolo universal da medicina: um trigo enrolado.
— Isso me parece um sim — brincou Charles, o prefeito, antes de ir abraçar a filha.
— Vou ser rápido. Pelo visto você não tem a Definição da Vitalidade, então não vai servir de muita coisa. Mas quero que faça um trabalho de contenção de danos enquanto eu não chego em outros feridos. Posso ter acesso à magia de cura, mas sozinho não vou resolver isso!
— Melhore um pouco na sua abordagem e na escolha de palavras — respondeu secamente, desviando o olhar.
— E eu falei algo errado?
Jon o puxou pela roupa e falou no ouvido dele: — Idiota, não diga que ele não vai servir de muita coisa! Como acha que um médico normal se sente não conseguindo impedir todas as mortes que aconteceram aqui. Bote essa cabeça para pensar!
Verion entendeu o problema, mas não sentiu qualquer arrependimento pelo que falou. Pediu desculpas de forma insincera, apenas para agilizar as coisas.
— Ok… vou ajudar.
— Médico, poderia nos explicar como esse lugar ficou desse jeito? — pediu respeitosamente o guia.
Mark, Jon e Verion desceram juntos e foram para o jardim enquanto conversavam.
Perto do fim da tarde, uma mulher de pele branca como gesso e cabelos negros como breu apareceu na vila. Crianças relataram seu aparecimento e disseram que ela assassinou um dos guardas antes de fugir para as montanhas gritando que alguém deveria parar. Minutos depois, a luminosidade e som da vila foram devorados. Tudo caiu em um silêncio sepulcral, e dezenas de criaturas monstruosas fizeram um caos infernal na vila, que nada pôde ver ou dizer.
— Que bizarrice — disse o Velgo, pensativo.
— Médico, quando estávamos chegando na vila, passamos por uma sensação similar dentro das cavernas daquela montanha. — Jon apontou para o ponto exato. — É uma associação lógica simples: essa pessoa está lá dentro agora.
— Humm… O ataque daquelas criaturas, pelo que pudemos entender, começou só depois que ela fugiu. Então é muito provável que essa mulher tenha controle total sobre elas e possa fazer ataques à distância — disse Mark, com os olhos focados na montanha.
O médico pensou: “Então a Madallen está em algum lugar lá dentro…?”
Pouco tempo depois, o grupo se separou para desempenhar funções específicas. Mark seguiu sozinho enquanto os dois permaneceram naquela área. Iriam começar naquele momento, porém um imprevisto vinha caminhando.
O loiro mascarado ia de encontro à dupla, brincando com sua espada carmesim.
— Olha só quem temos aqui, o rejeitado! — disse Jeremiah, saltitante.
— Eu só fui rejeitado uma vez, e por um dragão em um contexto não amoroso. Você foi rejeitado por mais de trinta garotas só ano passado — Verion retrucou.
— Elas não entendem o verdadeiro rooooomance! — O loiro apontou a espada para os céus.
— Levar alguém pra assistir um duelo mortal não é um programa romântico! — Apontou o dedo no meio do rosto dele.
— Tá vendo? Sociedade toda deturpada, a galera tem que curtir um duelinho também!
“Quilionodora é um desgraçado mesmo! Fez até o Jeremiah se afastar de mim e começar a ser chato de doer.”
Jeremiah caiu na gargalhada quando viu o estrago causado por ele no terceiro andar do casarão. Reconheceu os resquícios de energia do inimigo morto, enfiado em algum lugar lá dentro.
— Idiota — cochichou.
— Tá fazendo o que por aqui? Não achava que ia acabar vendo a tua cara tão cedo.
— A pretensão era só fazer uma paradinha por aqui, mas a vila foi invadida. E você, o que faz aqui?
— Eu tava indo encontrar um amigo meu em uma floresta à sudeste daqui. Apareceu um monstro esquisito por lá… — Colocou a mão sobre a máscara, tentando ser muito, muito legal. — Vai ser um belo troféu na minha casa!
“Esse jeitinho dele continua vergonhoso…”
— Pode ficar aqui um tempinho e nos ajudar? Já descobrimos a causa dessa destruição toda. — Deu um sorriso simpático para ele, apesar do punho fechado ao lado da cintura.
— Claro! — gritou Jeremiah, balançando a espada no mesmo movimento de assentir de sua cabeça.
Jon e Verion seguiram até a casa destruída mais próxima pouco tempo depois.
— Seu amigo é esquisito, né?
— Não chamaria isso de amizade. — Balançou a cabeça por desgosto. — Vamos logo, precisamos salvar o máximo de pessoas possível!

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