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    Circe e Ni, o Deus do Enigma, acabaram entrando em uma trégua temporária para conversarem. Ambos sabiam que seria problemático caso entrassem em confronto utilizando seus poderes máximos. Então decidiram dialogar com calma.

    O primeiro questionamento de Circe foi sobre a dificuldade de localizar deidades. Ni respondeu que todas haviam se reunido em uma catedral naquele continente. Cada um dos deuses daquele tempo tomou como prioridade se ocultar.

    Uma neblina mágica impedia que suas energias fossem detectáveis até por aqueles de percepção mais aguçada. Queriam se isolar daquilo que a invasora considerava uma anomalia.

    Caminhavam pelas planícies, rumando para um lugar que Circe não sabia qual era. Deduziu naquele momento que pudesse estar sendo levada para uma armadilha ou, de fato, para a catedral. Em qualquer caso, as expectativas dela permaneciam iguais.

    “Caso tentem fazer algo contra mim, matarei todos.”

    Ni tinha um semblante um tanto sério, e seu enorme sobretudo auxiliava na sensação de imponência. Os olhos escuros de tonalidade verde fitavam o horizonte daquela manhã desconfortável. Andava de forma tão questionável quanto Circe. Ambos não tinham muita noção de como se portavam.

    — Seu desejo é apenas matar o deus anômalo?

    — Primeiramente quero vê-lo com meus olhos e testar se essa estranheza que detectei é um perigo para o povo. Caso esse tal Vall Rotsala Farall não me pareça algo ruim, deixarei que viva.

    — Não resta um entre os nossos que creia na bondade dessa deidade. Estar em sua presença é uma sensação tão horrenda que beira o impossível imaginá-lo como alguém de bom coração.

    “Não diria que isso é um parâmetro…”

    — Quero sentir isso então. Só essa afirmação não acaba com minhas dúvidas. Como disse, não pretendo levantar minha velha foice contra o pescoço de ninguém. — Ela gesticulou, movendo a arma. — Preciso só checar essa entidade, e depois vou embora. Se importaria em me dizer onde Rotsala está?

    — Antes, tenho minhas próprias questões… — Ele parou e voltou o olhar para Circe. — O que você ganharia com isso? Está cumprindo uma missão? É um desejo seu em particular checar isso ou está recebendo ordens? De onde você é? Hahaha… é um tanto enigmático que eu nunca tenha ouvido falar em uma deusa com suas características.

    “…Não posso apagá-lo ainda.”

    Circe suspirou pesadamente enquanto encarava a feição do deus. Era uma despreocupação tão grande que irritava, parecia perguntar aquilo já cheio de certezas.

    — Estou mesmo em missão, mas vou me reservar ao direito de não responder nenhuma das outras coisas. Dizer a verdade faria você ficar muito mais agressivo comigo… Podemos só focar nos nossos interesses em comum?

    Entreolharam-se por longos segundos, até Ni abrir um sorriso indecifrável.

    — Espero que essas palavras valham de alguma coisa. — Estendeu a mão para ela. — Vou te levar até os deuses, mas mantenha em mente que todos tentarão te matar caso mova um dedo sequer.

    “Fácil assim?”

    “Humm… talvez as deidades daqui sejam muito mais fortes do que eu poderia imaginar. Não consigo senti-las para ter certeza, e esse homem parece tranquilo demais.”

    Um aperto de mão selou as intenções momentâneas, e partiram para catedral.


    Uma pesada neblina azulada pairava sobre a floresta, envolvendo tudo. Árvores altas e retorcidas, de troncos prateados e folhas pretas, brilhavam com o toque da neblina. O chão adiante repleto de crateras, algumas pequenas e outras vastas.

    Nessa paisagem, sob a luz solar, ruínas podiam ser vistas. As construções eram feitas de pedra escura, com paredes rachadas e telhados desabados. Tudo parecia extremamente antigo e abandonado.

    À beira de uma das maiores crateras, uma imponente catedral avariada era visível. As torres altas estavam quebradas e suas paredes exibiam rachaduras profundas que indicavam a idade.

    Uma enorme árvore prateada atravessava o teto da catedral. Seus galhos se espalhavam, entrelaçados com as paredes de pedra e estátuas decapitadas circundantes a construção principal. Frente à entrada, uma mulher alta com longas roupas escuras esperava.

    — Esse lugar sofreu algum ataque?

    — Humanos viveram aqui tempos atrás. — Ni acenou para a mulher, indicando que estava tudo bem com a figura que o seguia. — Não sabemos o que aconteceu além de que partiram daqui há centenas de anos.

    “Esse mundo deve estar em um estágio inicial de civilização. Só isso explicaria tanto território vazio por aqui.”

    Aproximaram-se da entrada da velha catedral. A mulher que estava diante da grande porta dupla deu passos adiante. Ela colocou os dedos pelo pescoço de Circe e a encarou de perto, olhando profundamente em seus olhos cor de rosa.

    “O que ela está fazendo?”

    — Essa é Zorya, a Deusa Astral.

    — Hum… legal saber, mas por que parece que ela quer me devorar viva? — Arrepiou-se e desviou o olhar.

    Zorya tinha cabelos roxos escuros com pontos brilhantes que lembravam o céu estrelado. Os olhos esbranquiçados analisavam cada centímetro da invasora. Ela deu alguns passos para trás e reverenciou a convidada após terminar.

    “Isso é alguma tradição?”

    — Vamos entrar, estão lá dentro. — Botou a mão no ombro dela. — Seja educada, por favor.

    Circe assentiu e deixou a foice na entrada para não assustar ninguém. Andou lado a lado com Ni até o interior.

    Dentro da catedral, vidros quebrados das janelas coloridas refletiam luz pelo chão coberto de destroços. Os pontos luminosos eram bloqueados momentaneamente pela neblina azulada que se infiltrava pelos buracos e rachaduras. No altar atravessado pela exótica árvore prateada, três figuras conversavam.

    Dois eram humanoides comuns e um deles uma criatura. Respectivamente, Dillun, Deus da Vastidão; Nabu, Deusa da Maximização; Veriss, Deus da Verdade. Abaixo da sombra das folhas pretas e raios de luz vindos do teto quebrado, voltaram-se para Circe.

    Veriss, com seus seis metros de altura e estrutura corporal curvada, cumprimentou Ni. A voz ressoou firme, saída da grande boca repleta de correntes presas nos lábios. Um manto cobria o corpo corcunda, encostado no tronco da árvore. O que deveria ser a pele parecia madeira e musgo. Não tinha cabelo e nem olhos.

    “Achei que teriam mais deles aqui…”

    — Temos uma visitante. — Ni sentou em um banco de madeira podre, dando a deixa para que ela se apresentasse.

    — Sou Circe. — Abaixou a cabeça, reverenciando. — Estou atrás de uma anomalia que vocês chamam de Vall Rotsala Farall.

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