Capítulo 40 - A Odisseia de Circe Lethê Parte 3
Após conversar com os deuses, Circe, com a ajuda de Ni, conseguiu firmar um acordo provisório. A ideia de que ela poderia ser uma deusa que entrou naquele mundo de forma misteriosa nunca foi descartada. Afinal, era improvável que existisse uma divindade que eles não conhecessem.
Mesmo com tal estranhamento, optaram por cooperar e avaliar o que ela poderia fazer para enfrentar a anomalia que tanto os amedrontava. Sua aparente ingenuidade e honestidade os convenceram de que ela não estava ali a mando do deus corrompido, Rotsala.
Durante a tarde, sentou-se à beira de uma cratera com Zorya e Nabu.
— Rotsala é tão ameaçador assim? — perguntou a invasora, a cabeça apoiada no ombro de Zorya, que parecia não se importar em ser usada de apoio.
— Não gostaríamos de admitir que tememos tanto ele. — Nabu forçava os dedos contra a palma da mão, pensativa. — Aquela presença é tão terrível que preferimos nos esconder nas profundezas desse continente.
A pele negra e cabelos cacheados de Nabu deixavam Circe admirada. Achou ela e a expressão otimista que mantinha algo muito bonito. Em comparação com Zorya, que era muito inexpressiva, ela parecia feliz.
— Não me disseram isso, mas pretendiam fazer algo a mais quando vieram para cá? É que não faz sentido para mim que esse seja o plano final, apenas ficarem escondidos aqui para sempre.
— Nosso primeiro pensamento foi um ataque direto, mas é impossível saber o que Rotsala fará… Ele é totalmente diferente. — Levou a mão ao rosto. — Verissi falou que tentaria conseguir as verdades sobre ele.
“Poderes de adivinhação ou algo do tipo?”
“Faz sentido quererem esperar essa resposta, parece mais seguro.”
Permaneceram lá até o crepúsculo.
À noite, reuniram-se no interior da catedral e fizeram perguntas mais incisivas a Circe sobre suas habilidades. Eles imaginavam que ela fosse poderosa, mas parecia imprudente enviar alguém cuja força desconheciam para uma missão de reconhecimento.
A deusa demonstrou parte de seus poderes, como ocultar a luz e o som, além de invocar suas criaturas. Embora ela tivesse escondido a maior parte de suas habilidades, notaram que o Roha que emanava dela era intenso e impressionante.
O líder do grupo, o Deus da Verdade, disse que revelaria à Circe onde deveria procurar. Era o momento dela provar que era confiável. Foi encarregada de encontrar Rotsala e avaliar de perto sua situação, já que não sentia medo dele.
O céu ganhava tons alaranjados com o sol prestes a surgir naquela manhã. Envolta na neblina azulada, a invasora observava as nuvens claras no céu. Uma de suas criaturas segurava a foice com suas garras afiadas.
“O que Ni queria me dizendo para esperar mais um pouco?”
“Seria melhor eu já ter ido embora.”
De repente, o deus veio dentre as árvores com uma maçã em mãos. O fruto era metade preto e metade branco, parecia irradiar a energia que Ni havia utilizado nos punhos para lutar com Circe no dia anterior.
— Parece que você é mesmo paciente.
O fruto foi arremessado e ela o agarrou com as duas mãos, por pouco não deixando escapar e cair. Segurar aquilo era como ter a pele rodopiada em um redemoinho. Nada de fato fazia ao corpo, mas a sensação era real.
— Quer que eu coma isso? — Inclinou a cabeça, levando para perto da boca.
— É para isso que maçãs servem, não é? — Uma risada leve escapou dele enquanto se aproximava mais. — Quero acreditar em você, apesar de ser a mulher mais suspeita que eu conheci na minha vida. Vou te dar acesso à minha Definição Divina.
“Isso é útil. Não consegui manter todas as minhas definições quando entrei nesse novo mundo.”
“Investigar Rotsala será mais fácil com esse auxílio.”
Sem maiores questionamentos, abocanhou e engoliu parte. Não tinha gosto, o que foi decepcionante para ela. Sentiu-se abraçada por um frio que parecia serpentear ao redor de si. Ficou claro aos seus olhos diversos pontos pretos, brancos e púrpura ao redor.
Focando-se instintivamente nos pontos, conseguia se teleportar para qualquer um deles com enorme facilidade. Em questão de segundos, reapareceu em cada mísero lugar em que pisou no terreno das ruínas.
— Isso é incrível! — gritou ao retornar para o ponto inicial.
Ni sorriu para ela e pensou: “Até essa deusa inexplicável é capaz de ficar empolgada e feliz… Espero mesmo que isso não seja tudo um jogo para nos trair. Quero acreditar nesse coração.”
— Espero vê-la novamente aqui. — Estendeu as duas mãos para ela, as palmas apontadas para cima. — Quando retornar, o Deus da Verdade possivelmente terá concluído sua adivinhação e saberemos mais sobre Rotsala.
— Espero que esses fatos descobertos não venham a ser necessários. — Colocou a mão esquerda sobre as dele, que a apertaram. — Vou tentar resolver a questão o mais rápido possível.
— Sabe onde procurar. Boa sorte.
Ela partiu das ruínas que circundavam a catedral. Fora do alcance da névoa azulada, sua presença era novamente passível de detecção.
A escuridão quase perfeita da noite permitia qualquer um ver o céu estrelado. Milhares de estrelas, galáxias distantes, outros planetas e fenômenos luminosos que não podiam ser explicados pelo conhecimento antigo.
Ventos gélidos abaixo de zero cortavam a região, uivando entre as enormes montanhas. Era um território praticamente inóspito. Entretanto, existiam lá alguns assentamentos humanos. Trabalhadores e agricultores formavam pequenas vilas ao redor de um grande lago.
Circe via, do pico da montanha mais alta, um lago gigantesco que brilhava lindamente. As águas eram de um ciano quase etéreo, transbordavam com Roha. Árvores e diversas flores beiravam as águas, alimentando-se da energia para sobreviverem ao clima cruel.
“Ele está em algum lugar por aqui…”
O leve vestido branco era balançado pela ventania intensa. Não sentia fria, então pouco importava para ela. Com a foice em mãos, jogou-se montanha abaixo, deslizando com os pés descalços na neve e pedras. Tendo o corpo protegido pelo Roha, avançava despreocupada.
“Não consigo sentir o Roha dele em lugar algum.”
“Deve estar tentando ocultar a energia, mas não vai demorar até que eu encontre.”
A operação de reconhecimento finalmente começava naquela madrugada. Encontrar Rotsala e averiguá-lo era questão de tempo.

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