Capítulo 8 - Duelo Azul e Vermelho
Verion permanecia escondido atrás da rocha a vários metros de distância, só esperando para interferir e salvar Jeremiah a qualquer momento. Ele não tinha noção dos poderes daquela espada e nem da misteriosa máscara branca com detalhes dourados, então acreditava que ele seria derrubado em questão de segundos.
O mascarado utilizou Roha para aumentar temporariamente sua força física, conseguindo assim erguer a espada e ficar em uma pose bem desengonçada. Nunca recebeu um treinamento formal como um espadachim de verdade, só segurava aquilo do jeito mais legal que lhe vinha na cabeça.
— Que porcaria de pose é essa? — Um pesado olhar de julgamento atingiu o loiro.
— Me olha assim não, estranha! — Concentrou energia na lâmina e avançou.
Yunneh continuava com o braço sangrando, preparando seu ataque. Bateu o pé no sangue e, dele, dezenas de lâminas de sangue congelado surgiram indo de encontro ao alvo. Jeremiah se livrou de parte delas com deflexões rápidas usando sua espada, porém foi atingido na perna.
“Não seria mais fácil só tacar gelo na minha cara? Qual é a desse sangue? Ela tá tentando bancar a vilã sombria de conto de fadas ou quê?”
— Quilionodora! — proclamando o nome da deidade, foi envolto por uma pequena aura vermelha, ganhando capacidades regenerativas e um aumento na força. Arrancou a lâmina da perna e a ferida aos poucos se fechou.
— Ah… eu chamei te justamente por achar você era patético e que ia te derrotar em um golpe só! — resmungou Yunneh, suspirando ao fim.
— Não foi muito bacana aí da tua parte dizer isso… — Fez beicinho, magoado.
As lâminas de sangue espalhadas pelo chão expandiram em várias direções com pontas de gelo. As protuberâncias atravessaram a terra e afundaram no solo.
“Caaacilda… Tá, já chega dessa bobeira, é a primeira vez que eu vou lutar tendo acesso ao meu poder todo! Hora da diversão.”
Yunneh percebeu o garoto ao seu lado de um segundo para o outro. Atingida por um profundo corte flamejante, afastou-se e criou centenas de espadas de gelo, fazendo elas choverem sobre o local.
— Vegarten! — disse o nome da Deusa da Vitalidade e, com a palma envolta por uma luminosidade dourada, curou todas as feridas em milésimos com uma simples passada de mão.
A lâmina escarlate cintilou e um corte no ar liberou uma explosão de chamas que derreteu todas as espadas gélidas. Ele efetuou uma série de ataques rápidos, gastando uma quantidade considerável de Roha. Yunneh segurou diversos golpes criando paredões de gelo, mas alguns deles foram atravessados.
— Bons movimentos, mascarado… — Uma enorme ferida foi aberta em seu torso por uma das explosões, mas ela a curou em instantes e utilizou o sangue para preparar mais um ataque.
Uma neblina tomava o lugar por conta dos paredões derretidos. Jeremiah aproveitou-se da baixa visibilidade e dos restos de gelo para se aproximar e realizar mais uma ataque.
Ela escutou o som da grama logo atrás e interceptou com sua empunhadura dupla, recobrindo as armas com o máximo da energia que conseguia exteriorizar por segundo.
As chamas não foram capazes de derreter, então Jeremiah colocou toda a força e peso para empurrá-la para trás. Quando iria realizar uma nova explosão, foi atingido pelo sangue que se expandiu. Teve todo o corpo perfurado.
“Merda!”
Foi golpeado com um chute no rosto e lançado a vários metros, derrubando uma árvore com o corpo. Levantou com uma mão nas costas, grunhindo.
— Essa ardeu de verdade, babaca!
Sua energia havia chegado na metade rapidamente. Respirou fundo e começou a caminhar na direção dela, arrancando as pontas de sangue e gelo, regenerando-se.
— Fiquei sabendo da sua condição. Verion me contou uma vez, você nasceu com uma capacidade de utilização de Roha quase nula, e essas coisinhas aí estão deixando com que use sua força completa. — Ela apontou as lâminas que portava. — Parabéns, você é forte.
— Como é que é a história? — Franziu as sobrancelhas com desgosto. — Cê tá me dando parabéns depois de tentar me matar?
— É.
“Cara, eu preciso arranjar amigos com famílias melhores… Inclusive, cadê a mãe deles?”
Uma sombra cobriu a visão do loiro de um segundo para o outro, gerando nele uma confusão antes de olhar para cima. Um pedaço de gelo enorme, do tamanho de um iceberg, vinha em sua direção como um meteoro.
— TAVA ESCONDENDO ISSO DESDE QUANDO?! — Boquiaberto, colocou a espada em riste e gritou o nome de Quilionodora mais uma vez, intensificando sua aura e o Elemento Fogo.
“Se essa coisa me acertar eu vou ser esmagado, m-mas dá mesmo pra derreter isso tudo?!”
Recuperou o fôlego e ajeitou a posição de suas pernas.
“Na verdade eu não preciso derreter tudo, só o suficiente pra fazer um espaço oco que não atinja meu corpo!”.
Enquanto olhava para cima e concentrava-se para o próximo ataque, sentiu dois toquinhos no ombro. Olhou para o lado e viu Yuuneh como uma feição sarcástica.
— Quem disse que podia me ignorar?
Teve as lâminas de gelo fincadas no peito, e quando achou que não dava para piorar…
— Revelação: Despina! — Yunneh gritou e, da palma de sua mão, um intenso e cristalino brilho azul surgiu, expandindo-se pela área.
Jeremiah começou a sentir os líquidos do corpo, cada um deles, congelando gradualmente. Incapaz de respirar o ar mais do que glacial, começou a perder a consciência. Não morreu de imediato com o choque térmico por conta da proteção do Roha.
“Eu não tenho como aguentar isso…”
TUMMMM!!!
A sombra acima deles desapareceu de um instante para o outro. Quando ela olhou para cima por reflexo, viu que seu grandioso ataque pregresso havia sido destruído.
Ambos sentiram seus braços sendo segurados, uma onda violenta de Roha, e foram ao chão. Nenhum deles conseguia se movimentar direito.
— Você ia matar ele?! — berrou Lorellai, encarando a jovem seriamente.
A umidade no espaço aumentou, tentava congelar a desconhecida a todo custo, mas nada acontecia.
— É um duelo, quem aceita pressupõe o risco de morte — argumentou Yunneh, indiferente.
Enquanto a ruiva pensava no que fazer, percebeu a cabecinha de Verion atrás da pedra à distância. Em se tratando da família Velgo, decidiu partir para o diálogo, mas só após desacordar a jovem com uma pancada.
Já durante a tarde, a filha dos Velgo bebia mais um enorme copo de café sentada no sofá da sala de casa. Sobre a mesa estava Lorellai, de pernas cruzadas, com um olhar afiado. Aguardava a viciada em cafeína dizer alguma coisa, batia os dedos na mesa tamanha era sua impaciência.
A sala permanecia infestada de papéis variados, o espaço era quase branco de tanto papel. Parte das informação haviam sido encontradas e compiladas, porém ainda restava um mar de informações para se descobrir.
— John e os meninos estão longe daqui, pode falar o que quiser, apenas seja honesta — disse a conselheira.
— Você me pedir isso é no mínimo difícil na minha situação atual. — Colocou o copo vazio de lado. — Ontem eu e meu irmão tentamos firmar um contrato com Quilionodora, mas ele nos rejeitou e ainda disse que iria nos matar.
— Sério? Nosso deus nunca foi exatamente criterioso com relação a quem cedia sua Definição Divina. — Mordeu o dedo indicador, pensativa.
Yunneh pensou: “É melhor não falar de nada envolvendo o dragão nos chamando de cobaia ou dizendo que há algo em nós, isso chamaria muita atenção. Droga, mas…”.
Caso ela não falasse, talvez o próprio deus espalhasse essa informação para os fieis. Tinha noção da real possibilidade de que seus seguidores aceitariam caçá-la e abatê-la. Mas, se fosse esse o caso, por qual razão ele não teria feito isso antes? Era a questão principal que pairava em sua mente turbulenta.
— Não faço ideia da razão dessa rejeição. — Deu de ombros e seguiu falando com calma: — Fomos atacados por ele no Domínio Divino.
— Foi daí que surgiram esses cabelos brancos?
— Quase… Depois do ataque nós voltamos à consciência no galpão. Não lembro muito bem o que aconteceu, só de que acordei de madrugada me sentindo mais forte.
Yunneh explicou que notou os fios de cabelo branco quando sentiu ter alcançado sua Revelação. Ela descobriu a própria verdade, sua força motriz, aquilo que moveria sua existência até o último dos dias livre de qualquer arrependimento por fazê-lo.
Ao chegar nesse patamar de autoconhecimento, atingiu o auge daquilo que os humanos podem fazer com Roha. Essa nova habilidade, fundada da força de vontade, objetivo e psiquê, entrou na cabeça de imediato, como se recebesse um manual de instruções.
Lembrou de uma breve passagem nos estudos de Elta:
As Revelações são tão variadas que, mesmo após tantos anos, não consegui encontrar um padrão perfeito. Há poderes que parecem violar qualquer sentido, e isso é interessante para dizer o mínimo.
Minha Revelação deixa todos ao meu redor intangíveis por alguns minutos. Fui capaz de fazer cidades inteiras sobreviverem mesmo abaixo de explosões que dizimavam montanhas inteiras.
Já minha velha amiga, Volu, conseguia multiplicar abóboras, e isso é engraçado. Algumas pessoas se tornam armas de destruição em massa ambulantes e outras ganham algum poder risível ou inusitado.
Quanto mais extremos os sentimentos e mais ambiciosos os seus objetivos, mais poderosa será, em tendência, sua Revelação. Aqueles mais “pé no chão” costumam ficar no meio do caminho. Ser alguém completamente entregue de coração e alma por algo é o ideal.
— Qual é o seu motivador? Tem que ser algo grande mesmo, você quase assassinou um garoto de 12 anos por isso.
Continuava misterioso para a conselheira, soava como um grande exagero. Utilizar uma força daquelas contra uma criança era como jogar um míssil em um formigueiro. Teve sorte de estar nas imediações e ver o meteoro de gelo.
— Eu queria fazê-lo entregar uma mensagem ao Quilionodora, era isso que ele deveria fazer caso perdesse — explicou Yuuneh ao unir as mãos.
A curiosidade da conselheira foi atiçada como a de uma criança. Mas, antes que as palavras pudessem sair de sua boca…
— Eu quero declarar guerra contra o deus Quilionodora e o desafiar para um duelo.
— Hahahahaha… Você… você bateu a cabeça por acaso? É isso? — Curvou-se para frente com as mãos no rosto, sentindo vergonha.
— É minha intensão — respondeu sem esboçar qualquer sentimento.
— Isso é impossível! Nem mesmo Lisbeth, que é uma semideusa, conseguiria lutar de igual para igual com Quilionodora!
Yuuneh levantou, caminhando pela sala em direção à saída com um sorriso resignado.
— De tempos em tempos alguém faz o inimaginável virar realidade. A história desde os primórdios nos mostra essas figuras tão únicas que abalam as estruturas do mundo… E eu serei a próxima nessa lista.
Estendeu a mão à porta e deu seu próximo passo, focando-se apenas no seu desejo. Não importava o quão absurdo ou irrealista parecesse, este seria o foco de sua vida: matar Quilionodora e a deidade misteriosa que ceifou a vida de seu pai.
A verdade que regia sua existência não era a vingança, mas a pura fúria contra as forças maiores. Se existia uma entidade que poderia fazer qualquer coisa cruel com qualquer um, essa entidade merecia ser executada.
Ela girou a maçaneta e sentiu a porta não se mover.
— Ah, tranquei isso aí antes, foi mal cortar seu clima…
Yunneh arrombou a porta com um chute, derrubando-a em Jeremiah, que ouvia atentamente por de trás dela.
— Hey, volta aqui! Não terminei de falar com você!
A conclusão da conversa subsequente, levada pela curiosidade de Lorellai sobre como os poderes dela funcionavam, foi de que todos deveriam ir até a capital do país.
Embora existissem categorias para classificar os usuários de Roha, nenhum deles havia sido categorizado. A conselheira queria avaliá-la, mas sabia que ela não iria sem o irmão, então incluiu ele e o amigo.
A filha dos Velgo disse que iria caso pudesse ter uma reunião direta com Lisbeth Pfaltzgraff, a semideusa representante do dragão e líder da nação. A conselheira aceitou os termos, mas alertou que a sua chefe poderia executá-la por crime de heresia.
Lorellai tinha interesse em estudar as capacidades dela e possivelmente agregá-la ao exército nacional. Afinal, além de ter conhecido a mãe dela no passado, encontrar alguém daquela idade com tamanho potencial era um pouco difícil apesar de não ser raro.
Verion, Yunneh, Jeremiah, Lorellai e John partiriam rumo à capital no dia seguinte.
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