Capítulo 105: Cidade das Sombras
A mensagem não trazia nenhuma assinatura, presumivelmente porque o remetente não ousava se identificar.
Mas, naquele momento, os únicos que teriam coragem de enviar uma mensagem para Adam eram ou a casa de penhores, ou o congresso do norte.
Assim, Adam arrumou seus pertences imediatamente e partiu sem hesitação.
Inicialmente, evitou utilizar qualquer meio de transporte público ou privado, mas logo percebeu que era impossível escapar completamente da vigilância das câmeras da Guarda Mecânica.
Após essa constatação, deixou de lado suas precauções e pegou diretamente o trilho do vazio até a borda da cidade. Quanto mais se aproximava da periferia, mais escassos se tornavam os prédios ao redor. Quando chegou à estação terminal, havia apenas deserto e terreno baldio ao seu redor.
Adam seguiu lentamente por aquela paisagem desolada, guiado pelo endereço da mensagem, e achou estranho que o número de pessoas e veículos ao redor estivesse diminuindo cada vez mais.
“As áreas periféricas da Cidade Sandrise não deveriam estar cheias de fábricas e usinas de tratamento de resíduos? E além disso só há fazendas e vilarejos como Cinzas. Por que há uma área tão vasta e vazia aqui? Será que o solo é infértil?”
Adam se agachou e pousou a mão sobre a areia sob seus pés.
Enquanto se perguntava aquilo, o ronco de um motor soou à distância.
O som se aproximou rapidamente, e um buggy com rodas enormes surgiu, parando bem em frente a Adam.
— Você é o Adam, né?
Havia dois homens no buggy, ambos com o rosto coberto por tatuagens e piercings. Estavam também equipados com diversos membros protéticos, quase todos modificados ilegalmente, e seguravam um estranho dispositivo eletrônico montado, que parecia ter sido o que usaram para localizar Adam.
— Sou eu — respondeu Adam com um aceno de cabeça.
— Que nome mais sem graça! Entra logo, mandaram a gente buscar você.
Adam não fez perguntas e subiu no buggy.
— Jogue fora seu comunicador e remova qualquer prótese com chip. — Um dos homens pegou o comunicador de Adam enquanto falava e o atirou no chão ao lado do veículo. Um lança-chamas então se estendeu de suas costas e disparou uma rajada de fogo que incinerou o aparelho.
Enquanto isso, o outro homem passou um scanner pelo corpo inteiro de Adam antes de assentir com a cabeça. — Tá limpo.
— Vamos nessa!
O homem que havia destruído o comunicador assumiu o volante, pisando fundo no acelerador. O buggy acelerou de 0 a 100 em cinco segundos, e a força do arranque quase lançou Adam para fora do veículo, era óbvio que o carro havia sido modificado.
Vendo as chamas saindo da traseira do buggy, Adam teve a sensação de que havia embarcado numa passagem só de ida para fora do mundo civilizado.
— Quem mandou vocês me buscar? — perguntou Adam.
Até então, ele ainda não sabia quem havia enviado aqueles dois, mas diante da situação, não tinha escolha senão seguir em frente, mesmo sem saber de nada.
— Sei lá. Só estamos sendo pagos pra isso.
A resposta dos dois homens não trouxe nenhuma informação útil, mas acabou deixando Adam um pouco mais tranquilo.
Pouco depois, ele fez outra pergunta:
— Pra onde estamos indo?
— Cidade das Sombras.
— Que tipo de lugar é esse?
— Um lugar acima da lei, a 101ª Área da Cidade Sandrise! Uhuuuul!
O homem aspirou algum tipo de líquido pelo nariz enquanto falava, entrando imediatamente em um estado de euforia.
O buggy avançou pelo deserto por quase duas horas até que chegaram a algo que parecia uma cidade abandonada. O cenário era tomado por ruínas, mato alto e animais selvagens, sem sinais de atividade humana, como uma cidade pós-apocalíptica.
Chegando à cidade, os dois homens levaram o buggy até uma estação de metrô selada, então se voltaram para uma câmera de vigilância para verificação de identidade, e um portão se abriu rapidamente, revelando uma passagem subterrânea.
O corredor era extremamente profundo, com luzes frias e opressoras ao longo do caminho, lembrando as estações de metrô de Moscou de cem anos atrás.
— Vamos!
Os dois homens não perderam tempo. Estacionaram o buggy de qualquer jeito e começaram a descer a pé pela passagem.
Adam contou os degraus à medida que descia a escadaria, e só depois de descer mais de 500 degraus e mais de 100 metros, chegaram ao fim da passagem, onde havia uma estação de metrô.
Havia agentes da Guarda Mecânica na estação, e a reação instintiva de Adam foi fugir. Mas, ao olhar mais de perto, percebeu que aqueles agentes eram unidades modificadas,não oficiais.
Eles eram montados a partir de peças sucateadas da Guarda Mecânica, vindas sabe-se lá de onde, e a maioria estava faltando componentes como membros, um contraste gritante em relação aos oficiais legítimos da Guarda.
No entanto, quem subestimasse esses autômatos pela aparência precária cometeria um erro fatal.
Apesar de parecerem em péssimo estado, com membros faltando e estrutura danificada, todos haviam sido modificados para aumentar sua capacidade de fogo. Por exemplo, o autômato mais próximo de Adam não tinha um braço, mas este fora substituído por uma peça de artilharia pesada. Outro, ao lado, estava sem as duas pernas, mas possuía esteiras de tanque em seu lugar.
Essas modificações pareciam absurdas à primeira vista, mas em combate, esses autômatos não ficavam atrás das unidades oficiais da Guarda Mecânica.
Aquilo não era apenas um caso de modificação ilegal em pequena escala, o que se revelava diante de Adam era um verdadeiro exército de autômatos. Era surpreendente pensar que algo assim existia nos arredores da Cidade Sandrise. Não era de se admirar que aquele lugar fosse considerado fora do alcance da lei.
Enquanto Adam encarava o exército de sucata diante de si, perdido em pensamentos, um sino metálico soou acima de sua cabeça e, em seguida, um “trem” começou a se aproximar.
Embora o veículo se movesse sobre trilhos, era mais parecido com um vagonete de mina: completamente aberto na parte superior, já com alguns passageiros a bordo, vindos de diferentes lugares. Alguns tinham os rostos cobertos por tatuagens, claramente habitantes locais, enquanto outros pareciam mais ‘normais’, exceto pelos olhos vazios. Era fácil presumir que fossem criminosos foragidos da justiça.
— Sobe aí!
Os dois homens que haviam trazido Adam pularam no vagonete, e ele os seguiu sem hesitar.
O vagonete avançava aos trancos e barrancos. Aqueles trilhos de metrô claramente não recebiam manutenção havia muito tempo, e em alguns trechos o sacolejo era tão violento que qualquer um podia ser arremessado para fora se não se segurasse direito.
Adam se agarrava firmemente à barra metálica, esperando pacientemente pela chegada ao destino.
Após cruzarem um longo túnel cavernoso por um tempo indefinido, Adam ouviu uma agitação ao longe. O vagonete acelerou levemente até parar diante de uma praça.
A transição foi abrupta, de um túnel silencioso para uma praça vibrante, e Adam teve a sensação de estar num sonho.
— Bem-vindo à Cidade das Sombras!
Adam desceu do vagonete ao som do alto-falante e ergueu o olhar para a cidade subterrânea à sua frente.
Havia gente por toda parte, e todos agiam de maneira estranha. Alguns usavam drogas psíquicas e estavam largados no chão como montes de lodo. Outros desfilavam pelas ruas exibindo armamentos pesados ilegalmente instalados em seus corpos. Alguns discutiam ferozmente, mas a briga não durou muito, terminou com alguém tendo a cabeça explodida.
Fluidos intracranianos espirravam para todos os lados, sujando os sapatos de transeuntes próximos, que pareciam já estar acostumados com aquilo.
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