Capítulo 118: Paradeiro

Na manhã seguinte, Adam foi direto falar com o Careca Lin.

— Ei, você pode me ajudar a entrar em contato com alguém do lado de fora? Eu ainda nem sei de que lado você está. Pode me dizer?

— Não.

— Entendi — respondeu Adam, assumindo um olhar pensativo.

Como Careca Lin se recusava a revelar a organização à qual era leal, era mais provável que pertencesse à casa de penhores. Ela sempre mantinha uma imagem de negócio legítimo e trabalhava regularmente com a Guarda Mecânica, então precisava manter as aparências dentro da legalidade o tempo todo, ao menos na superfície.

Já o congresso do norte e o exército da resistência eram diferentes. Eles criavam as regras, mas também eram os que as quebravam. Não precisavam seguir tantas convenções e limitações em suas ações.

— O que você quer? — perguntou Careca Lin, revirando os olhos, claramente tentando evitar problemas a todo custo.

— Quero que entre em contato com o mundo exterior por mim e diga que o vídeo do incidente não está em posse do Dragão de Rosto Oni.

— Só isso?

— Só isso.

— Certo, deixa comigo. Te mantenho informado.

Nos dois dias seguintes, Adam ficou à espera de notícias. Claro, não ficou apenas parado durante esse tempo. Aproveitou para explorar várias partes da cidade subterrânea com Shae e os outros, a fim de formar uma compreensão geral, mas detalhada, do lugar.

Só depois de entender melhor o funcionamento da cidade foi que Adam percebeu o quão distorcido aquele lugar era.

A cidade abrigava uma população de mais de 4 milhões de pessoas, mais do que qualquer uma das outras 100 áreas da Cidade de Sandrise. Vale lembrar que o segredo por trás da capacidade populacional das outras áreas era a ascensão da Internet das Coisas¹ e dos apartamentos inteligentes. Um único complexo de apartamentos inteligentes podia abrigar um milhão de pessoas.

Mas ali não havia prédios altos, nem meios convenientes para conseguir comida. Além disso, toda a cidade tinha apenas cerca de 30 quilômetros quadrados, o que, em teoria, não seria suficiente para sustentar uma população tão numerosa.

Ainda assim, desafiando a lógica, a cidade conseguia comportar essa população desproporcional. E mais: recebia um número enorme de visitantes, e em períodos de pico, sua população ultrapassava com folga os 4 milhões.

Além disso, Adam encontrou duas coisas que o deixaram completamente chocado.

Primeiro: ali não existiam leis. O diretor do estádio acreditava que o caos era a força motriz da sobrevivência humana, e que qualquer lei geraria ordem e, por consequência, opressão.

O exército mecânico modificado da cidade existia apenas para defender o lugar contra ameaças externas, não interferia em como os moradores agiam.

Assassinato, tráfico de drogas, prostituição e jogos de azar eram todos perfeitamente aceitáveis. De fato, já havia ocorrido um caso em que um sujeito perturbado explodiu cerca de uma dúzia de prédios, matando centenas de pessoas, e nada foi feito a respeito.

No entanto, mesmo nos lugares mais caóticos, a ordem sempre dava um jeito de surgir.

Se você matava alguém, precisava estar pronto para a vingança. Se espalhava pânico, tinha que estar pronto para ser eliminado por quem quisesse restaurar a paz.

No fim, o fabricante de bombas foi capturado e morto pelas pessoas ‘heroicas’ da Cidade das Sombras.

Essa situação por si só já era espantosa. Mas o que mais surpreendeu Adam foi o segundo ponto: a taxa de crescimento populacional natural da Cidade das Sombras era maior do que a da Cidade de Sandrise.

Essa taxa levava em conta apenas humanos concebidos naturalmente, sem uso de substitutos mecânicos. E, ainda mais impressionante, mesmo considerando os nascimentos por barrigas mecânicas, a taxa ainda era superior à da cidade principal.

Uma taxa de natalidade dessas era praticamente inexistente no mundo moderno, e no entanto, estava acontecendo justamente ali. Adam não fazia ideia do motivo, e tampouco se importava em descobrir. Depois de compreender mais ou menos como a cidade funcionava, tudo o que queria era uma atualização de Careca Lin.

Naquele dia, ele e Shae observavam os trens do metrô no sistema ferroviário subterrâneo quando recebeu uma mensagem de Careca Lin. Era curta, mas seu conteúdo era extremamente animador.

— Foi confirmado. Volte agora mesmo.

— Isso! — Uma fagulha de esperança de voltar ao mundo civilizado havia surgido, e Adam deu um forte tapa animado nas costas de Shae antes de agarrá-la e correr de volta à loja.

— Vamos! Confirmaram que o Dragão de Rosto Oni não está com o vídeo! Precisamos voltar agora!

Os dois correram da estação de metrô até a Loja de Fogo do Tio Lin e, ao entrarem, descobriram que todos os outros já estavam lá. Careca Lin fechou a porta da loja e reuniu todos em círculo.

— Acabei de receber notícias sobre o Gancho… Seu nome é Gancho, né?

— Isso mesmo. Já faz três dias, como é que você ainda não lembra do meu nome?

— Porque você é feio — respondeu Careca Lin com brutal honestidade, e então continuou: — Depois que a filmadora do Gancho foi colocada no compartimento de encomendas da abelha de entrega mecânica, ela não voou para o destino originalmente programado.

Careca Lin abriu um vídeo enquanto falava, e pela perspectiva da gravação, era visivelmente uma filmagem das câmeras de vigilância das ruas da Cidade de Sandrise. No vídeo, Gancho estava colocando sua filmadora dentro do compartimento de encomendas.

— Essa abelha de entrega foi interceptada pelo Dragão de Rosto Oni de uma empresa de frete legítima, então é considerada uma entidade autorizada, o que permite que ela voe livremente pela cidade sem ser impedida pela Guarda Mecânica. Teoricamente, ele deve ter modificado a abelha, o que significa que a filmadora colocada no compartimento deveria ter sido entregue a ele, certo?

— Certo.

— Logicamente, era isso que deveria ter acontecido. Mas há um ponto de divergência aqui. Isso já havia sido notado quando a filmagem foi recuperada, mas ninguém deu muita atenção. Observem aqui… — Careca Lin passou por algumas imagens enquanto falava. — De acordo com uma investigação feita depois do ocorrido, esse era o local onde o Dragão de Rosto Oni estava de fato. Ele estava a dois quarteirões do seu veículo, mas a abelha de entrega mecânica voou na direção oposta.

— Isso pode ter sido só porque ele não queria receber a encomenda sob vigilância das câmeras. Quem seria idiota de fazer isso em público?

— Exato. Inicialmente, foi isso que nosso pessoal pensou também, então não deram muita importância. Mas, depois de receber a mensagem do Adam, eles reanalisaram as imagens com atenção e descobriram que, após o carro do Dragão de Rosto Oni sair da cena, ele foi levado até certo ponto e, antes de sair da área monitorada pelas câmeras, o carro ficou circulando na mesma região por um bom tempo. Isso só pode significar que estavam tentando despistar perseguidores ou que haviam perdido o alvo. Além disso, ao acessar mais imagens da vigilância da cidade, conseguimos traçar a rota da abelha de entrega mecânica e verificar que ela saiu da cidade. Com todas essas evidências, parece bem provável que o Dragão de Rosto Oni realmente não esteja com a filmagem.

— Se não está com ele, onde ela está? — perguntou Shota Sato.

— Está aqui na Cidade das Sombras. — Dessa vez, foi Adam quem respondeu.

Ele não queria revelar seus segredos para os outros, especialmente para alguém da Igreja Psíquica como Shota Sato. A própria Igreja Psíquica já não era uma organização totalmente unificada, então não era algo em que se pudesse confiar plenamente.

Por isso, Adam já tinha preparado uma resposta para quando Shota inevitavelmente fizesse aquela pergunta.

— Quando itens sensíveis saem da Cidade de Sandrise, para onde costumam ir? Nos vilarejos e povoados ao redor, todo mundo se conhece, então a chegada de um forasteiro para buscar uma encomenda chamaria muita atenção, certo? E outras grandes cidades são longe demais.

— O que você está dizendo faz sentido, mas ainda é meio forçado — disse Shota Sato, franzindo levemente a testa.

— Tem alguma ideia melhor? — rebateu Nie Yiyi.

— Pelo menos isso nos dá alguma esperança! — Gancho também se agarrou à ideia com entusiasmo. — Senão, o que a gente vai fazer? Passar o resto da vida nesse lugar?

1. IoT, ou Internet of Things[↩]