Capítulo 137: Benevolência e Justiça (1/2)
Pelo modo como os dedos do programador tremiam, parecia mais que ele estava puxando o gatilho de uma arma para executar alguém do que simplesmente comprimindo dados com o mouse.
“Talvez ele esteja realmente matando pessoas com o que está fazendo…”
Adam voltou sua atenção para o crachá de identificação do programador e viu que o nome era ‘Liu Shouyi’.
— Ei!
— Hã? — Liu Shouyi se assustou com o som da voz de Adam e virou-se com uma expressão levemente apavorada. — Quem é você? De que departamento você é? Por que nunca te vi antes? Como entrou aqui?
Assim como em sonhos, pessoas no mundo psíquico mantinham uma lógica básica de pensamento, mas sempre de forma um pouco mais lenta e desatenta. No mundo real, se Adam estivesse atrás dele por tanto tempo, com certeza já teria sido notado.
Adam olhou fundo nos olhos de Liu Shouyi, tentando captar suas emoções, e respondeu:
— Eu vim te ajudar. O que você está fazendo agora parece estar te deixando com muito medo… ou devo dizer, culpa?
A pergunta de Adam trouxe à tona a parte mais sombria da mente de Liu Shouyi e, como esperado, o mundo psíquico ao redor respondeu imediatamente. Primeiro, todos os colegas de trabalho ao redor se viraram para olhar, e alguns começaram a chamar os supervisores, enquanto outros gritaram por seguranças.
Pela experiência de Adam, os superiores em ambientes tão opressores geralmente apareciam como aberrações ou anomalias no mundo psíquico.
Isso porque esses superiores eram fontes de pressão psicológica intensa, e, com o acúmulo emocional ao longo do tempo, mesmo que não evoluíssem para anomalias completas, era comum surgirem como aberrações.
Mas dessa vez, a situação foi completamente diferente.
Assim que Adam se fundiu com uma de suas anomalias e se virou para se preparar para lutar, foi surpreendido pela visão de um ‘anjo’.
Esse ‘anjo’ tinha uma aparência muito estranha. Era de descendência oriental, tinha a barriga inchada e dobras flácidas por todo o corpo. O mais curioso era que suas asas eram negras, mas não havia como negar a luz sagrada que irradiava de seu corpo.
Adam já tinha visto esse tipo de luz no mundo psíquico de Li Qi. A luz sagrada que saía do corpo daquele anjo era fraca, mas ainda assim real.
Para confirmar que aquele anjo de fato representava uma força positiva naquele mundo psíquico, Adam observou a reação de Liu Shouyi e, como esperado, a ansiedade e a culpa em seus olhos diminuíram um pouco após a chegada do anjo.
Nesse momento, os seguranças do andar de baixo invadiram a sala. Era a primeira vez que Adam se deparava com uma situação dessas, e não sabia se devia lutar ou tentar resolver pacificamente.
— Vamos manter a civilidade. Eu estou aqui para ajudar Liu Shouyi.
Após alguns segundos de reflexão, Adam escolheu não recorrer à violência. Até então, ainda não sabia quão poderosa era a anomalia de Liu Shouyi, se é que havia uma, e fazer um inimigo logo de início podia trazer sérias consequências depois.
Depois de tantos dias de busca, finalmente havia encontrado um possível sujeito ideal e não podia se dar ao luxo de estragar tudo.
— Você está aqui para ajudá-lo? — perguntou o supervisor angelical, encarando Adam. — Quem é você?
— Eu sou…
Na forma atual, Adam era visualmente assustador, mas as pessoas dentro de um mundo psíquico funcionavam como figurantes em um sonho, não sentiam tanto medo quanto deveriam.
Como não conseguiu dar uma resposta, dois seguranças se aproximaram rapidamente e o seguraram pelos braços para escoltá-lo para fora do prédio.
Os seguranças eram fracos, pouco mais fortes que pessoas comuns. Nem eram altos. Adam sabia que, mesmo usando só 10% de sua força, conseguiria lançá-los longe com facilidade. Mas se conteve.
Mais uma vez, não queria provocar o hospedeiro antes de entender o nível de poder da anomalia daquele mundo psíquico.
— Tudo bem, eu vou embora.
Adam lançou um último olhar ao anjo rechonchudo antes de deixar-se ser escoltado para fora pelos seguranças.
Depois de ser levado para fora do prédio, foi retirado do complexo, e não conseguiu deixar de se impressionar com todos os edifícios de alto padrão que viu ao redor.
“A Corporação Gaia deve ser absurdamente rica, considerando que toda essa área gigante pertence a eles.”
A sede da Corporação Gaia ficava nos arredores da Cidade Próspera, uma metrópole como a Cidade Sandrise, onde o valor da terra era altíssimo, e era extremamente raro ver um complexo industrial de uma única empresa ocupar praticamente metade de um distrito nesses lugares.
Após ser expulso da sede da Corporação Gaia, Adam não perdeu mais tempo ali.
Aquele não era o mundo real e ali, havia muitas maneiras de se descobrir mais sobre o passado de alguém, como por meio dos módulos psíquicos.
Todas as memórias profundas de uma pessoa deixavam módulos psíquicos em sua mente, e Adam não precisou ir muito longe antes que as ruas ao redor chegassem a um fim abrupto. Ele cruzou uma fenda escura e chegou a outro módulo psíquico de Liu Shouyi.
Nesse módulo, havia uma mansão construída na encosta de uma montanha. Em contraste com os apartamentos inteligentes onde viviam os pobres e marginalizados, aquela mansão ocupava uma área enorme, com grandes distâncias entre os espaços internos e muita privacidade.
Do lado de fora, havia uma piscina e um spa privativo gigantescos, com um grupo de mulheres deslumbrantes brincando na água. Mas Liu Shouyi estava dentro da casa, com uma expressão abatida.
— O que há com você? Por que tá sempre com essa cara?
Sentado à sua frente estava seu superior, Liu Shouren, saboreando uma taça de champanhe.
Os nomes ‘Liu Shouren’ e ‘Liu Shouyi’ eram muito parecidos, e Adam havia se surpreendido ao notar isso no crachá do ‘anjo’ pouco antes de ser escoltado para fora do prédio. Dado o grau de semelhança, era muito provável que eles não fossem apenas colegas de trabalho, mas também irmãos.
No oriente, os caracteres ‘ren’ e ‘yi’ carregam significados especiais. (Ren 仁 significa benevolência, e yi 义 significa justiça; juntos, 仁义 descrevem alguém benevolente e justo.)
— Eu… Você já sabe por quê.
Liu Shouyi parecia hesitar em como responder, ou talvez simplesmente não quisesse dizer nada.
— Eu sei o que você tá pensando. — Liu Shouyi lançou um olhar rápido ao redor, depois afastou o comunicador e aumentou o volume da música no máximo, como se estivesse preocupado com escutas. — Tá preocupado com os mortos, né?
— Isso mesmo. Os dados deles já estão incompletos. Se forem ainda mais comprimidos, até as memórias básicas vão se reduzir a pacotes mínimos. Mesmo que alguém pague para ‘ressuscitar’ os dados no futuro, a inteligência artificial só vai preencher as lacunas com base nas memórias anteriores. No fim das contas, essas pessoas comprimidas estão mortas!
— Escuta aqui! — Liu Shouyi respirou fundo e declarou: — Elas já estavam mortas desde o começo!
— Mas as memórias ainda existem…
— Isso não é problema nosso, entendeu? Por que a gente veio de tão longe, lá do leste? Pra ter uma vida melhor! Estudamos mais do que qualquer um, passamos por mais dificuldades que todo mundo. Esqueceu por que fizemos tudo isso? — Liu Shouyi pegou a garrafa de champanhe em cima da mesa enquanto falava. — Sabe quanto custou essa garrafa? Dezessete mil! É gostosa? Quem sabe?
— Talvez dois caipiras como nós nem tenham paladar pra apreciar esse tipo de coisa. Mas pelo menos, agora a gente pode beber quando quiser! Sabe quanto custou esse saco de chocolate? Quatrocentos e cinquenta! O cidadão comum não consegue pagar isso nem depois de um dia inteiro de trabalho braçal! E aquelas mulheres lá fora? Olha como são gostosas! Com a nossa cara feia, se não tivéssemos dinheiro, nenhuma delas sequer olharia pra gente, entendeu?
— Mas… Mas… A gente tá matando pessoas! Estamos matando dezenas de milhares por mês! Somos açougueiros!
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